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Um país em suspenso

7 de outubro de 2018

Brasileiros esperavam deixar crise política e institucional para trás nas urnas, mas se abrem a mais incerteza, em disputa polarizada entre ex-militar que defende ideias autoritárias e substituto de ex-presidente preso.

Brasilien Jair Bolsonaro
Foto: Reuters/N. Doce

Quatro anos após a montanha-russa política e econômica que tomou o Brasil com o início da decadência do governo Dilma Rousseff, os brasileiros vão às urnas neste domingo (07/10) escolher o seu novo presidente. O que poderia ser encarado como uma oportunidade de recomeço para estancar a crise política e institucional e deixar o moribundo e impopular governo de Michel Temer para trás arrisca abrir as portas para mais incerteza.

Entre os favoritos para passar ao segundo turno da eleição presidencial está um ex-militar que expressa ideias autoritárias, defende o antigo regime militar e cuja campanha levanta, sem base, dúvidas sobre a confiabilidade do processo eleitoral. Ele também foi beneficiado pelas ansiedades dos brasileiros em relação a temas como a violência e corrupção e viu sua candidatura ser turbinada por boatos e mentiras disseminadas em redes sociais.

O outro favorito é um candidato que conduz uma das campanhas mais heterodoxas da história brasileira: o substituto de um ex-presidente que permanece preso por acusações de corrupção e que vem coordenando a campanha do seu apadrinhado de dentro da prisão, mesclando defesa pessoal com projeto político.

Os cenários de segundo turno entre esses dois candidatos por enquanto apresentam um empate técnico, adicionando mais incerteza ao resultado final. É um quadro que seria encarado com incredulidade no final do ano passado, quando o mundo político já começava a se movimentar em relação ao pleito.

Em relação ao Congresso, as perspectivas são de que os brasileiros mais uma vez elejam um Parlamento dominado pelas mesma oligarquias políticas que contribuíram para a crise política. Prognósticos apontam que a renovação na Câmara deve ser mais baixa do que em 2014. Ao todo, 79% dos deputados concorrem à reeleição. Já o Senado, segundo apontam pesquisas, pode ter a sua composição mais fragmentada da história, com até 23 partidos, dificultando ainda mais a formação de coalizões. Na mesma Casa, mais de duas dezenas de políticos envolvidos na Lava Jato devem conquistar mandatos. 

Em vez de desenhar um roteiro para a estabilização política, a própria campanha eleitoral refletiu o cenário de instabilidade que ainda castiga o Brasil. O atual líder nas pesquisas foi alvo de um ataque a faca em um ato de campanha. Já a candidatura que registrava as maiores intenções de voto no início da corrida eleitoral acabou tendo o registro negado e foi substituída no prazo limite. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, alimentou a tensão ao tomar decisões que atropelaram umas as outras quando o ex-presidente preso estava prestes a conceder entrevistas para a imprensa. 

O fenômeno Bolsonaro

Contra todas as expectativas que apontavam que sua campanha espartana não teria recursos e energia para assegurar um bom desempenho, Jair Bolsonaro (PSL) chega neste domingo já com a ambição de conquistar uma vitória decisiva no primeiro turno. Nas últimas semanas, o candidato direitista que era um pária entre o establishment político vem se beneficiando de uma onda a seu favor, se metamorfoseando no favorito de algumas das bancadas mais influentes do Congresso.

Nos últimos dias, passou a contar com a poio das frentes do "boi" (ruralista) e da "bíblia" (conservadores religiosos), que abandonaram o candidato Geraldo Alckmin (PSDB).

Largando na fase inicial da campanha com apoio concentrado em alguns setores do eleitorado, como homens, brancos e pessoas de maior renda, Bolsonaro viu seu apoio crescer entre outros setores, como eleitores negros e pardos e os mais pobres. Mesmo com seu passado de declarações machistas e misóginas, ele também melhorou seu desempenho entre as mulheres. Setores do mercado também começam a exibir mais simpatia ao ex-capitão, apesar de seus planos econômicos serem vagos. Aliados de última hora também vem minimizando o extremismo do candidato, que chegou a afirmar inicialmente que não reconheceria o resultado das urnas caso fosse derrotado. 

Mesmo declarações potencialmente danosas de membros do seu círculo, que se manifestaram contra o 13º salário e a favor da recriação da CPMF, não parecem ter feito diferença para deter seu crescimento. Bolsonaro também foi o principal beneficiário do antipetismo de parte do eleitorado, desidratando a campanha do tucano Geraldo Alckmin, cujo partido em eleições passadas concentrou o voto de descontentamento com os petistas.    

