Bolsonaro ameaçou divulgar países que compram madeira ilegal do Brasil. Depois recuou e mirou em empresas. O fato de o próprio presidente lançar luz sobre escusas relações de negócios é um prato cheio para seus críticos.
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Jair Bolsonaro não poderia ter oferecido um flanco de ataque melhor para seus críticos no Brasil e no exterior ao anunciar que divulgaria uma lista de todos os países que importam ilegalmente madeira brasileira. A ameaça foi feita nesta terça-feira (17/11), durante a cúpula virtual do Brics, ou seja, o encontro anual dos presidentes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Os demais chefes de Estado devem ter se perguntado por que o brasileiro abordou esse tema. Ao que tudo indica, Bolsonaro pretendia assim expor a hipocrisia dos que, por um lado, atacam sua política para a Amazônia, ao mesmo tempo que compram madeira ilegal do país. Portanto, sobretudo seus críticos da União Europeia e Estados Unidos.
Nesse ínterim ele recuou e disse que vai divulgar só uma lista das empresas, e não dos países. Possivelmente o Itamaraty o advertiu sobre a crise de politica externa que ele desencadearia, caso cada país acusado ativasse seus diplomatas para responder às imputações.
É óbvio que desse modo Bolsonaro pretende agitar seu eleitorado. Mas o tiro vai sair pela culatra. Pois agora todos na Europa e EUA veem confirmado que o Brasil não está em condições de produzir e exportar de forma sustentável. Pois se não estão em ordem nem mesmo os documentos de exportação de suposta madeira tropical cultivada, então são justificadas as dúvidas quanto à carne bovina e de aves, soja, couro, cacau, látex... até suco de laranja, frutas tropicais, café, celulose, açúcar.
É longa a lista dos produtos agropecuários brasileiros sobre os quais os produtores devem se preparar, desde já, para ter que renegociar com seus compradores no Hemisfério Norte. Até o momento, os fazendeiros nacionais estão basicamente unidos no respaldo ao presidente. Mas o que vai acontecer se seus mercados e faturamentos despencarem?
O segundo ponto em que Bolsonaro se autoprejudica com suas bizarras ameaças é que, de um só golpe, expôs toda a cadeia ilegal da indústria madeireira que ele próprio favoreceu e incentivou.
Pois o que acontece não é as árvores da floresta tropical serem contrabandeadas em operações clandestinas, para serem descarregadas secretamente em Roterdã ou Los Angeles e transformadas em tábuas de assoalho: toda a madeira ilegal deixa o país com documentos falsificados, expedidos por funcionários corruptos.
Além disso, o governo federal chegou a decretar, por algum tempo, que até mesmo espécies de árvores ameaçadas de extinção poderiam ser exportadas sem necessidade de licença especial. Em 2019, o Ibama não impôs uma única multa por exportação ilegal.
Agora Bolsonaro admite publicamente que o Brasil não controla a extração e o comércio da madeira tropical, como acusavam há tempos as organizações ambientais. Em investigações minuciosas, elas provaram que o comércio de madeira ilegal é apoiado por conceituados financiadores, compradores e manufatores do Brasil e do Hemisfério Norte.
Porém agora é o próprio presidente a lançar luz sobre essas escusas relações de negócios – provavelmente para grande satisfação dos ambientalistas. Nenhum banco, cadeia de varejo ou fabricante de automóveis pode mais se permitir estar envolvido em algum ponto dessa cadeia de fornecimento.
Os primeiros a sentir os efeitos serão os adeptos de Bolsonaro – e os sentirão no bolso. Ou seja, os fazendeiros, madeireiros, proprietários de serras elétricas e funcionários cuja renda agora sofrerá um baque. Esse processo não se iniciará já, mas no médio prazo, sim.
Com o Natal às portas, o presidente do Brasil não poderia ter dado um presente de festas melhor do que esse a seus críticos.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
Explorar sem destruir a Amazônia
Comunidades ribeirinhas dão exemplo de sustentabilidade ao colherem frutos na mata e extraírem óleo para a indústria de cosméticos. Projeto engloba toda a cadeia de produção, da coleta e beneficiamento até o transporte.
