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HistóriaAlemanha

Uma Constituição contra o nazismo

23 de maio de 2019

Expressões claras, como "a dignidade do ser humano é inviolável", estão na base da admiração dos alemães pela sua Lei Fundamental e representam lição mais importante que o país tirou do passado.

Deutschland 70 Jahre Grundgesetz | Grundgesetz mit Konfetti
Aos 70 anos,l a "Grundgesetz" ou Lei Fundamental alemã ainda é motivo de admiraçãoFoto: Imago Images/C. Ohde

"A dignidade do ser humano é inviolável": em vez de passagens complicadas sobre o processo de construção do Estado, essa frase clara e sem nenhuma relativização se encontra bem no início da Lei Fundamental (Constituição alemã), promulgada em 23 de maio de 1949.

A dignidade humana não tinha valor no nazismo: milhões de pessoas foram humilhadas, torturadas e assassinadas. O foco então se voltou para essa dignidade.

A Constituição de Weimar, antecessora da atual Lei Fundamental, foi muito moderna para a sua época. Ela também já continha direitos fundamentais e introduziu o sufrágio feminino na Alemanha. Mas ela não impediu a ditadura nazista.

Embora o jurista Ulrich Battis diga realmente acreditar que "a República de Weimar não fracassou devido à sua carta magna, mas porque havia muito poucos democratas", a Constituição de Weimar tinha grandes falhas, que deveriam ser evitadas a todo custo na Lei Fundamental de 1949.

Presidente fraco – por causa de Weimar

Por exemplo, a posição muito forte do presidente do Reich era problemática. Ele era capaz de dissolver a bel-prazer o Reichstag (Parlamento) e até mesmo governar por decretos de emergência, contornando o Parlamento. No final, isso ajudou Adolf Hitler a subir ao poder.

Por isso, o presidente alemão tem hoje uma função basicamente representativa. Por outro lado, a Lei Fundamental reforçou o poder do Bundestag (Parlamento) e do chanceler federal por ele eleito.

Os autores da Lei Fundamental desconfiavam da democracia direta. Isso também tinha que ver com a experiência da história. O presidente do Reich era eleito diretamente. Em tempos política e economicamente problemáticos, isso podia ser perigoso, especialmente em conexão com a concentração de poder do cargo.

A Lei Fundamental, portanto, apostou num presidente alemão eleito pelos políticos. Nos dias de hoje, essas desconfianças podem parecer exageradas, mas Battis diz considerar errônea uma eleição direta para presidente.

Porque então o presidente poderia "facilmente sempre usar a sua eleição direta para se dispor contra o Parlamento", posicionando-se contra os representantes eleitos pelo povo. Para Battis, o referendo do Brexit no Reino Unido "não foi necessariamente uma propaganda para a democracia direta".

Promulgação da Constituição alemã, em 23 de maio de 1949Foto: picture-alliance/akg-images

Inicialmente apenas transitória

Mas não apenas o fracasso da República de Weimar e as experiências do nazismo marcaram a Lei Fundamental, como também as circunstâncias especiais da época de sua origem: em 1949, a divisão da Alemanha se consolidou.

A Lei Fundamental aplicava-se apenas à emergente Alemanha Ocidental, mas se atinha ao objetivo da reunificação. Ela deveria valer apenas "por um período de transição", até que todos os alemães pudessem participar da elaboração de uma Constituição. Por isso foi chamada de Lei Fundamental e não de Constituição.

Com a Reunificação, em 1990, o objetivo foi alcançado. Mas em vez de elaborar uma nova Constituição, as principais forças políticas decidiram que "a República Democrática Alemã [antiga Alemanha Oriental] deveria aderir ao escopo da Lei Fundamental".

Assim nem a carta magna existente nem sua denominação (Grundgesetz, ou Lei Fundamental) foram alteradas na Alemanha. Mas o caráter provisório foi abandonado. Em vez do Artigo 23, que limitava a antiga Lei Fundamental somente à Alemanha Ocidental, há desde 1992 o chamado Artigo da Europa, que prescreve uma "realização de uma Europa unida".

Hoje, quase sempre se fala dos pais e mães da Lei Fundamental. A princípio, as quatro mães receberam, no entanto, pouca menção ao lado dos 61 homens.

Mas foi graças às mulheres e especialmente à advogada Elisabeth Selbert que a passagem "homens e mulheres têm direitos iguais" entrou na Lei Fundamental. "Isso mostra o que mulheres resolutas podem realizar. Os homens não tinham interesse nisso", aponta Battis.

No entanto, o abismo entre a reivindicação e a realidade ainda era muito grande naquela época. Por exemplo, as mulheres não puderam assumir um emprego remunerado sem o consentimento de seu marido até 1977. E apenas desde 1997 o estupro conjugal passou a ser crime.

Desde 1994, está estipulado na Lei Fundamental: "O Estado promove a efetiva aplicação da igualdade de direitos entre mulheres e homens e trabalha para eliminar as desvantagens existentes".

Algumas coisas devem ser "eternas"

O exemplo também mostra como a Lei Fundamental se desenvolve. Ela foi alterada mais de 60 vezes. Outro exemplo é o artigo sobre asilo e refúgio: "Perseguidos políticos têm direito a asilo", está escrito de forma nada ambígua desde o início.

Quando o número de pedidos de asilo político aumentou muito, no início dos anos 1990, o Bundestag restringiu o direito por meio de uma emenda constitucional aprovada com a necessária maioria de dois terços. Desde então, por exemplo, quem chegar à Alemanha através de um Estado da União Europeia não pode mais aludir a esse direito constitucional.

Mas há um núcleo duro na Lei Fundamental que é protegido por uma cláusula pétrea contra mudanças e restrições. A democracia ("Todo poder emana do povo") e o Estado de Direito ("O poder executivo e a Justiça estão vinculados à legislação e ao direito") estão aí incluídos tanto quanto o Artigo 1°, sobre a dignidade humana. Também a estrutura federativa é tabu.

A Lei Fundamental foi aprovada em 1949 como uma solução temporária, mas se mostrou a mais duradoura Constituição alemã. Muitos artigos se tornaram mais longos e mais detalhados ao longo do tempo.

Mas são as sentenças simples que ainda atraem muitas pessoas, como as da dignidade inviolável do ser humano. Junto ao Tribunal Constitucional Federal, que protege a Constituição, a Lei Fundamental também desfruta de uma confiança muito especial dos alemães.

Ela representa a lição mais importante que se tirou do passado alemão: não são os cidadãos que se submetem ao Estado – é o Estado que existe para servir o povo.

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