Portadora inesperada do Nobel da Paz 2015, a associação formada por quatro entidades da sociedade civil exerce papel fundamental não só na Tunísia, mas para o equilíbrio do Oriente Médio e do mundo atual.
Representantes do Quarteto para o Diálogo Nacional comentam o Nobel da PazFoto: picture-alliance/dpa/C. B. Ibrahim
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A escolha do Prêmio Nobel da Paz deste ano fui uma surpresa tanto para os agraciados como para a população tunisiana. Muitos se recusavam a acreditar na notícia, pensando tratar-se de um erro ou de um trote. Contudo, a incredulidade inicial logo deu lugar ao orgulho. Pois é a primeira vez na história que a distinção entregue pela comissão em Oslo vai para aquele país da África do Norte.
Após a retirada do ditador Zine el-Abidine Ben Ali, quatro anos atrás, a ordem democrática nacional ameaçava entrar em colapso. Nesse momento de alta tensão política, quatro diferentes entidades da sociedade civil se uniram para impedir uma guerra civil.
Presidente do Comitê do Nobel, Kaci Kullmann Five, anuncia premiação em OsloFoto: Reuters/NTB Scanpix/H. Junge
Elas conseguiram, de fato, convocar as forças políticas inimigas à mesa de negociações, restabelecendo o consenso social. Por essa conquista em nome da democracia, o Quarteto para o Diálogo Nacional receberá o Prêmio Nobel da Paz 2015.
Após a queda do ditador
No poder desde 1987, Ben Ali foi forçado a fugir com a família para a Arábia Saudita, em 14 de janeiro de 2011, após um mês de protestos populares. A queda do ditador, porém, também fez com que o padrão de vida de muitos tunisianos despencasse. Desemprego e inflação cresciam, e aos poucos o país foi caindo na armadilha do endividamento.
Diante de tamanhas vicissitudes econômicas, democracia e direitos humanos deixaram de ser prioridade para parte dos cidadãos, e os atentados terroristas se sucediam. Aparentemente a sociedade não era capaz de chegar a o consenso sobre um modelo político comum.
Essa insegurança também se manifestava na Assembleia Nacional Constituinte de 2011. Seu trabalho progredia penosamente, um primeiro esboço constitucional foi rejeitado por grande parte da população. O país estava profundamente dividido entre os que apostavam numa Constituição secular e os que almejavam uma de fundo islâmico.
A crise ganhou expressão dramática em 2013, em dois atentados políticos. Em fevereiro foi assassinado o jurista e político de esquerda Chokri Belaïd. Em julho Mohamed Brahimi, membro da bancada esquerdista do Parlamento tunisiano, foi vítima de um atentado terrorista.
Em reação, acusou-se o partido no governo, Ennahda, de ter estimulado a violência política no país, com seu curso de islamismo moderado. Exigia-se que o líder partidário Rachid Ghannouchi assumisse a responsabilidade. Foi sob sua liderança que o Ennahda vencera a primeira eleição para a Assembleia Constituinte, e os primeiros-ministros tunisianos de dezembro de 2011 a janeiro de 2014 eram membros da legenda.
Membros do Quarteto festejam em Túnis adoção da nova Constituição tunisiana em 2014Foto: picture-alliance/AP Photo/A. Zine
União fortemente simbólica
Em meio à situação tão delicada, associaram-se quatro organizações da sociedade civil: a União Geral Tunisiana do Trabalho (UGTT), a organização patronal União Tunisiana da Indústria, Comércio e Artesanato (Utica), a Liga Tunisiana dos Direitos Humanos (LTDH) e o Conselho da Ordem dos Advogados da Tunísia. Sua proposta era promover o diálogo nacional e buscar um consenso político para o futuro de todos os tunisianos.
Quando os integrantes do grupo começaram a se reunir, no terceiro semestre de 2012, o simples fato de eles se encontrarem já foi sentido como um sinal significativo. "É um passo importante para a solução da crise política", comentou na época o historiador tunisiano Habib Kazdaghli. "Ele mostra como é decisivo o espaço que as ONGs ocupam na vida política da Tunísia."
Graças aos esforços do Quarteto para o Diálogo Nacional, sobretudo os grupos esquerdistas, até então mutuamente hostis, se aproximaram para formar uma aliança democrática, a qual passou a constituir um polo de equilíbrio em relação aos fundamentalistas islâmicos e o Ennhada.
Decisão histórica em Oslo
Para o jornalista da DW, Moncef Slimi, natural da Tunísia, a concessão do Nobel da Paz ao grupo é uma decisão de grande peso.
"Esse quarteto desempenhou um papel histórico para que a Tunísia fosse poupada de um destino como o do Egito, em que houve um golpe militar, ou da Líbia, em que a guerra civil domina. Por isso a Tunísia é uma exceção em relação a outros países da 'Primavera Árabe', e um modelo para a região."
Nesse ínterim, o Quarteto para o Diálogo Nacional é representativo da grande maioria da população tunisiana e reconhecido como autoridade moral. Segundo Slimi, o Prêmio Nobel é um incentivo para o país prosseguir na trilha iniciada.
"Na região, a Tunísia está sob pressão. A situação da vizinha Líbia é uma carga. Mas a conjuntura em Egito, Síria e Iêmen igualmente mostra a enorme tensão sob que se encontra o mundo árabe. Por isso, a decisão [do Comitê Nobel] é boa para a Tunísia: ela mostra que o mundo está do lado do país."