Foto: Bruno Kelly
Conservação e uso sustentável
A Reserva Extrativista Médio Juruá foi oficialmente criada em 4 de março de 1997. Com 28,7 mil quilômetros quadrados, a reserva ocupa um terço do município de Carauari, Amazonas. A unidade de conservação só pode ser utilizada por populações extrativistas tradicionais. São permitidos a agricultura de subsistência e o uso sustentável dos recursos naturais.
Foto: Bruno Kelly
Luta pela liberdade
No passado, a região foi um importante centro fornecedor de látex, matéria-prima da borracha. Na mãos dos patrões (os autoproclamados donos das terras), seringueiros trabalhavam em condição análoga à escravidão. Raimundo Pinto de Sousa, 68 anos, é um dos líderes pioneiros que, inspirados por Chico Mendes, buscaram a liberdade e criaram a Resex.
Foto: DW/B. Kelly
Floresta como fornecedora
Cerca de 2 mil moradores moram nas 14 comunidades da Resex Médio Juruá. A maioria trabalha coletando sementes de andiroba e murumuru na floresta. De março a junho, é possível coletar até 70 quilos de murumuru por dia por pessoa. A família de Eulinda (de amarelo) é campeã na comunidade de Nova União.
Foto: Bruno Kelly
Logística na floresta
A compra das sementes é feita pela Cooperativa de Desenvolvimento Agro-Extrativista e de Energia do Médio Juruá, formada pelos coletores. Um barco visita as comunidades para recolher toda a produção, que é transportada por moradores até a usina de processamento. É preciso vencer várias dificuldades dentro das trilhas pela floresta para fazer o transporte.
Foto: Bruno Kelly
Da semente ao óleo
As sementes de andiroba e murumuru são processadas na usina que fica na comunidade do Roque, a maior da Resex. Depois de passar por um processo de secagem, as sementes são prensadas até que o óleo escorra pela máquina. A unidade está de mudança para um novo galpão, construído com recursos do Fundo Amazônia.
Foto: Bruno Kelly
Do Juruá para o mundo
O óleo de andiroba e manteiga de murumuru produzidos são armazenados em baldes apropriados. Até chegar ao ponto de escoamento, as embalagens são transportadas, novamente, pela floresta por moradores. Depois de processadas, as sementes coletadas pelos extrativistas se transformam em produtos de beleza na indústria de cosmético.
Foto: Bruno Kelly
Proteção de tartarugas
Antes de a Resex existir, Francisco Mendes da Silva, 63 anos, era madeireiro e contra a criação da reserva. Mas mudou de ideia e, há 18 anos, atua como monitor numa das praias de conservação do Juruá, chamadas de tabuleiro. No Manariã, cerca de 60 mil filhotes são liberados para a natureza por ano, segundo Silva, que ensina o ofício ao filho, João Pedro, de 16 anos.
Foto: Bruno Kelly
Agricultura de subsistência
Em todas as comunidades da Resex Médio Juruá, a mandioca é um alimento cultivado importante. A produção de farinha costuma reunir famílias e divertir as crianças, que acompanham os pais quando não estão na escola. O excedente é armazenado na cantina de economia solidária das comunidades e vendido na cidade.
Foto: Bruno Kelly
Acesso ao conhecimento
Cercados pela Floresta Amazônica, 43 estudantes de diversas comunidades do entorno frequentam o primeiro curso de ensino superior oferecido na região, de Pedagogia. O projeto experimental, que tem base na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari, é uma parceria entre diversas instituições e contou com recursos da Capes.
Foto: Bruno Kelly
Rio Juruá
Com nascente na Serra da Contamana, no Peru, a 453 metros de altitude, o rio Juruá corta o estado do Acre e deságua no rio Solimões, Amazonas. É considerado um dos mais sinuosos do mundo, com mais de 3 mil quilômetros de extensão. A variação do nível do Juruá chega a 12 metros entre a época da cheia, de dezembro a julho, e a seca.
Há mais de 25 anos, Alexander Busch é correspondente de América do Sul para jornais de língua alemã. Ele estudou economia e política e escreve, de Salvador, sobre o papel no Brasil na economia mundial.