Rivalidades internas, politização e acusação de viés anti-Israel marcam agência de cultura das Nações Unidas. Retração dos Estados Unidos pode abrir espaço para a China.
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A francesa Audrey Azoulay, de 45 anos, foi eleita nesta sexta-feira (13/10) para chefiar a Unesco, em meio às turbulências causadas pela saída de Estados Unidos e Israel da agência de cultura das Nações Unidas. Azoulay, uma judia de origem marroquina que foi ministra da Cultura na França, terá que lidar com uma agência em crise por causa de problemas financeiros, rivalidades internas e críticas a uma suposta postura anti-Israel.
Ela terá como tarefa principal restabelecer a confiança numa agência cuja missão é proteger o patrimônio cultural e natural do planeta e que vem sendo acusada de não ser politicamente neutra. "Mais do que nunca, a Unesco necessita de um projeto que empolgue os países-membros, restabeleça a confiança e acabe com as divisões políticas internas", disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França, Agnes Romatet-Espagne, antes da eleição.
A Unesco tem sido palco de duros embates políticos nos últimos anos, com reflexos no seu orçamento. "Há, sem dúvida, uma politização", afirmou Klaus Hüfner, antigo presidente do comitê alemão da agência, ao jornal berlinense Der Tagesspiegel.
Com a Palestina, sem os EUA
Os Estados Unidos, que deveriam prover cerca de 20% do orçamento da Unesco, suspenderam seu financiamento em 2011, no governo do presidente Barack Obama, quando a agência admitiu a Palestina como 195º membro pleno. Atualmente, Washington deve cerca de 550 milhões de dólares à instituição. Como resultado do corte nos fundos, a agência foi obrigada a reduzir seus funcionários e cancelar programas e projetos.
Nesta quinta-feira, os EUA anunciaram sua saída definitiva, acusando a Unesco de ter uma postura anti-Israel. Logo em seguida, Israel fez o mesmo. O Departamento de Estado dos EUA disse que a saída entrará em vigor em 31 de dezembro de 2018. Até lá, o país permanecerá como membro de pleno direito. Depois, pretende manter um status de observador.
Não é a primeira vez que os EUA deixam a Unesco. Em 1984, durante a presidência de Ronald Reagan, o país alegou antiamericanismo e corrupção para sair da organização. O retorno se daria em 2003, já na presidência de George W. Bush, quando os EUA viram a Unesco como um meio para o combate ao terrorismo.
Porém, desta vez a saída se dá dentro de um contexto mais amplo devido à doutrina "America first", do presidente Donald Trump. A saída da Unesco enfatiza o ceticismo expressado por Trump sobre a real necessidade de o país permanecer em organizações multilaterais.
China ocupa o espaço
A vice-representante da Rússia na agência, Tatiana Dovgalenko, declarou à agência de notícias AP que a decisão dos Estados Unidos, "um dos países que fundaram o sistema ONU", é "um choque e uma pena". Ela insistiu, porém, que não haverá um vácuo de poder na Unesco. "Países como nós e a China já têm sua influência."
Entre os concorrentes ao cargo de diretor-geral da Unesco estava o diplomata chinês Qian Tang, que renunciou à candidatura durante o processo seletivo. Antes de tomar essa decisão, ele declarou à revista Foreign Policy que "a China quer cumprir com suas responsabilidades globais e contribuir para a paz e o desenvolvimento num nível global", Segundo ele, a Unesco é uma boa plataforma para isso.
Para a revista, a China já está ocupando espaços deixados vagos pelos Estados Unidos em organizações internacionais, e isso vale também para a Unesco. Depois que os EUA suspenderam seus recursos financeiros para a agência, o país asiático destinou milhões de dólares extraorçamentários para programas de educação, incluindo 8 milhões para programas de treinamento de professores em oito países africanos e mais 5 milhões para o relançamento da revista trimestral Courier, afirmou a Foreign Policy.
AS/rtr/afp/dpa/lusa/ots
Bens culturais imateriais da Unesco
Além de patrimônios materiais, a agência da ONU protege 366 bens imateriais da humanidade, como ioga, falcoaria e fado. Do Brasil, por exemplo, estão protegidos a capoeira e o frevo.
Foto: Getty Images
Ioga da Índia
Na Índia, a ioga é muito mais do que exercício físico, afinal ela é uma das seis escolas clássicas da filosofia indiana – e em suas formas mais variadas, seja meditação e concentração mental, seja posições do corpo e exercícios respiratórios, ou ainda enfatizando o ascetismo. Agora, a ioga indiana foi reconhecida pela Unesco como patrimônio imaterial da humanidade.
