Quando milhares de refugiados chegaram à Alemanha em 2015, a chanceler federal Angela Merkel prometeu: "Vamos conseguir!" O sírio Samer Serawan e seu restaurante mostram que ela tinha razão.
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Em 2015, Samer Serawan e sua esposa, Arij, chegaram à amarga conclusão de que não podiam mais ficar em Damasco. Samer administrava uma empresa de importação e exportação de alimentos e uma fábrica de leite achocolatado.
Mas sua empresa foi "roubada" por um dos muitos grupos armados que surgiram durante a guerra no país. "É terrível na Síria: há muitos grupos, e todos estão lutando", diz o homem de 41 anos, sem querer entrar em detalhes. Por fim, trilharam a tristemente notória "rota dos Bálcãs" até Berlim.
"Tenho tentado esquecer. Mas toda hora me fazem perguntas que trazem de volta as lembranças", comenta, com um sorriso triste. "Foi preciso fazer um pacto com o diabo", acrescenta, referindo-se aos traficantes de pessoas que encontrou a caminho da Grécia. "Usamos de tudo, caminhamos, andamos de barco, de trem, de ônibus, tudo."
Samer está sentado em seu restaurante, o Damascus' Aroma, que abriu em Berlim com a esposa em 2019. São 3 horas da tarde de uma quarta-feira, numa rua quente e barulhenta. Mas as mesas do lado de fora estão todas ocupadas. A comida – pimentões e folhas de uva recheados, cordeiro e frango grelhados, bulgur e temperos do Oriente – é a autêntica cozinha síria, o jeito como os sírios cozinham em casa.
"Dias terríveis"
Depois de finalmente chegarem a Berlim, Samer e Arij passaram o inverno de 2015/16 num hangar do aeroporto desativado de Tempelhof. O governo estadual havia transformado apressadamente o enorme espaço em campo de refugiados, para lidar com o alto fluxo diário de refugiados.
Nos hangares, paredes divisórias separavam os pequenos "quartos" improvisados com beliches. Centenas ficaram alojadas ali. Ainda hoje há um aglomerado de contêineres para refugiados no antigo aeródromo de Tempelhof.
Naquele inverno, Samer passou os dias principalmente na Secretaria de Saúde e Assuntos Sociais (LaGeSo) de Berlim. O caos burocrático na autoridade de saúde e bem-estar social criou algumas das imagens marcantes da "crise dos refugiados" na Alemanha: massas de sírios e afegãos tinham de esperar até 16 horas, "arrebanhados" entre barreiras de metal pelas forças de segurança, já a partir das 3 horas da manhã, num pátio lamacento.
As crianças dormiam com roupas doadas, alimentos, cobertores e primeiros socorros foram organizados por instituições de caridade. O sistema de ajuda social de Berlim, já em circunstâncias normais carente de pessoal e recursos financeiros, teve problemas para enfrentar a grande afluência. "Foram dias terríveis", lembra Samer.
Mostrando Berlim aos berlinenses
Nos anos seguintes, o casal morou em dois outros locais – uma vez fora da cidade, e outra no projeto social Refugio, no bairro Neukölln. Lá encontrei Samer e Arij pela primeira vez: fiz um passeio pela região do ponto de vista de um refugiado, numa iniciativa da organização Querstadtein.
O passeio ofereceu aos berlinenses uma nova perspectiva sobre sua cidade: como um recém-chegado vê a capital? Quais lugares são importantes para os refugiados? Isso foi em maio de 2016. Era impossível ignorar a presença dos sírios na capital alemã: havia novos supermercados árabes, novos restaurantes, e muitas lojas ao longo da movimentada avenida Sonnenallee exibiam escrita árabe na fachada.
Enquanto isso, um termo mais antigo retornou ao vocabulário: "integração" estava em alta na mídia e voltou a ser um forte tema para os políticos. Quase não passava um dia sem a preocupação de como os imigrantes sírios e afegãos poderiam ser "integrados" à sociedade alemã.
Samer tem sua própria visão de integração: "Por muito tempo, ela significou que se devia viver como os alemães. Mas isso não é integração. Integração é quando se convive, quanto se encontram bases comuns."
Trabalho com os europeus
As caminhadas por Neukölln foram um começo nessa busca por algo comum. "No passeio, encontramos gente, mostramos alguns lugares, e então surgiu a ideia: 'Vou me sentar com eles, vamos continuar conversando.' Eles têm muitas perguntas, e a caminhada é muito curta."
Assim, Samer e Arij começaram com suas "oficinas de contar histórias" no Refugio, acompanhadas de comida síria. "Sabe, quando cheguei aqui, muitas organizações trabalhavam sírios. Mas estou fazendo o contrário: estou trabalhando com os europeus, com os americanos, com quem vive por aqui."
Ele estima – e ri ao lembrar-se – que menos de 10% de quem veio às oficinas conhecia um refugiado antes. "Então começamos a falar sobre refugiados e integração. Havia muitas perguntas, e as respondemos. Conversamos sobre o significado de 'refugiado', o que eles pensam dos refugiados, e conversamos sobre a situação antes e depois de chegarmos aqui."
A ideia do restaurante nasceu dessas oficinas em 2019. Ele foi reaberto recentemente, depois de quase falir, devido às medidas de isolamento da pandemia. "Não é apenas um negócio", enfatiza Samer. "Quem vem aqui são fregueses só por cinco minutos. Depois, começam a ser nossos amigos. Aqui, eles se sentem como se estivessem em casa."
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.