Um ano depois, Copa deixa gosto amargo para Fifa e Brasil
Astrid Prange (av)12 de junho de 2015
Brasileiros convivem com trauma do 7 a 1 e com legado questionável de estádios e infraestrutura. Já a Fifa enfrenta ápice de um inferno astral que começou com as vaias a Blatter e o escândalo de venda de ingressos.
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Os "elefantes brancos" da Copa
02:47
"Doeu muito. Doeu, sim, senhor", admitiu, sem rodeios, a presidente Dilma Rousseff em entrevista à DW, referindo-se ao desempenho do Brasil na última Copa do Mundo. "Mas [...] brasileiro não desiste nunca. Por isso eu lhe digo: aguardem que um dia nós voltaremos."
A derrota de 7 a 1 diante da Alemanha no Mineirão, em 8 de julho de 2014, não apenas destroçou o sonho brasileiro do título. O pentacampeão mundial não se recuperou até hoje do desastre histórico – e tenta, aos poucos, reabilitar a reputação perdida.
À primeira vista, a "Copa das Copas" parece ter sido tudo, menos positiva, para o país anfitrião. A culpa não foi apenas da derrota traumática imposta pelos alemães: protestos em massa contra os custos astronômicos dos estádios do Mundial, os preços altos dos ingressos, o problemas nos transportes urbanos e a corrupção também minaram o megaevento esportivo.
Legado questionável
Em 12 de junho de 2014, a Copa começava com vitória brasileira e com vaias e xingamentos a Dilma e ao presidente da Fifa, Joseph Blatter, que acompanhavam tudo das arquibancadas. E, um ano depois, em termos de cimento, aço, vidro e tecnologia, o legado do torneio é bem modesto.
Apenas a metade das 70 medidas previstas para ampliação da infraestrutura municipal de transportes foi realmente concluída. A isso, acrescentam-se os gastos de 8 bilhões de reais das 12 arenas da Copa, das quais pelo menos quatro já se revelaram elefantes brancos.
O Mundial 2014 e seus gigantescos canteiros de obras deixaram suas marcas nos orçamentos da sétima economia mundial. E a esperada influência sobre o crescimento econômico do país revelou-se mínima: segundo dados do IBGE, em 2014 o PIB nacional só cresceu 0,1%.
Mas em um quesito o pentacampeão conseguiu uma vitória: em sua rixa com a Fifa. Os brasileiros não perderam a chance de chamar a atenção da entidade máxima do futebol para suas falhas de gerenciamento de segurança durante o torneio.
De acordo com seus estatutos, a Fifa está encarregada de "contratar pessoal qualificado e treinado para as funções necessárias à administração e operações de segurança durante o torneio".
Mas nos jogos Argentina x Bósnia, em 15 de junho, e, três dias mais tarde, Espanha x Chile, no Maracanã, ficou óbvio que o pessoal mobilizado pela Fifa não estava à altura da tarefa. Quando os torcedores chilenos invadiram o centro de imprensa e os argentinos derrubaram as cercas de proteção, a polícia brasileira teve que reagir para evitar o caos.
"Chute no traseiro"
Ainda mais impactante foi a prisão de funcionários da federação internacional e de pessoas ligadas à ela, em 7 de julho de 2014, em pleno luxo do Copacabana Palace Hotel. A polícia civil do Rio de Janeiro investiu depois de investigadores terem revelado um esquema de venda ilegal de ingressos por parte de funcionários e contratados da Fifa.
"Nossas relações foram bastante conflituosas com a Fifa", lembra Dilma na entrevista à DW. "Não tenho nenhuma queixa do senhor [Joseph] Blatter, que sempre teve um comportamento bem respeitoso em relação ao Brasil. O mesmo não digo de outras pessoas."
Uma dessas "outras pessoas" poderia ser o secretário-geral da organização, Jerôme Valcke. No que mais tarde foi justificado como uma imprecisão na tradução, em março de 2012, em plenos preparativos para a Copa, ele teria dito que a organização do torneiro no Brasil precisava de "um chute no traseiro" para começar a trabalhar. Segundo Valcke, o problema é que as tarefas simplesmente não eram cumpridas e que tudo estava atrasado.
Em reação, o então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, se recusou a continuar tendo o dirigente da Fifa como interlocutor. O congresso da Fifa em São Paulo, às vésperas do apito inicial para o Mundial, realizou-se sem a presença da elite política do país: tanto Dilma como o governador e o prefeito de São Paulo pediram desculpas por não poderem estar presentes.
