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Vazamentos sugerem leniência da Lava Jato com bancos

23 de agosto de 2019

Mensagens vazadas pelo site The Intercept apontam que força-tarefa preferiu fechar acordos em vez de investigar as instituições financeiras suspeitas, ao contrário do que ocorreu com grandes empreiteiras.

Deltan Dallangnol, coordenador da  força-tarefa da operação Lava Jato
Deltan Dallangnol, coordenador da força-tarefa da operação Lava JatoFoto: Imago Images/Fotoarena/R. Reginato

Mensagens atribuídas a membros da força-tarefa da operação Lava Jato publicadas nesta sexta-feira (23/08) pelo jornal El país em parceria com o The Intercept Brasil indicam que os procuradores de Curitiba preferiram fechar acordos com os grandes bancos do país ao em vez de investigá-los.

A atitude chama atenção pela diferença nos tratamento dedicado pelos procuradores ao setor bancário e às empresas de construção civil, como a Odebrecht e a OAS.

Segundo a reportagem, os procuradores tinham inícios de suspeitas de crimes graves cometidos por instituições bancárias, inclusive por meio de uma delação do ex-ministro Antonio Palocci, que acabou sendo rejeitada pela força-tarefa.

A força-tarefa teria conhecimento de que o Banco Central permitiria o uso de informações privilegiadas que renderiam lucros aos bancos ou se manteria em silêncio sobre supostas movimentações ilícitas. Em contrapartida, campanhas políticas de governos do PT receberiam grandes doações financeiras, segundo teria dito Palocci em 2017, durante a negociação de uma delação premiada.

Delação de Palocci rejeitada

A reportagem afirma que os procuradores rejeitaram a colaboração do ex-ministro, que poderia ter sido utilizada para investigar crimes cometidos pelas instituições financeiras. O El País afirma ter tido acesso a 87 páginas da proposta de delação de Palocci, onde o Banco Safra teria sido mencionado 87 vezes e o Bradesco, 32 vezes.

Segundo o El País, a proposta de delação de Palocci trazia uma narrativa de suas relações com pessoas poderosas, como Joseph Safra, do Banco Safra; Pedro Moreira Salles, do Unibanco; Lázaro Brandão e Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, e outros.

Entre os executivos que teriam pedido favores a Palocci, segundo o jornal, estavam o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, e Júlio Siqueira, vice-presidente executivo do banco, que o procuraram em 2009 quando ele era deputado federal. Eles queriam obter informações antecipadas do Banco Central sobre a mudança da Selic, a taxa básica de juros.

Na proposta de delação, Palocci diz que conseguia essas informações com o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e as repassava ao Bradesco que, em contrapartida fez doações oficiais para a campanha de Dilma Rousseff em 2010.

O Bradesco se negou a comentar as informações e Octavio de Barros, agora desligado do banco, negou ter buscado informações privilegiadas. Henrique Meirelles, atual secretário da Fazenda do Governo João Doria (PSDB), em São Paulo, disse que a afirmação é "absurda, completamente descompassada com a realidade".

Medo do "risco sistêmico"

A reportagem do El País afirma que antes mesmo de negociar com Palocci, os procuradores já especulavam que os bancos lucravam com a corrupção.

O procurador Roberto Pozzobon, em mensagem a colegas no dia 16 de outubro de 2018, comentou sobre movimentações financeiras do empresário e lobista Adir Assad, condenado por lavagem de dinheiro e acusado de envolvimento no escândalo da Petrobras, entre outros.

"O banco, na verdade os bancos, faturaram muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele”, teria escrito Pozzobon. Segundo a reportagem, ele e os procuradores sabiam que Assad teria aberto uma conta no Bradesco nas Bahamas para a lavagem de dinheiro.

Além disso, o Compliance Officer do Bradesco – setor responsável pelo cumprimento de normas legais – teria alertado o banco sobre suspeitas de irregularidades na conta de Assad. "E o que o Bradesco fez o que? Nada", observou Pozzobon.

Mas, mesmo com as suspeitas, a Lava Jato teria optado por fazer acordos com os bancos ao invés de abrir investigações, como foi feito com as empreiteiras. Um documento citado pela reportagem de nome "Ideias e Metas FTLJ 2017_2018” continha um resumo das ações a serem tomadas contra empreiteiras, bancos, doleiros e políticos.

