Um terço de terras de exploração em países emergentes afeta áreas indígenas
19 de setembro de 2013Um terço de todas as terras concedidas pelos governos de países emergentes para a exploração comercial – seja mineração, corte de madeira ou mesmo agricultura – pertence a áreas demarcadas como reservas indígenas.
Os números foram apresentados nesta quinta-feira (19/09) pela organização americana Rights and Resources Initiative, em uma conferência na Suíça que discute direitos territoriais. O Brasil também está citado no documento, com dados detalhados sobre Mato Grosso do Sul: dos 42.097 hectares de cultivo de soja na região de Takuara, por exemplo, 7.640 estão sobre áreas indígenas.
O documento propõe uma análise de mercado, mas levanta aspectos controversos. A pesquisa tenta criar modelos que permitam avaliar o risco de investimento em áreas rurais de 12 países emergentes, com ênfase em conflitos de terra. O relatório alerta que empresas que negligenciaram pendências em demarcações ou a ocupação histórica de áreas tiveram seus custos de implantação aumentados em até 29 vezes, inviabilizando os negócios.
A Argentina aparece no topo da lista dos conflitos de interesse: no país vizinho ao Brasil, 86% de todas as áreas de terra concedidas para o cultivo da soja são reclamadas por povos nativos. No Chile, Colômbia e nas Filipinas, 30,5% das prospecções de mineração coincidem com territórios indígenas.
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A advogada brasileira Fernanda Almeida, membro da equipe responsável pela produção do documento, destaca a importância do diálogo antes da instalação de qualquer empreendimento. "Queremos deixar claro que também é de interesse do investidor que as pessoas que vivem nessas áreas tenham seus direitos previamente reconhecidos", destaca.
De acordo com ela, a presença de empreendimentos em terras demarcadas – ou reivindicadas – por povos nativos é considerada invasão, independente dos contratos firmados com os governos.
Embora o documento restrinja a avaliação do cenário brasileiro ao setor agrícola, esse conflito se expande também ao setor energético, como pontua Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA) e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) na década de 90. O plano de expansão do setor, especialmente com a construção de barragens, coincide com áreas ocupadas por índios, como Belo Monte.
Ameaça da mineração
A disputa por áreas de mineração também tem gerado prejuízos. Um dos mais representativos seria o conflito das minas de Tampakan, nas Filipinas, onde um investimento de 5,9 bilhões de dólares está inserido em uma disputa territorial, conforme diz o relatório. "Conflitos pela posse da terra raramente beneficiam qualquer das partes envolvidas", enfatiza Lou Munden, um dos autores do estudo.
No Brasil, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é taxativo em afirmar que não existem concessões para a mineração em terras indígenas. Informações do instituto dão conta que, embora a Constituição contemple essa possibilidade, ela exige lei específica para regulamentar as atividades. Diferentes textos e propostas tramitaram pelo Congresso em diferentes momentos, mas nenhum foi aprovado. No entanto, índios fazem a denúncia constante de garimpos ilegais em terras demarcadas.
O trâmite de novas regras para o modelo de mineração do Brasil pode incluir cláusulas de exceção que permitam a mineração em áreas demarcadas, salienta Santilli. O Ministério Púlico Federal (MPF) tenta blindar uma possível corrida exploratória a áreas demarcadas e ajuizou 14 ações civis para salvaguardar direitos indígenas em diferentes estados.
No DNPM tramitam mais de 500 requerimentos para a exploração mineral de terras indígenas somente do estado do Amapá, conforme dados do próprio MPF. A entidade pediu o cancelamento de qualquer cadastro ou autorização nesse sentido, mesmo que apenas para estudos.
Para a advogada, coautora do estudo de sobreposição de terras, o cenário ideal seria o de não interferência dos interesses comerciais em espaços ocupados por nativos, mas na prática isso não existe. Para ela, o desafio é que o diálogo proporcione formas benéficas para todas as partes envolvidas.
O diretor do ISA também entende que, teoricamente, poderiam ser implementados modelos de exploração com baixo impacto, mas a experiência em outros setores não é animadora. "As atividades seriam desenvolvidas pelas mesmas empresas que já não têm responsabilidade sócio ambiental nos investimentos que fazem fora das áreas demarcadas", afirma.