Lucro recorde
Durante o torneio, porém, Valcke passou por uma verdadeira metamorfose. Em seu balanço ao fim da rodada preliminar, anunciou que "esta Copa do Mundo vai ser um dos maiores ímãs de público", e que, na organização do evento, o Brasil se encontrava "no caminho do sucesso".
As estatísticas da Fifa confirmam o otimismo do dirigente, antes tão negativo: com uma média de 53.592 espectadores, o país praticamente bateu o recorde de frequência aos estádios desde 1930. Única exceção foi o Mundial de 1994, nos Estados Unidos, do qual, entretanto, participaram 24 seleções, em vez de 32. Com menos jogos, a média de público tende a ser maior.
Esses números tão imponentes também asseguraram faturamento recorde para a Fifa. Segundo reportagem do Estado de São Paulo, os lucros da organização giraram em torno de 5 bilhões de dólares. Em comparação, a Copa da África do Sul rendeu 4,1 bilhões de dólares – livres de tributação, claro.
Contudo a festa acabou, tanto para o Brasil como para a Fifa. Dirigentes esportivos brasileiros estão tendo que encarar perguntas desagradáveis tanto ao pé do Pão de Açúcar como à margem do Lago de Zurique. Entre outros, a Polícia Federal e o Ministério Público submetem a inquérito o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira.
Além disso, o Brasil se dispõe a auxiliar a Fifa nas reformas planejadas. O ex-craque Zico já se ofereceu para a sucessão de Blatter. O veterano do futebol, de 62 anos, segue o lema da presidente Dilma: nunca desistir, mesmo que não haja a menor chance.
Estádios e cidades-sede da Copa de 2014
De 12 de junho a 13 de julho, o Brasil sedia a 20ª edição da Copa do Mundo. As partidas serão realizadas em 12 cidades, em estádios novos ou reconstruídos, que juntos custaram 9 bilhões de reais.
Foto: AP
Arena de São Paulo
O local da abertura da Copa é também a maior preocupação dos organizadores. A Fifa já aceitou o fato de que a Arena de São Paulo não estará 100% pronta no Mundial. As arquibancadas provisórias e o setor em que aconteceu o acidente com um guindaste ficarão sem cobertura. A arena custou cerca de 1,2 bilhão de reais e terá lugar para 69 mil torcedores na Copa – depois, serão 48 mil.
Foto: Embratur
São Paulo
Com cerca de 20 milhões de habitantes, a região metropolitana de São Paulo é a oitava maior aglomeração urbana do mundo. O município possui o décimo maior PIB do mundo e representa cerca de 12% do PIB brasileiro, além de ser responsável por um terço da produção científica do país. Historicamente, São Paulo tem a importância de ter sido o local da proclamação da independência do Brasil.
Foto: Embratur
Estádio Nacional de Brasília
Devido às restrições da Fifa, o estádio não será chamado Mané Garrincha durante a Copa. Do antigo estádio, só sobrou o nome. Uma arena multiuso com capacidade para 70 mil pessoas foi construída no lugar. Com custo estimado em 1,6 bilhão de reais, a arena é a mais cara da Copa do Mundo de 2014. Além do jogo Brasil e Camarões, outras seis partidas serão realizadas na arena.
Foto: Glauber Queiroz/Portal da Copa/ME
Brasília
A capital federal foi planejada e desenvolvida nos anos 1950 pelos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília é a terceira capital da história do Brasil. A construção mais marcante é o Palácio do Congresso Nacional, composto por duas semiesferas, que abrigam o Senado e a Câmara dos Deputados, separados por duas torres de escritórios.
Foto: ME/Portal da Copa/Dezembro de 2012
Estádio Castelão
O Estádio Governador Plácido Castelo, em Fortaleza, foi o primeiro a ficar pronto. Reinaugurada em 2012, a arena custou 520 milhões de reais, comporta 64 mil espectadores e sediará seis jogos na Copa, incluindo o do Brasil contra o México. Entre as reformas do Castelão, estão a ampliação da cobertura e a construção de um estacionamento subterrâneo, camarotes, setor de imprensa e novos vestiários.
Foto: Portal da Copa/ME/Abril de 2013
Fortaleza
A capital do Ceará é a quinta cidade mais populosa do Brasil e tem o maior Produto Interno Bruto (PIB) do Nordeste. Além disso, Fortaleza é a capital brasileira mais próxima do continente europeu, localizada a 5,6 mil km de Lisboa. Entre os filhos ilustres da cidade, estão os escritores José de Alencar e Rachel de Queiroz, além do ex-presidente Castello Branco.