Foto: Colourbox/D. Shevchenko
Prática da falcoaria
Ainda hoje a falcoaria, com aves de rapina bem treinadas, é considerada uma grande arte de caça. Apesar de o nome se referir ao falcão, na falcoaria também são usadas outras aves de rapina. Desde 2010, a falcoaria está na lista de patrimônios culturais imateriais da Unesco. Agora foram reconhecidas também as de Alemanha, Cazaquistão, Itália, Paquistão e Portugal.
Foto: Hannes Lenhart
Cultura cervejeira belga
A Unesco reconheceu que a produção e a importância dada à cerveja na Bélgica são parte da herança viva de muitas comunidades. A bebida desempenha um papel importante no dia a dia e em festividades, sendo usada até para a preparação de alimentos. Há cerca de 1.500 cervejas belgas no mercado, e a história da cerveja belga começou na Idade Média.
Foto: picture-alliance/W. Roth
Cooperativas criam participação
Também a ideia de cooperativa foi incluída na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. A sugestão havia sido apresentada pela Alemanha. "Uma cooperativa é uma associação voluntária de pessoas com interesses semelhantes, e que promove o engajamento individual e a autoconfiança, promovendo a participação social, cultural e econômica", segundo a Unesco.
Foto: Fotolia/pilatoida
A festa persa de Ano Novo
A Unesco também reconheceu a tradicional festa de Ano Novo celebrada em países como Irã, Afeganistão e Índia. Ela se destaca pelos tradicionais alimentos e rituais. Na Alemanha é conhecida pelo nome de Nowruz, mas também é chamada Festival da Primavera, pois é comemorada no dia 20 ou 21 de março.
Foto: DW/S. Amini
Ópera de Pequim, um ideal estético
A Ópera de Pequim também é Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade. Esta forma de ópera muito apreciada na China reúne não só música, teatro e dança, mas também acrobacia e artes marciais. As óperas narram fatos da política, sociedade ou da história, seguindo uma rima rigorosa. Em trajes extravagantes, os atores movem as mãos, os olhos e os pés seguindo uma coreografia tradicional.
Foto: Getty Images
A prática coreana kimchi
A conservação de vegetais através da fermentação é prática comum na Coreia e faz parte da maioria dos pratos. Cada família guarda a própria receita, que passa de geração em geração. Na época da colheita, comunidades inteiras se reúnem para preparar grandes quantidades de seus legumes favoritos para o inverno. Este trabalho é chamado "Kimjang" e contribui para a coesão social.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Trumpf
Fado português, a música da alma
No fado se encontra toda a herança multicultural de Lisboa. Sua origem está no século 19. As canções muitas vezes falam de amor não correspondido ou injustiça social, anseiam por tempos passados ou reivindicam melhorias sociais. Quem canta geralmente é acompanhado por um violão de 12 cordas e um baixo.
Foto: Adriao/GNU
Capoeira do Brasil
Ao lado da capoeira, são bens culturais imateriais brasileiros a procissão do Círio de Nazaré, de Belém; o frevo; o yaokwa, ritual do povo enawene nawe; o museu vivo do fandango; as expressões orais e gráficas dos indígenas wajapis e o samba de roda do Recôncavo Baiano.
Foto: dapd
Carnaval tradicional de Imst, no Tirol
Enquanto a Alemanha tenta, em vão, o reconhecimento de seu Carnaval pela Unesco, a entidade reconheceu como bem imaterial o peculiar Carnaval de Imst, no Tirol, em 2012. A festa, que se chama Schemenlaufen ou Fasnacht, acontece a cada quatro anos no domingo antes da Quaresma. Grupos de homens mascarados e fantasiados saltam pelas ruas tocando sinos.
Foto: Melitta Abber/UNESCO
Mariachi, os embaixadores da cultura mexicana
Com o seu som inconfundível, a música dos mariachis é parte essencial da cultura mexicana. As canções em espanhol e em idiomas indígenas ajudam a preservar o patrimônio cultural do México. Em suas canções, os grupos mariachi falam de batalhas e de relacionamentos amorosos. Os músicos usam trajes típicos e o original chapéu mexicano.
Foto: 2006 by Cámara de Comercio de Guadalajara, by permission of UNESCO
Botes chineses que afastam o mal
Festivais são presença constante na lista do patrimônio cultural imaterial. É o caso do milenar Festival do Barco do Dragão na China. A festa combina uma corrida de barcos enfeitados como se fossem dragões com rituais de saúde, comida típica e danças. Durante o festival, os participantes tomam banho em água perfumada e vestem seda para afastar o mal.