Controvérsias no Prêmio Nobel
O Nobel tem, em várias categorias, dividido a opinião pública e gerado debates desde seu lançamento, em 1901. Conheça alguns dos casos mais controversos da história da premiação, de Friedman a Obama.
Foto: AP
O pai da guerra química
Um dos laureados mais contestados de todos os tempos foi o cientista alemão Fritz Haber. Ele ganhou o Nobel de Química em 1918 por descobrir como sintetizar a amônia, algo crucial para produzir fertilizantes que revolucionaram a produção de alimentos. Mas Haber também ficou conhecido como o "pai da guerra química", por ter desenvolvido o gás cloro, utilizado nas trincheiras da Primeira Guerra.
Foto: picture-alliance/akg-images
A bomba atômica
Outro cientista alemão, Otto Hahn (centro da foto), ganhou o Nobel de Química pela descoberta da fissão nuclear. Apesar de nunca ter trabalhado na aplicação militar de sua criação, ela levou diretamente ao desenvolvimento da bomba atômica. O Comitê Nobel queria dar o prêmio a Hahn em 1940, mas ele acabou sendo laureado em 1945, meses após as bombas nucleares terem atingido Hiroshima e Nagasaki.
Foto: picture-alliance/G. Rauchwetter
A descoberta que o mundo baniu
O cientista suíço Paul Müller levou o Nobel de Medicina em 1948 por descobrir que o composto químico DDT era capaz de matar insetos vetores de doenças perigosas, como a malária. O uso do pesticida durante e após a 2ª Guerra Mundial salvou milhões de vidas. Mais tarde, porém, descobriu-se que o pesticida era prejudicial à saúde. Atualmente, o uso agrícola do DDT é proibido mundialmente.
Foto: picture-alliance/dpa/UN
Um prêmio inconveniente
O Nobel da Paz talvez seja o mais controverso entre as categorias da premiação. Em 1935, o jornalista e pacifista alemão Carl von Ossietzky recebeu o prêmio por expor planos secretos para o rearmamento da Alemanha. Dois membros do comitê do Nobel renunciaram após a decisão. Ossietzky foi preso por traição, e Hitler acusou o prêmio de intromissão.
Foto: Bundesarchiv 183-R70579
O Nobel da (quase) paz
A decisão de dar o Nobel da Paz a Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos EUA, e a Le Duc Tho, líder do Vietnã do Norte, em 1973, foi duramente criticada. Dois membros do comitê renunciaram em protesto. O Nobel estava reconhecendo os esforços para um cessar-fogo no Vietnã. Tho rejeitou o prêmio, Kissinger enviou um representante para recebê-lo. A guerra se estendeu por mais dois anos.
Foto: picture-alliance/dpa
O libertário e o ditador
Defensor do livre-mercado, o economista americano Milton Friedman é um dos vencedores mais controversos do Nobel de Economia. O prêmio, dado a ele em 1976, gerou protestos internacionais, por conta de um suposto vínculo com o ditador Augusto Pinochet. Friedman havia visitado o Chile um ano antes, e manifestantes alegaram que suas teorias econômicas inspiraram o regime opressor.
Foto: PD
O Nobel da paz ilusória
O Nobel da Paz de 1994, compartilhado pelo então líder palestino Yasser Arafat, o premiê israelense Yitzhak Rabin e o ministro do Exterior de Israel Shimon Peres, buscava alavancar o processo de paz no Oriente Médio. Mas as negociações falharam, e Rabin foi morto por um nacionalista israelense um ano depois. Um membro do comitê do Nobel renunciou após a decisão e chamou Arafat de "terrorista".
Foto: Jamal Aruri/AFP/Getty Images
Um livro de memórias turvas
Defensora dos direitos indígenas, a guatemalteca Rigoberta Menchú ganhou o Nobel da Paz em 1992 por “seu trabalho a favor da justiça social e da reconciliação étnico-cultural”. Mais tarde, sua autobiografia, publicada em 1982 e grande alavanca de sua popularidade, foi acusada de ter passagens fictícias. Por esse motivo, muitos argumentaram que Menchú não seria merecedora do prêmio.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Fernandez
Prestígio antecipado
Barack Obama ganhou o Nobel da Paz em 2009, e até ele próprio ficou supreso. Em seu primeiro ano como presidente dos Estados Unidos, Obama foi homenageado "por seus esforços extraordinários em fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos". Muitos alegaram que a homenagem foi prematura e que veio antes de ele ter, de fato, a chance de causar um verdadeiro impacto.
Foto: picture-alliance/dpa
Prêmio póstumo
Em 2011, Jules Hoffmann, Bruce Beutler e Ralph Steinman levaram o Nobel de Medicina pela descoberta de uma nova célula do sistema imunológico. Mas Steinman morreu de câncer alguns dias antes da premiação e, de acordo com as regras, prêmios não podem ser concedidos postumamente. O conselho decidiu manter os homenageados, alegando não ter conhecimento da morte de Steinman no momento da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/Rockefeller University
A maior omissão
Não só os vencedores são responsáveis por tornar o Nobel um prêmio controverso. Mahatma Gandhi, líder da luta pacífica pela independência da Índia, foi indicado cinco vezes ao Nobel da Paz, mas nunca ganhou. Em 2006, Geir Lundestad, membro do Comitê Nobel, disse: “A maior omissão nos nossos 106 anos de história é, sem dúvida, o fato de Gandhi nunca ter recebido o Nobel da Paz.”