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MigraçãoAlemanha

Um encontro com o suposto assassino de Würzburg

30 de junho de 2021

Fundamentalista ou doente mental? Ou ambos? Alemanha tenta entender o que motivou somali a matar três mulheres a facadas. Uma repórter da DW conheceu o suspeito em 2018, após ele ser vítima de extremistas de direita.

Flores e velas são dispostas na rua em homenagem às vítimas do ataque em Würzburg
Segundo especialista, a vivência da fuga e injustiça por refugiados é fator capaz de exacerbar dificuldades psíquicasFoto: Nicolas Armer/dpa/picture alliance

Um rapaz simpático, falador, nada tímido: essa foi a impressão que Johanna Rüdiger, hoje redatora da DW, teve do presumível autor dos atentados a faca de Würzburg, na Baviera. Em setembro de 2018, fazendo uma reportagem sobre manifestações de extrema direita para o grupo de mídia Funke, ela encontrou Abdirahman J. na cidade de Chemnitz, no Leste da Alemanha.

O jovem somaliano lhe contou que radicais de direita violentos haviam atacado a ele e a um amigo afegão, o qual ficara ferido. Rüdiger visitou ambos em casa. "Eles tinham acabado de assar um frango, me ofereceram comida e bebida, foi uma situação bem normal."

O afegão lhe pareceu muito amedrontado. "O somali era definitivamente o porta-voz dos dois, embora não falasse muito bem alemão. Ele queria falar, não sei se por necessidade de atenção ou se esperando obter ajuda." Abdirahman J. se sentia ameaçado pelos extremistas de direita do Leste alemão, queria ir para o Oeste. "Para mim, ele não pareceu psiquicamente perturbado, mas muito normal."

Raízes da violência

Como esse rapaz aparentemente normal pode ter se transformado num assassino? Alguém que, menos de três anos mais tarde, aos 24 anos de idade, atacaria transeuntes a esmo, esfaqueando-os, lhes cortando a garganta, matando três mulheres?

"Três anos, numa vida breve assim, são um tempo relativamente longo, e também muito marcante", explica o psicólogo social Ulrich Wagner, da Universidade de Marburg. "Muita coisa pode acontecer." Será que nesse período Abdirahman J. desenvolveu uma doença mental, ou se radicalizou religiosa e politicamente, transformando-se num fundamentalista islâmico violento?

A Alemanha discute sobre o atentado em Würzburg. As autoridades investigadoras ainda não tomaram uma posição definida a respeito. Segundo testemunhas, durante os esfaqueamentos, Abdirahman J. teria gritado "Allahu Akbar", mais tarde, no hospital, também falado de "jihad". Além disso, porém, antes do crime teria sido submetido a tratamento psiquiátrico.

"Essa dicotomização – ou seja, ou doença mental ou extremismo político, religioso – é muito promovida na política e na esfera pública", analisa Wagner. "E isso é incentivado pela estatística criminal, em que os funcionários simplesmente fazem uma cruz: ou isso ou aquilo. Psicologicamente, não faz o menor sentido." Pois muitas vezes ambos coincidem, quer se trate de agressores islamistas, radicais de direita ou, mais raramente, de esquerda.

"A coisa sempre começa com dificuldades de orientação. E aí, quando se juntam fatores agravantes e uma suposta oferta de ajuda por grupos islamistas ou radicais de direita, o resultado é exatamente essa conjuminância de insegurança psíquica, preenchida e aliviada por explicações simples." Daí resulta disposição à violência, também por vezes inteiramente através da radicalização na internet.

Ameaça de expulsão não é prevenção

Abdirahman J. chegou a Alemanha em 6 de maio de 2015, escapando da guerra civil na Somália. Apesar de seu pedido de refúgio ter sido recusado, permaneceu na Alemanha legalmente sob "proteção subsidiária". Segundo Wagner, a vivência da fuga, injustiça e violência é um fator capaz de exacerbar dificuldades psíquicas.

"Também a insegurança sobre o status de permanência tem potencial de agravar a situação. Isso não é para desculpar nenhum ato, mas pode fazer avançar a insegurança, e com isso também a permeabilidade a propaganda extremista." O sociopsicólogo é a favor de um debate aberto sobre atos violentos como os esfaqueamentos de Würzburg.

"É extremamente importante saber mais sobre as causas e discutir a respeito. Afinal, queremos impedir que algo assim volte a acontecer no futuro." Para a prevenção, é decisivo que os professores, por exemplo, recebam apoio profissional caso suspeitem que alguém esteja se radicalizando.

Em seguida aos atentados de 25 de junho na cidade bávara, a ala direitista alemã exige um endurecimento das leis de refúgio. Sua lógica é: quem não vem para a Alemanha também não tem como cometer crimes aqui. E quem seja considerado elemento de risco deve ser extraditado o mais depressa possível.

"Querer aparentemente resolver os problemas de jovens com histórico de fuga através da ameaça de deportação, não é prevenção, mas sim piora a situação", objeta Ulrich Wagner. "E se eles são deportados, não podemos evitar que, em seus países de origem, não consigam se estabelecer e voltem para nós, possivelmente ainda mais radicalizados. Isso não é prevenção, mas incitação."

Para a repórter da DW Johanna Rüdiger, segue sendo inexplicável o jovem somaliano que parecia tão amigável ter supostamente se transformado num assassino. Naquela noite de setembro de 2018, ela esqueceu seu segundo celular no apartamento, "e os dois o trouxeram até mim de táxi".

Abdirahman J. voltou a lhe dizer que precisava ir embora do Leste. "Depois ele também me escreveu, perguntando se eu não podia arranjar um trabalho para ele." A jornalista não o fez, em vez disso fez contatos para ambos receberem ajuda psicológica.

Se o somali aceitou? Para os familiares das vítimas de Würzburg, que incluem uma professora brasileira, o fato é provavelmente pouco relevante. Eles pranteiam seus seres queridos, cuja vida foi roubada por um homem armado a faca.

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