No caso das empreiteiras, o objetivo era apresentar ações penais, uma vez que era necessário "responsabilizar todas as empresas”. Quanto aos bancos, o objetivo mencionado no documento seria fazer acordos "a título de indenização por lavagem de dinheiro e falhas de compliance”.

Entretanto, alguns procuradores alertaram para o "risco sistêmico", um conceito financeiro que supõe um possível efeito dominó para a economia.

"O que nós temos a favor e que é uma arma que pode explodir é que uma operação sobre um grande banco pode gerar o tal do risco sistêmico. Podemos quebrar o sistema financeiro. Essa variável tem que ser considerada para o bem e para o mal”, escreveu o procurador Januário Paludo, em outubro de 2018.

"Por isso, estrategicamente, medidas ostensivas tem que ser tomadas em relação a pequenas instituições para ver o quanto o mercado vai reagir”.

Morosidade das ações contra os bancos

Uma troca de mensagens entre o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e seus colegas sugere que os procuradores teriam ao menos conhecimento parcial sobre as irregularidades cometidas pelos bancos.

Dallagnol, em mensagem reproduzida pelo El País, teria perguntado a colegas quais seriam as violações "mais fortes" por parte dos bancos, sobre as quais a força-tarefa suspeitava. "Fazer uma ação contra um banco pedindo pra devolver o valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo monetário, é algo que repercutiria muito, mas muito, bem", disse o procurador.

Mas, enquanto a Lava Jato promovia uma devassa nas empreiteiras, a atuação da força-tarefa caminhava muito lentamente em relação aos bancos. Em outubro de 2016, Dallagnol teria sugerido a instalação de um Inquérito Civil Público (ICP) para apurar falhas de compliance dos bancos. A intenção seria "pintar tempestade na portaria”, pressionando os bancos a negociar com a força-tarefa.

Entretanto, a Lava Jato apenas chegaria aos bancos em maio de 2019, com a prisão de três executivos do Banco Paulista, acusados de lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta em benefício da Odebrecht.

"Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada!”, escreveu Pozzobon três meses antes, comemorando a autorização judicial para a operação, segundo a reportagem.

"Show!!! vai ter muita gente que vai começar a perder o sono, rs”, respondeu a procuradora Laura Tessler. Naquele mesmo mês de maio, a força-tarefa do Rio de Janeiro prenderia dois gerentes de uma agência do Bradesco no Rio de janeiro, também acusados de lavar de dinheiro da Odebrecht.

Envolvimento de Dallagnol com banqueiros

O El País afirma que, enquanto a Lava Jato se arrastava para chegar às instituições bancárias, Dallagnol deu uma palestra na Federação Brasileira de Bancos (Febraban) no dia 17 de outubro de 2018 sobre prevenção e combate a lavagem de dinheiro, paga pela entidade, que, segundo a reportagem, teria confirmado a informação.

Citando o Portal da Transparência, o jornal afirma que Dallagnol recebeu 18.088 reais líquidos, pouco menos que o salário recebido por ele no mesmo mês de outubro, de 22.432 reais líquidos.

Em maio do mesmo ano, ele havia negociado uma palestra, organizada pela XP Investimentos, para CEOs e tesoureiros de grandes bancos brasileiros e internacionais, na qual havia representantes do Itaú, Bradesco e Santander.

A reportagem diz que Dallagnol teria participado ainda, de um encontro secreto com representantes de instituições financeiras, também organizado pela XP. O portal The Intercept já havia mostrado que ele previa faturar 400.000 reais em 2018 com livros e palestras.

Reações

Procurada pela reportagem, a força-tarefa de Curitiba afirmou que "é de conhecimento público que as forças-tarefas Lava Jato no Paraná e no Rio de Janeiro já adotaram diversas medidas de persecução criminal em face de integrantes de instituições financeiras, incluindo diretores e gerentes de bancos e corretoras".

Assessoria de imprensa da Lava Jato também disse que a força-tarefa "não reconhece as mensagens que lhe têm sido atribuídas. O material é oriundo de crime cibernético e sujeito a distorções, manipulações e descontextualizações".

O banco Itaú afirmou em nota que "repudia veementemente qualquer tentativa de vincular doações eleitorais realizadas de forma lícita e transparente a condutas antiéticas para atender a eventuais interesses da organização. O banco não teve acesso à delação nem às mensagens trocadas por celular, mas afirma, de forma enfática, que a declaração mencionada pelo jornal é mentirosa".

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