Umberto Eco
5 de janeiro de 2012Do lado de fora da Universidade da Calábria reina o caos: centenas de pessoas se aglomeram diante da entrada, gritam, escandem palavras de ordem, protestam, batem nas portas de vidro. Dentro, os funcionários tentam contê-las, gesticulam desesperados: "Não tem mais lugar, não tem mais lugar!".
Mas os estudantes não se conformam: eles querem ver seu ídolo. Um astro pop, ator de sucesso, político populista? As aparências enganam: quem vai se apresentar naquela tarde de novembro é alguém que se define, acima de tudo, como professor e se dedica a disciplinas geralmente consideradas maçantes e incompreensíveis: semiótica, linguística, estética medieval.
Jovem romancista de 80 anos
"Umberto Eco? Ah, claro, O nome da rosa!"
Assim reage a maioria das pessoas ao ouvir o nome do italiano que completa 80 anos nesta quinta-feira (05/01). Mas a história da projeção internacional do intelectual nascido em Alessandria, Piemonte, é bem mais do que esse best-seller. Mesmo em se tratando de um que já foi vendido aos milhões, traduzido em mais de 40 línguas, transformado em superprodução cinematográfica e até em videogame. Mesmo que, ao lançar em 1980 essa combinação de romance policial e obra de erudição, seu autor tenha criado não só um gênero literário original, como uma referência cultural universal.
A atividade pela qual Eco é, hoje, conhecido no mundo inteiro iniciou-se quase como hobby – ou "por puro tédio", como reza a lenda. Condizentemente, a tiragem inicial de O nome da rosa, pela casa Bompiani, foi de apenas 2 mil exemplares. E isso, só porque o filósofo trabalhara de 1959 a 1975 na editora italiana: um favor entre colegas, por assim dizer.
Por ocasião do 80º aniversário de Eco, foram lançadas em inglês e alemão suas Confissões de um jovem romancista. O título é desconcertante, mas justificável: como alguém que começou a atividade de autor de ficção aos 50 anos de idade, até alguns anos atrás ele se considerava "um romancista ainda jovem e seguramente muito promissor". Depois do sucesso de Baudolino, O pêndulo de Foucault, A ilha do dia anterior e O cemitério de Praga, ele ainda pretende apresentar muitas novas obras, nas próximas décadas. Embora se defina, até hoje, como um "amador".
Idade Média, hoje
Contra a vontade do pai, contador de profissão, Umberto começou os estudos de Filosofia e História da Literatura em 1948, na Universidade de Turim. Oito anos mais tarde, ele escolhia a estética do teólogo Tomás de Aquino (1225-1274) como tema para sua dissertação. Desde então, a paixão pela época medieval nunca mais abandonou Umberto Eco.
Em certa ocasião, ele explicou da seguinte maneira por que se sente mais à vontade naquela época – na qual situou O nome da rosa – do que na contemporânea: com a Idade Média ele tem contato profundo, através dos livros, dos registros em arte e arquitetura, de suas próprias reflexões e viagens pela Europa, enumerou. Os dias de hoje, por outro lado, só conhece pela televisão.
Tal irreverência é bem típica de Umberto Eco e ilustra, em especial, duas de suas características: o humor – quem o conhece de perto sabe que ele adora rir – e sua originalidade como pensador, a ruptura com os conceitos convencionais sobre a cultura.
Alta cultura, baixa cultura
Já em Obra aberta, de 1962, que lhe rendeu fama imediata como teórico brilhante, ele lançava uma tese então inédita: longe de ser uma entidade fechada em si, toda obra de arte que merece esse nome passa a existir no contato com o receptor, e renasce a cada nova interação com um novo espectador ou ouvinte. A fruição artística é, na verdade um diálogo.
Nos anos seguintes, enquanto a maioria de seus colegas acadêmicos se restringia aos temas mais inacessíveis e complexos, defendendo avidamente o próprio terreno, da erudição, Eco voltava os olhos para o grande mundo. E falava de James Bond, da televisão, de histórias em quadrinhos, de telefonia celular. E assim, suas publicações teóricas trazem títulos quase tão suculentos quanto seus romances: Apocalípticos e integrados, Passeios pelos bosques da ficção, História da beleza, História da feiúra, Entre a mentira e a ironia.
A cultura segundo Eco é permeável, liberal. Como intelectual e teórico, sua função é sempre olhar por cima do muro das verdades prontas. Acima de tudo, ele rejeita a divisão entre a alta e a baixa cultura – ou, pelo menos a tradicional hierarquia, segundo a qual a cultura popular seria inferior.
Numa entrevista, ele provou mais uma vez seu talento de tornar compreensíveis os raciocínios mais complexos, com a seguinte imagem: enquanto os livros escolares nos ensinavam a guerra, a matar tudo que não seja italiano, Mickey Mouse nos apresentava valores democráticos. Qual dessas duas formas é mais elevada?
Casa e família
Apesar de todo o inconformismo intelectual, Umberto Eco é um pacato homem de família. Desde 1962 é casado com a alemã Renate Ramge – especialista em museologia e arte –, com quem tem um filho e uma filha.
Entre os paradoxos que envolvem esse ícone da cultura ocidental está também o fato de jamais ter morado muito longe de sua cidade natal, no norte da Itália. Isso, apesar de viajar por todo o mundo e de circular livremente pelas principais universidades e outras instituições culturais. Dividida entre Milão e Monte Cerignone (próxima a Rimini), sua biblioteca particular abarca cerca de 50 mil volumes.
De volta à Universidade da Calábria: protegido por guarda-costas e cercado de jornalistas e fotógrafos, Umberto Eco entra pela porta dos fundos, pronto para iniciar sua "palestra ilustrada sobre a feiúra". Os afortunados espectadores que enchem o auditório estão preparados para surpresas e revelações. Mas uma coisa é certa: os próximos 90 minutos serão tudo, menos acadêmicos, áridos ou esotéricos.
Autor: Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler