Expressões claras, como "a dignidade do ser humano é inviolável", estão na base da admiração dos alemães pela sua Lei Fundamental e representam lição mais importante que o país tirou do passado.
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"A dignidade do ser humano é inviolável": em vez de passagens complicadas sobre o processo de construção do Estado, essa frase clara e sem nenhuma relativização se encontra bem no início da Lei Fundamental (Constituição alemã), promulgada em 23 de maio de 1949.
A dignidade humana não tinha valor no nazismo: milhões de pessoas foram humilhadas, torturadas e assassinadas. O foco então se voltou para essa dignidade.
A Constituição de Weimar, antecessora da atual Lei Fundamental, foi muito moderna para a sua época. Ela também já continha direitos fundamentais e introduziu o sufrágio feminino na Alemanha. Mas ela não impediu a ditadura nazista.
Embora o jurista Ulrich Battis diga realmente acreditar que "a República de Weimar não fracassou devido à sua carta magna, mas porque havia muito poucos democratas", a Constituição de Weimar tinha grandes falhas, que deveriam ser evitadas a todo custo na Lei Fundamental de 1949.
Presidente fraco – por causa de Weimar
Por exemplo, a posição muito forte do presidente do Reich era problemática. Ele era capaz de dissolver a bel-prazer o Reichstag (Parlamento) e até mesmo governar por decretos de emergência, contornando o Parlamento. No final, isso ajudou Adolf Hitler a subir ao poder.
Por isso, o presidente alemão tem hoje uma função basicamente representativa. Por outro lado, a Lei Fundamental reforçou o poder do Bundestag (Parlamento) e do chanceler federal por ele eleito.
Os autores da Lei Fundamental desconfiavam da democracia direta. Isso também tinha que ver com a experiência da história. O presidente do Reich era eleito diretamente. Em tempos política e economicamente problemáticos, isso podia ser perigoso, especialmente em conexão com a concentração de poder do cargo.
A Lei Fundamental, portanto, apostou num presidente alemão eleito pelos políticos. Nos dias de hoje, essas desconfianças podem parecer exageradas, mas Battis diz considerar errônea uma eleição direta para presidente.
Porque então o presidente poderia "facilmente sempre usar a sua eleição direta para se dispor contra o Parlamento", posicionando-se contra os representantes eleitos pelo povo. Para Battis, o referendo do Brexit no Reino Unido "não foi necessariamente uma propaganda para a democracia direta".
Inicialmente apenas transitória
Mas não apenas o fracasso da República de Weimar e as experiências do nazismo marcaram a Lei Fundamental, como também as circunstâncias especiais da época de sua origem: em 1949, a divisão da Alemanha se consolidou.
A Lei Fundamental aplicava-se apenas à emergente Alemanha Ocidental, mas se atinha ao objetivo da reunificação. Ela deveria valer apenas "por um período de transição", até que todos os alemães pudessem participar da elaboração de uma Constituição. Por isso foi chamada de Lei Fundamental e não de Constituição.
Com a Reunificação, em 1990, o objetivo foi alcançado. Mas em vez de elaborar uma nova Constituição, as principais forças políticas decidiram que "a República Democrática Alemã [antiga Alemanha Oriental] deveria aderir ao escopo da Lei Fundamental".
Assim nem a carta magna existente nem sua denominação (Grundgesetz, ou Lei Fundamental) foram alteradas na Alemanha. Mas o caráter provisório foi abandonado. Em vez do Artigo 23, que limitava a antiga Lei Fundamental somente à Alemanha Ocidental, há desde 1992 o chamado Artigo da Europa, que prescreve uma "realização de uma Europa unida".
Hoje, quase sempre se fala dos pais e mães da Lei Fundamental. A princípio, as quatro mães receberam, no entanto, pouca menção ao lado dos 61 homens.
Mas foi graças às mulheres e especialmente à advogada Elisabeth Selbert que a passagem "homens e mulheres têm direitos iguais" entrou na Lei Fundamental. "Isso mostra o que mulheres resolutas podem realizar. Os homens não tinham interesse nisso", aponta Battis.
No entanto, o abismo entre a reivindicação e a realidade ainda era muito grande naquela época. Por exemplo, as mulheres não puderam assumir um emprego remunerado sem o consentimento de seu marido até 1977. E apenas desde 1997 o estupro conjugal passou a ser crime.
Desde 1994, está estipulado na Lei Fundamental: "O Estado promove a efetiva aplicação da igualdade de direitos entre mulheres e homens e trabalha para eliminar as desvantagens existentes".
Algumas coisas devem ser "eternas"
O exemplo também mostra como a Lei Fundamental se desenvolve. Ela foi alterada mais de 60 vezes. Outro exemplo é o artigo sobre asilo e refúgio: "Perseguidos políticos têm direito a asilo", está escrito de forma nada ambígua desde o início.
Quando o número de pedidos de asilo político aumentou muito, no início dos anos 1990, o Bundestag restringiu o direito por meio de uma emenda constitucional aprovada com a necessária maioria de dois terços. Desde então, por exemplo, quem chegar à Alemanha através de um Estado da União Europeia não pode mais aludir a esse direito constitucional.
Mas há um núcleo duro na Lei Fundamental que é protegido por uma cláusula pétrea contra mudanças e restrições. A democracia ("Todo poder emana do povo") e o Estado de Direito ("O poder executivo e a Justiça estão vinculados à legislação e ao direito") estão aí incluídos tanto quanto o Artigo 1°, sobre a dignidade humana. Também a estrutura federativa é tabu.
A Lei Fundamental foi aprovada em 1949 como uma solução temporária, mas se mostrou a mais duradoura Constituição alemã. Muitos artigos se tornaram mais longos e mais detalhados ao longo do tempo.
Mas são as sentenças simples que ainda atraem muitas pessoas, como as da dignidade inviolável do ser humano. Junto ao Tribunal Constitucional Federal, que protege a Constituição, a Lei Fundamental também desfruta de uma confiança muito especial dos alemães.
Ela representa a lição mais importante que se tirou do passado alemão: não são os cidadãos que se submetem ao Estado – é o Estado que existe para servir o povo.
O Muro de Berlim, uma história em fotografias
A 13 de agosto de 1961, guardas da Alemanha Oriental começaram a fechar com arame farpado e concreto a fronteira que separava as partes oriental e ocidental de Berlim, bem como Berlim Ocidental da Alemanha Oriental.
Foto: AP
RDA é hoje pura nostalgia
Diante do Museu de Checkpoint Charlie e fantasiado de guarda de fronteira da RDA, o berlinense Wolfgang Kolditz carimba – com um carimbo postal original da Alemanha comunista – os cartões e lembranças comprados pelos turistas, dez anos após a queda do Muro. Naquele local esteve o mais famoso posto de controle, conhecido em todo o mundo através de inúmeros filmes sobre espionagem e a Guerra Fria.
Foto: AP
Onde foi?
Hoje, pouco resta da histórica muralha que separou dois Estados alemães por tanto tempo.
Foto: DW
Os 'pica-paus' do Muro
Depois do dia 9 de novembro de 1989 foi apenas uma questão de meses até que o Muro desaparecesse inteiramente da paisagem de Berlim. Ficaram famosos na época os chamados 'pica-paus' do Muro: berlinenses e turistas que, armados de martelo e cunha, arrancaram pedaços da muralha para guardar de lembrança. Por muito tempo, lojas de suvenires em Berlim ofereceram lascas de concreto com um duvidoso 'certificado de autenticidade'.
Foto: AP
A dança sobre o Muro
No dia 10 de novembro de 1989, berlinenses orientais e ocidentais confraternizaram-se com uma verdadeira dança sobre o Muro, que deixara de ser uma barreira desde a noite anterior. Ao fundo, o Portão de Brandemburgo – o símbolo de Berlim. Com as fronteiras abertas, milhares de cidadãos alemães orientais viajaram imediatamente à parte ocidental da Alemanha, para fazer compras, visitar parentes e amigos ou simplesmente para satisfazer a curiosidade pessoal.
Foto: AP
A confusão histórica
Durante uma entrevista coletiva no dia 9 de novembro de 1989, o jornalista e membro do politburo do SED – Partido Socialista Unificado – Günter Schabowski, interpretou erroneamente um comunicado oficial do governo da Alemanha Oriental, anunciando a abertura das fronteiras entre as duas partes da Alemanha. Poucas horas depois, a pressão popular fez com que a guarda de fronteiras da RDA abrisse o Muro de Berlim.
Foto: dpa
O fim de uma carreira
Poucas semanas após as festividades comemorativas do 40º aniversário da República Democrática Alemã, o chefe de Estado e de partido Erich Honecker foi destituído de todas as suas funções. A pressão dos protestos populares e as fugas em massa da RDA fizeram com que os comunistas mais jovens ainda tentassem salvar o regime, depondo a liderança conservadora. A rebelião palaciana não trouxe o efeito desejado: os protestos continuaram, culminando com a queda do Muro de Berlim.
Foto: dpa
A festa final
Com a presença do convidado especial – o chefe de Estado e de partido da União Soviética, Mikhail Gorbachev – foi comemorado no dia 7 de outubro de 1989 o 40º aniversário da República Democrática Alemã. Para irritação da liderança comunista da RDA, Gorbachev advertiu para a urgência de reformas no país.
Foto: dpa
Plataforma para pichações
Em toda a sua extensão, o Muro de Berlim tornou-se uma plataforma de pichações no lado ocidental. Com lemas políticos ou meros desenhos, milhares de berlinenses e de turistas lançaram mão dos aerossóis para deixar uma mensagem colorida sobre o concreto. Como a profecia que se vê na foto: 'Berlim ficará livre do Muro'.
Foto: AP
Propaganda dos dois lados
Em outubro de 1964, foi posto um cartaz (à esq.) no lado oriental de Berlim com os dizeres: 'Acordos sobre salvo-condutos são melhores que provocações'. Poucos dias depois, foi afixada nas proximidades a resposta ocidental: 'O Muro continuará sendo uma provocação, mesmo com salvo-condutos!'.
Foto: AP
A fuga com um balão
Na noite de 16 para 17 de setembro de 1979, duas famílias da Alemanha Oriental lograram uma fuga sensacional. Os casais Strelzik e Wetzel, com seus quatro filhos em idade entre dois e 15 anos, conseguiram cruzar a fronteira em direção à Alemanha Federal a bordo de um balão de ar quente, que eles próprios construíram às escondidas, durante meses de trabalho. O balão pousou de madrugada em Naila, na Baviera, sem chamar a atenção dos guardas de fronteira.
Foto: dpa
Um túnel por baixo do Muro
No final de 1963, um grupo reunido pelo ator Wolfgang Fuchs, do qual fazia parte o estudante Klaus-Michael von Keussler (foto), iniciou a construção de um túnel sob o Muro de Berlim. Durante dez meses foi escavado um subterrâneo de 145 metros de extensão, 80 centímetros de altura e numa profundidade de até 12 metros. Nos dias 3 e 4 de outubro de 1964, um total de 57 pessoas conseguiu fugir da RDA, antes que a polícia descobrisse e fechasse o túnel, no dia seguinte.
Foto: dpa
A última oportunidade
No dia em que foi iniciada a divisão de Berlim, o domingo 13 de agosto de 1961, e nos dias subsequentes registraram-se cenas dramáticas como a da foto. Uma mulher tenta saltar da janela de uma casa do lado oriental para fugir para a parte ocidental de Berlim. Um policial tenta puxá-la de volta, enquanto berlinenses ocidentais procuram apoiá-la na fuga, que acaba obtendo êxito. Nas semanas seguintes, esta casa – como outras na linha fronteiriça – foi demolida, abrindo espaço para a construção do Muro.
Foto: dpa
A morte junto ao Muro
Cenas espetaculares de fuga acompanharam o Muro de Berlim em toda a sua história. Algumas com final feliz, outras com um desfecho trágico. A primeira vítima fatal foi o jovem Peter Fechter, em 17 de agosto de 1962. Atingido pelos disparos da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada 'terra de ninguém', falecendo pouco depois de ser recolhido pela polícia alemã oriental.
Foto: AP
Hora da opção
No dia 15 de agosto de 1961, o soldado alemão-oriental Conrad Schumann foi destacado para controlar a linha divisória na rua Bernauer, marcada por arames farpados, pois o Muro ainda não estava pronto. Schumann jogou fora o fuzil e pulou sobre o arame farpado, passando para o lado ocidental. A cena foi fotografada por jornalistas que acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos em Berlim.
Foto: picture-alliance/dpa/R.Jensen
Pedra sobre pedra
Depois do fechamento das ruas de Berlim, selando a divisão da cidade a partir de 13 de agosto de 1961, o governo comunista da Alemanha Oriental ordenou a construção do Muro. Vigiados de perto pelos soldados do chamado Exército Popular Nacional (NVA), os operários demoliram os prédios localizados na linha divisória, construindo uma muralha e um campo minado em seu lugar.
Foto: AP
O símbolo isolado
O símbolo arquitetônico de Berlim, o Portão de Brandemburgo, ficou inteiramente isolado com a construção do Muro. O acesso a ele só era possível a partir do lado oriental da cidade, ficando reservado às autoridades policiais, militares e aos próceres do regime comunista. Hoje, a área circunvizinha do Portão de Brandemburgo é novamente uma das mais movimentadas e freqüentadas da capital alemã.
Foto: AP
Kennedy visita o Muro
Em junho de 1963, quase dois anos depois da construção do Muro, o presidente norte-americano John F. Kennedy visitou Berlim para informar-se sobre a divisão da cidade. Acompanhado pelo então prefeito Willy Brandt (ao centro) e pelo chanceler federal alemão Konrad Adenauer (à direita), Kennedy foi aclamado pela população de Berlim Ocidental.
Foto: AP
Uma fortaleza
Partes do Muro de Berlim tinham o aspecto de uma verdadeira fortaleza: com pista para o transporte de soldados e guarita para controlar as ocorrências nos dois lados da linha divisória. Além da muralha, uma 'terra de ninguém' com campo minado e cerca de arame farpado impedia o acesso ao Muro, no lado oriental.
Foto: AP
Tanques cara a cara
Nas semanas que se seguiram à construção do Muro de Berlim, a Guerra Fria atingiu um dos seus momentos mais dramáticos. A tensão entre os EUA e a União Soviética podia ser vista claramente no posto de controle da rua Friedrich, o chamado Checkpoint Charlie, no centro de Berlim: tanques americanos e soviéticos permaneceram durante dias, frente a frente, à espera de um comando de ação militar.
Foto: AP
O idealizador do Muro
Ninguém desejava uma muralha de pedra e concreto armado mais do que Walter Ulbricht, o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA). Ele precisava dela para impedir o êxodo de milhares de pessoas para o outro Estado alemão, a República Federal da Alemanha. A União Soviética não apoiou com muita convicção a 'muralha antifascista' de Ulbricht. Não obstante, a fronteira de 155 quilômetros cercando Berlim Ocidental sedimentou a divisão alemã durante 28 anos.