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Esporte

Um coração dividido entre dois amores

16 de julho de 2019

Desde que me mudei da Alemanha para o Brasil e conheci o jogo bonito, meu coração futebolístico se partiu em dois. Graças a essa divisão já festejei cinco títulos mundiais pelo Brasil e mais quatro pela Alemanha.

O alemão Toni Kroos e o brasileiro Willian em disputa de bola na semifinal da Copa de 2014
O alemão Toni Kroos e o brasileiro Willian em disputa de bola na semifinal da Copa de 2014Foto: picture-alliance/dpa/T. Eisenhuth

Meu primeiro namoro com o futebol se deu em fins dos anos 40, num quarteirão arrasado pela guerra perto da cervejaria Schultheiss, em Prenzlauer Berg, um bairro operário de Berlim. Jogávamos com bolas de meia num campo improvisado entre os destroços de edifícios destruídos pelos bombardeios aéreos. Uma vez ou outra a bola ia parar bem no meio dos escombros, e, não raramente, nos deparávamos com uma bomba. O jogo era interrompido para chamarmos os bombeiros que vinham desarmar o artefato.

Anos mais tarde, já em 1954, tive contato pela primeira vez com o futebol brasileiro. Naquela época, era comum clubes brasileiros excursionarem pela Europa durante o verão. Um desses times era o Madureira, do Rio. Em junho daquele ano, a equipe carioca se apresentou em Berlim Oriental, no Estádio Friedrich-Ludwig-Jahn, pertinho da minha casa. Fui ver o jogo com meus amigos.

Foi um show de bola. O Madureira não tomou conhecimento do SV Chemie e goleou a equipe alemã. Ficaram todos fascinados com o futebol apresentado pelos brasileiros. No dia seguinte, os jornais trouxeram manchetes como "O futebol mágico do Pão de Açúcar".

Fato é que o Madureira abriu os meus olhos – e os do público alemão – para o futebol brasileiro. Já naquela época, o time do Rio contribuiu para consolidar lá fora a imagem do jogo bonito, do futebol vistoso praticado no Brasil. O jogador brasileiro passou a ser considerado um mágico com a bola nos pés.

Naquele mesmo ano de 1954, a seleção da Alemanha Ocidental conquistava seu primeiro título mundial ao desbancar surpreendentemente a Hungria na final. Foi um triunfo muito além do futebol. Apenas nove anos antes o país estava destruído, devastado pela guerra. 

Foi a minha primeira Copa do Mundo, e pude comemorar o título com meus colegas de escola, depois de ouvir a transmissão do jogo escondido embaixo de uma mesa de cozinha, lá em Berlim Oriental.  

Ao mesmo tempo, porém, fui seduzido pela magia do futebol brasileiro. E isso, graças ao Madureira, que, um mês antes daquele Mundial, havia dado um baile em alguns times alemães, entre eles o próprio Bayern de Munique. 

Cheguei ao Brasil em agosto de 1955. Desembarcamos em Santos e tomamos o rumo da capital paulista. No caminho, nosso anfitrião deu uma de guia turístico. Ao passar por um acanhado estádio, explicou: "Pertence a um clube daqui, mas não se compara aos grandes times de São Paulo." Àquela altura não dava mesmo para saber que ali, na Vila Belmiro, iria surgir a maior estrela do futebol mundial. 

Em São Paulo, para minha sorte, fui morar numa casa que ficava muito próxima ao Pacaembu, na época o maior estádio da capital paulista. Era tão perto que em dias de jogo dava até para ouvir o barulho das torcidas.

Um mês depois da minha chegada ao Brasil, em setembro, dei um jeito de assistir a um jogo do campeonato paulista. Na minha memória ainda estavam vivas as lembranças do futebol mágico do Tricolor Suburbano, apresentado com raro talento em campos berlinenses. Minha esperança era ver de novo esse talento sendo esbanjado por jogadores brasileiros.

E não deu outra. Foi um jogão de bola entre Palmeiras e Santos, com vitória alvinegra por 3 a 1. De quebra, me apaixonei por aquele time todo de branco enquanto ouvia os torcedores adultos ao meu lado dizerem que o Santos estava montando uma máquina de jogar futebol.

Ao mesmo tempo que me via envolvido pelo jogo bonito do futebol brasileiro, eu continuava fortemente ligado às minhas raízes do futebol jogado em condições precárias na Alemanha do pós-guerra.

Constatei que meu coração futebolístico se partiu em dois – e partido permanece até hoje, o que, convenhamos, tem lá suas vantagens. Afinal, graças a esse coração dividido já festejei cinco títulos mundiais pelo Brasil e mais quatro pela Alemanha.

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no TwitterFacebook e no site Bundesliga.com.br

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