Foto: Embratur
Arena Pernambuco
Localizado a 19 quilômetros de Recife, a Arena Pernambuco é, ao lado da Arena de Natal, um dos dois únicos estádios da Copa construídos do zero – ou seja, não se trata de um estádio antigo que foi reformado. Condutores de LED possibilitam a variação de cores na fachada, semelhante à da Allianz Arena, em Munique. A nova casa do Náutico custou 532 milhões de reais e comporta 44 mil torcedores.
Foto: Portal da Copa/ME/Maio de 2013
Recife
No século 17, Recife foi a capital do Brasil Holandês e, graças ao conde Maurício de Nassau, foi a cidade mais cosmopolita das Américas. Hoje, a capital pernambucana se destaca por abrigar o maior parque tecnológico e o segundo maior polo médico do Brasil. Segundo uma consultoria britânica, Recife será uma das cem cidades mais ricas do mundo em 2020, à frente de metrópoles como Munique e Amsterdã.
Foto: ME/Portal da Copa/Dezembro de 2012
Arena Fonte Nova
A Arena Fonte Nova – oficialmente, Complexo Esportivo Cultural Octávio Mangabeira – receberá, dia 13 de junho, a reedição da final da última Copa: Espanha contra Holanda. Na reforma, que custou 690 milhões de reais, a arena de Salvador recebeu uma cobertura que filtra a luz solar e é autolimpante. Uma enorme fita do Senhor do Bonfim envolve a nova Fonte Nova, com capacidade para 55 mil torcedores.
Foto: Portal da Copa/ME/Abril de 2013
Salvador
A primeira capital do Brasil é também a terceira mais populosa do país. Fundada em 1549, Salvador é hoje um centro da cultura afro-brasileira. O centro histórico, iconizado pelo bairro do Pelourinho e sua arquitetura colonial portuguesa, foi declarado Patrimônio Mundial pela Unesco em 1995. Na foto, o Elevador Lacerda, o primeiro elevador urbano do mundo, construído em 1873.
Foto: Embratur
Estádio do Mineirão
Se o Brasil for o primeiro de seu grupo, o Estádio Governador Magalhães Pinto, em Belo Horizonte, receberá a Seleção nas oitavas e semifinais. O novo Mineirão, com capacidade para 63 mil torcedores, custou 695 milhões de reais e receberá seis partidas da Copa. A final da Libertadores, entre Atlético-MG e Olímpia, registrou a maior renda da história do futebol sul-americano: 14,1 milhões de reais.
Foto: Portal da Copa/ME/Abril de 2013
Belo Horizonte
Projetada entre 1894 e 1897 pelo engenheiro Aarão Reis, Belo Horizonte foi umas das primeiras cidades brasileiras planejadas. Segundo a ONU, a capital mineira é a metrópole com a melhor qualidade de vida da América Latina. Um dos pontos mais bonitos é a Lagoa da Pampulha, rodeada por diversas atrações turísticas, incluindo a Igreja São Francisco de Assis (foto), um projeto de Oscar Niemeyer.
Foto: ME/Portal da Copa/Dezembro de 2012
Arena Amazônia
A Arena Amazônia – que não é casa de nenhum time das séries A, B ou C e tem média de público abaixo de 800 pagantes no campeonato estadual – custou cerca de 775 milhões de reais e comporta 42 mil torcedores. Durante as obras, quatro operários morreram, quase a metade das nove mortes em obras nos estádios da Copa. Sem utilidade após o Mundial, a Arena chegou a ser indicada para triagem de detentos.
Foto: Embratur
Manaus
No centro da maior floresta tropical do mundo, Manaus situa-se exatamente no encontro das águas pretas e barrentas dos rios Negro e Solimões. No final do século 19, a cidade ganhou destaque econômico com a exploração do látex e construiu belos edifícios com a fortuna proveniente da borracha. Atualmente, apoiada pelo Polo Industrial de Manaus, a cidade é a sexta mais rica do Brasil.
Foto: Embratur
Estádio Beira-Rio
Dono do Estádio dos Eucaliptos em 1950, o Internacional é o único clube brasileiro a sediar dois Mundiais. Para 2014, o Beira-Rio, em Porto Alegre, passou por uma reforma no valor de cerca de 330 milhões de reais e diminuiu sua capacidade para 48.849 pessoas. Com entrega prevista para 2012 e efetuada apenas em abril deste ano, é o estádio com o maior atraso com relação ao cronograma inicial.