O fator Lula

Principal adversário de Bolsonaro, Fernando Haddad (PT) - que substituiu Luiz Inácio Lula da Silva no início de setembro, após o ex-presidente ter sido barrado pela Justiça eleitoral - a exemplo do ex-capitão também conduz uma das campanhas mais atípicas da história das disputas presidenciais.

As propagandas do ex-prefeito promovem seu nome, mas sempre à sombra de Lula. Membros do PT já afirmaram que o ex-presidente vai ter um papel "importante" em um governo Haddad, sem especificar como isso ocorrerá com ele na prisão. Coincidentemente, também neste domingo, Lula completa seis meses de prisão.

Após saltar para a segunda posição nas pesquisas em questão de dias graças à transferência de parte dos votos do seu padrinho político, Haddad viu seu crescimento nas pesquisas frear na semana decisiva do primeiro turno, contrariando as expectativas de que ele ultrapassaria Bolsonaro.

O crescimento inicial de Haddad resultou ainda em um efeito não desejado: reforçou a campanha de Bolsonaro, o candidato que melhor soube aproveitar a onda antipetista de parte do eleitorado. Ao insistir em sua candidatura presidencial e em manter a hegemonia no campo da esquerda, o PT também fez esforços para enfraquecer a viabilidade de outras candidaturas. Ciro Gomes (PDT), por exemplo, viu a possibilidade de reforçar sua campanha com uma eventual aliança com o PSB ser extinta após os petistas terem fechado um acordo regional com os socialistas em troca de uma neutralidade dos últimos na disputa nacional.

Ao longo da campanha do primeiro turno, os petistas também apostaram em um tom monotemático de ligar Haddad a Lula, despertando a memória do eleitores em relação aos anos de crescimento dos primeiros governos do PT na Presidência. A fórmula funcionou para transferir parte dos votos de Lula, mas agora vem mostrando suas limitações. Alguns setores do partido têm pedido uma mudança de rumo, diminuindo a ênfase no lulismo para atrair mais eleitores moderados. E só na última semana os petistas passaram a direcionar ataques a Bolsonaro, uma tarefa que vinha sendo deixada para outros candidatos.

O naufrágio da terceira via

Com a disputa se afunilando entre Bolsonaro e Haddad, os candidatos que se apresentaram como alternativa ou que representam antigas forças de eleições passadas acabaram sendo sufocados.

A campanha havia começado com expectativas altas para outros candidatos. Marina Silva (Rede) chegou a aparecer nas pesquisas em segundo lugar. Mas seu discurso acabou não ecoando em boa parte do eleitorado, que se sentiu mais atraída para a figura de Lula ou que passou a direcionar suas frustrações para a figura de Bolsonaro. No final, Marina definhou para uma posição de nanica nas pesquisas.

Alckmin, por sua vez, viu o eleitorado antipetista não reconhecer mais o fragilizado PSDB - também atingido por denúncias de corrupção - como uma força viável e correr para Bolsonaro. Em julho, Alckmin sinalizava que seria um candidato robusto ao negociar a coligação mais ampla entre todos os presidenciáveis, que lhe garantiu 43% do tempo de TV e uma série de palanques estaduais. Sua derrocada melancólica parece sinalizar que as redes sociais tomaram em parte a importância da televisão na disputa presidencial. Pesquisas indicam que o PSDB deve ter seu pior resultado nacional desde a redemocratização.

Já Ciro Gomes apostou em um tom mais propositivo nesta campanha e tentou romper com a hegemonia do PT no campo da esquerda. Seu plano de ajudar a limpar o nome de pessoas inadimplentes no SPC acabou despertando curiosidade nas eleições. Em cenários de segundo turno, Ciro aparece bem posicionado para derrotar tanto Bolsonaro quanto Haddad, mas as pesquisas mostram que ele não deve chegar à segunda rodada, apesar de seus apelos e de apoiadores nos últimos dias de campanha.

Assim, a eleição que há dois anos era encarada como um possível recomeço se firmou tanto como um referendo sobre a popularidade ou a rejeição do ex-presidente Lula quanto uma consulta sobre a viabilidade ou repúdio a Bolsonaro, que justamente se alimentou do repúdio que vários setores da sociedade sentem em relação ao petista.

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