Venda de carne vencida gera debate sobre controle de alimentos
6 de setembro de 2006Noventa toneladas de carne cujo prazo de validade havia expirado há quatro anos foram vendidas por empresas bávaras a nove países europeus. E como parte da carne conservada a baixas temperaturas não necessariamente podia ser identificada como deteriorada, presume-se que tenha sido consumida despercebidamente.
Desta vez, o escândalo atingiu uma outra dimensão. O caso levou ao suicídio de um dos distribuidores suspeitos em Munique, segundo informou a polícia local nesta quarta-feira (06/09), além de provocar críticas em toda a Europa e desencadear uma ampla discussão sobre proteção ao consumidor na Alemanha.
O preço da descentralização
A União Européia costuma não interferir na política de proteção ao consumidor, uma competência dos países-membros. Mas no atual caso, dado o número de países onde foi distribuída a carne vencida, as autoridades européias criticaram a falta de transparência do governo alemão. Afinal, a informação chegou aos ouvidos da Comissão Européia só 24 horas após as autoridades alemãs terem recebido a denúncia que levou à descoberta das irregularidades.
Para muitos, este é o preço do federalismo. O ministro alemão de Proteção ao Consumidor, Horst Seehofer, exige que a União passe a ter maior influência sobre o controle de qualidade de produtos alimentícios. Atualmente, isso é da competência exclusiva dos Estados.
Punição amena
Outros procuram o motivo na relativa impunidade para esse tipo de infração na Alemanha. As multas a serem pagas em caso de distribuição de mercadorias estragadas podem chegar a 10 ou 15 mil euros, uma quantia irrisória para empresas que lucram milhões.
Além disso, ao contrário da distribuição de leite estragado, por exemplo, a carne vendida fora do prazo de validade muitas vezes não chama atenção, o que torna a incidência deste crime ainda maior.
Políticos alemães, sobretudo da oposição liberal e verde, defendem multas mais altas para esses casos. As sugestões vão desde a imposição de multas proporcionais ao faturamento da empresa infratora até a proibição vitalícia de exercício da profissão dos reponsáveis.
Para o parlamentar europeu democrata-cristão Karl-Heinz Florenz, não seria o caso de tornar mais rigorosas as determinações legais européias. Ele considera uma suficiente base jurídica as dezenas de diretrizes da UE relativas aos padrões de higiene para a produção e comercialização de carne.
No entanto, os tribunais alemães poderiam fazer maior uso do direito europeu na punição de infrações. De acordo com as normas européias, a comercialização de carne fora do prazo de validade poderia custar aos culpados diversos anos de cadeia.
Pouca transparência na Alemanha
A comparação com outros países europeus também indica que a proteção ao consumidor deixa a desejar na Alemanha, sobretudo no tocante à transparência. No Reino Unido, por exemplo, a Food Standard Agency, uma agência de garantia do padrão de produtos alimentícios, alerta a população – através de um site próprio – sobre mercadorias inconsumíveis.
Assim que as autoridades comunicarem que algum produto não tenha passado pelo teste de qualidade, divulga-se na internet uma nota com a marca, o nome da empresa, ao lado de fotos dos produtos em questão. A agência trabalha com toda autonomia, independente do poder dos ministérios.
Na Dinamarca, por sua vez, existe um sistema de selo de qualidade para estabelecimentos de gastronomia ou comércio de produtos alimentícios. Todos os restaurantes e lanchonetes são obrigados a mostrar o selo que indica o resultado do último controle: um "smiley" sorridente, neutro ou sério. Além disso, os resultados dos controles de qualidade também são divulgados na internet.
Em outros países, como a Suécia e a Hungria, o consumidor tem o direito de receber informações sobre produtores e produtos, consultando os órgãos responsáveis. Em geral, todos os países europeus devem comunicar quaisquer irregularidades à União Européia o mais rápido possível.
No entanto, é competência nacional decidir que tipo de informação é repassada ao consumidor. Na Alemanha, é proibido divulgar a marca dos produtos e o nome da empresa, o que dificulta em muito o controle por parte dos consumidores.
Segundo um novo projeto de lei, a passar daqui a três semanas pelo crivo do Bundesrat, a câmara alta do Legislativo alemão, o consumidor teria o direito de obter resposta a possíveis consultas do gênero dentro de um prazo de cinco anos.