Foto: Portal da Copa/ME/Gabriel Heusi/Janeiro de 2014
Porto Alegre
A capital do Rio Grande do Sul ostenta mais de 80 prêmios e títulos que a distinguem como uma das melhores cidades brasileiras para morar, trabalhar e estudar. Além disso, Porto Alegre detém o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as metrópoles brasileiras. Entre Art Nouveau, Art Déco e o neoclassicismo, a capital gaúcha exibe uma arquitetura rica e diversificada.
Foto: Embratur
Arena das Dunas
O governo do Rio Grande do Norte optou por demolir o Machadão e construir um novo estádio no local. Inspirado nas dunas potiguares, a nova arena custou 420 milhões de reais e tem capacidade para 32 mil torcedores. Durante a Copa, com arquibancadas provisórias, irá comportar 42 mil espectadores. O jogo de destaque em Natal será o confronto entre os campeões mundiais Itália e Uruguai.
Foto: Getty Images
Natal
Considerada "um dos quatro pontos mais estratégicos do mundo" pelo Departamento de Guerra dos EUA, Natal teve grande importância na 2ª Guerra Mundial. De lá, aviões dos Aliados abasteciam e seguiam para a Europa. Hoje, além das belezas como a Fortaleza dos Reis Magos e o Morro do Careca, Natal abriga a primeira base de foguetes da América do Sul e é chamada de "Capital Espacial do Brasil".
Foto: Embratur
Arena da Baixada
A Arena da Baixada – oficialmente, Estádio Joaquim Américo Guimarães – é o palco mais antigo da Copa. Inaugurado em 1914, antes mesmo da fundação do atual dono, o Atlético-PR, o estádio passou por diversas reformas. A da Copa tem um custo estimado em 330 milhões de reais e aumentou a capacidade da arena para quase 42 mil torcedores, pois o anel superior agora circunda o estádio por completo.
Foto: Embratur
Curitiba
Por se preocupar em ser ecologicamente sustentável, oferecer qualidade de vida, boa infraestrutura e dinamismo econômico, Curitiba foi nomeada pela revista 'Forbes' como a terceira cidade mais sagaz do mundo. A cidade também é famosa por suas inovações urbanísticas (na foto, o Museu Oscar Niemeyer) e por ter o menor índice de analfabetismo e a melhor educação básica entre as capitais brasileiras.
Foto: picture-alliance/dpa
Arena Pantanal
No lugar do demolido Estádio José Fragelli, está agora a Arena Pantanal, com custo estimado em 570 milhões de reais e capacidade para 43 mil espectadores. Após a Copa, porém, terá a sua capacidade reduzida para 28 mil pessoas, e o andar de baixo será transformado num espaço de convenções. Na Copa, Cuiabá deu azar no sorteio e nenhuma das principais seleções irá jogar na Arena Pantanal.
Foto: picture-alliance/dpa
Cuiabá
Fundada no começo do século 18 por bandeirantes paulistas que descobriram o garimpo do ouro, Cuiabá fica a cerca de cem quilômetros do bioma do Pantanal. O poder econômico da região vem da agropecuária. Com 26 milhões de toneladas ao ano, o estado do Mato Grosso detém um terço da produção brasileira de soja. A capital, Cuiabá, com cerca de 570 mil habitantes, é a menor das 12 sedes da Copa.
Foto: Getty Images
Estádio do Maracanã
Com capacidade para 78 mil pessoas, o Maracanã é o maior estádio do Brasil. Além disso, é a única das 12 arenas do Mundial de 2014 que também sediou partidas na célebre Copa do Mundo de 1950. Batizado de Estádio Jornalista Mario Filho, o "Maraca" será palco da estreia da Bósnia em Mundiais e da grande final da Copa, dia 13 de julho. A reforma do estádio custou 1,2 bilhão de reais.
Foto: Érica Ramalho/Governo do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Além de ter sido a base brasileira da curta permanência da coroa portuguesa em solo colonial, o Rio de Janeiro foi a capital do Brasil por quase 240 anos. Hoje, a Cidade Maravilhosa é o principal ponto turístico do hemisfério Sul. Entre as principais atrações estão o carnaval, o Cristo Redentor e a queima de fogos de Ano Novo em Copacabana.