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Vantagem de Lula não impede guinada mais forte à direita

Philipp Lichterbeck
Philipp Lichterbeck
3 de outubro de 2022

Brasil avança em direção perigosa. Muitos eleitores mostraram endossar ataques de Bolsonaro à educação, ciência, meio ambiente e democracia. Direita moderada sai das eleições como a grande perdedora.

Em Brasília, eleitoras de Bolsonaro comemoram ida de presidente ao segundo turnoFoto: Ton Molina/AP/picture alliance

O Brasil deu uma guinada ainda mais forte para a direita com as eleições deste domingo – num movimento bem diferente daquele que os brasileiros progressistas, ambientalistas e muitos governos europeus esperavam.

Embora o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, tenha ficado cerca de 5 pontos percentuais atrás de seu adversário social-democrata, Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro turno, ele conquistou 43% dos votos – se saindo muito melhor do que o previsto por institutos de pesquisas.

Para eles, esse resultado é um desastre e abre as portas para teorias conspiratórias de direita sobre supostas manipulações das pesquisas para favorecer a esquerda.

A imprensa também precisar se questionar por que continuou dando corda para a narrativa do "derrubado" candidato Bolsonaro, bem atrás nas consultas de opinião, apesar de ter ficado claro seu potencial de mobilização em comícios em todo o país. Com isso, mesmo sem querer, ela fortaleceu a desconfiança nos meios de comunicação tradicionais.

"Onda de direita" no Congresso deverá torpedear projetos progressistas

Mesmo que se possa presumir, devido à atual aritmética eleitoral, que Lula ganhará o segundo turno contra Bolsonaro em quatro semanas, ele terá que lidar com um Congresso extremamente voltado à direita e marcado pela truculência.

Senadores e deputados bolsonaristas farão tudo o que puderem para torpedear todos os projetos de Lula. O ex-presidente queria voltar a fazer do Brasil um país mais ecológico e internacional. Queria fortalecer a educação, a cultura e a ciência, proteger melhor os indígenas e dar mais chances e direitos aos mais carentes. O novo Congresso não deverá contribuir para isso.

Os direitistas bolsonaristas, com as maiores bancadas nas duas Casas, segundo as primeiras projeções, querem algo completamente diferente: facilitar ainda mais o porte de armas, mais escolas militares cheias de doutrinação e ordem, a exploração desenfreada da Floresta Amazônica, o fortalecimento das igrejas evangélicas, não conceder mais direitos às minorias sexuais e nem ampliar as cotas para negros.

A votação na Europa

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Esse é um cenário de horror para progressistas, que não estão apenas decepcionados, mas também realmente perturbados e assustados. Já se fala da ingovernabilidade do Brasil. Mesmo para o grande comunicador Lula, que costuma dizer que pode falar com todos, será difícil dialogar com o bolsonarismo.

Esse movimento é espantosamente semelhante ao trumpismo nos EUA ou ao  grupo Querdenker ("pensamento lateral"), na Alemanha, de negacionistas da pandemia de covid-19. Ele se informa somente em seus próprios canais isolados e cria teorias falsas quase que diariamente. Não tem nenhum interesse de chegar a um acordo com o outro lado, que considera o inimigo. Em vez disso, provoca e sabota onde pode.

Conservadores moderados, os grandes perdedores da eleição

Mas os grandes perdedores da eleição são os conservadores moderados – aqui o Brasil também se assemelha aos EUA. Eles foram ofuscados pela direita radical. No Brasil, em detrimento da centro-direita, o bolsonarismo se consolidoucomo uma força política a ser levada a sério, que não vai desaparecer e não deve ser subestimada.

Lula tentará agora se voltar mais para o centro para adular a centro-direita. É possível que logo apresente um candidato ortodoxo para o posto de ministro da Economia. Nas próximas três semanas de uma campanha eleitoral ainda mais agressiva, consumidora e divisionista, ele precisará refletir como superar a desilusão da esquerda e quebrar o momentum de Bolsonaro, que supreendentemente ganhou nos estados mais populosos e fortes economicamente, São Paulo e Rio de Janeiro.

Diferente do esperado, essa eleição não é a inversão dos destrutivos quatro últimos anos. Ela não promete nada de bom para o meio ambiente do Brasil, para os indígenas e para a democratização da sociedade.

Mas o papel internacional do Brasil também deve continuar a sofrer. Devido à truculenta política externa e a ação destruidora de Bolsonaro na Amazônia, o país está hoje tão isolado como nunca desde a redemocratização em 1988.

Lula queria mudar esse cenário. A União Europeia também estaria disposta a dialogar imediatamente sobre a proteção da Amazônia e o atualmente suspenso acordo comercial com o Mercosul. Caso Lula ganhe, ele estará tão ocupado com a política interna que a política externa deve ficar em segundo plano.

Com a eleição, o Brasil continua avançando numa direção perigosa. Muitos eleitores parecem não ter nenhum problema com os ataques de Bolsonaro à ciência, à cultura, à educação, ao meio ambiente, aos indígenas e à própria democracia – pelo contrário, parecem apoiá-los. É difícil imaginar para onde o Brasil irá caso Bolsonaro – talvez impulsionado pelos atuais dados positivos da economia – vença o segundo turno em três semanas.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Cartas do Rio

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio de Janeiro, em 2012. Na coluna Cartas do Rio, ele faz reflexões sobre os rumos da sociedade brasileira.