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Venda de migrantes na Líbia choca o mundo

António Cascais com Sandrine Blanchard, ca
23 de novembro de 2017

Confiando em atravessadores que prometem levá-los à Europa, viagem de muitos na África acaba, geralmente, na Líbia. Ali, eles são vendidos ou até mortos. Políticos africanos exigem agora ação legal.

Libyen Falle für Flüchtlinge
Refugiadas nigerianas detidas na LíbiaFoto: picture alliance/AP Photo/D. Etter

Oitocentos dinares! Mil dinares! Mil e cem dinares! Quem dá mais? Por 1.200 dinares líbios – cerca de 2,6 mil reais – o negócio é finalmente fechado. Mas não é um carro, por exemplo, que troca de dono, e sim um grupo de jovens assustados provenientes da África Subsaariana.

As imagens, gravadas neste ano por um smartphone num mercado na Líbia, chegaram à emissora americana CNN, que investigou o fato. Em vários locais no interior do país e na costa do Mediterrâneo, os jornalistas encontraram verdadeiros mercados de escravos.

Por meio de imagens, eles puderam comprovar o que os conhecedores da região já advertiam há muito: a exploração ilimitada de migrantes que tentam chegar à Europa através da Líbia.

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Duras reações na África

Especialmente na África Ocidental, de onde vem a maioria dos migrantes, os políticos demonstraram indignação. Mahamadou Issoufou, presidente do Níger, criticou duramente a situação na Líbia.

Issoufou convocou o embaixador líbio a comunicar o "protesto do Níger", exigindo, além disso, que a Corte Internacional de Justiça se ocupe do comércio escravagista no país do Norte da África.

Em Burkina Faso, o ministro das Relações Exteriores, Alpha Barry, disse em coletiva de imprensa que o embaixador do país na Líbia foi convocado a Ouagadougou para consultas.

O caso deve fazer parte da agenda da próxima cúpula da União Africana, que se realizará nos dias 29 e 30 de novembro na Costa do Marfim.

Também na Costa do Marfim, o escândalo em torno dos mercados de escravos na Líbia é motivo de polêmica: 155 migrantes marfinenses, incluindo 89 mulheres e menores de idade, foram levados de avião da Líbia para Abidjan.

Representantes do governo marfinense criticaram o "estado de saúde deplorável" dos migrantes. Eles agora estariam se beneficiando de uma medida de reintegração financiada pela União Europeia.

Migrantes marfinenses em seu retorno a AbidjãFoto: DW/J. Adayé

Em Nova York, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou na última segunda-feira (20/11) aos governantes líbios que investiguem os antecedentes do caso e levem os criminosos à Justiça.

"A escravidão não tem lugar no nosso mundo e esses atos estão entre os piores crimes contra a humanidade e entre as piores violações dos direitos humanos", disse Guterres, assinalando haver instruído todos os responsáveis na ONU a investigar as acusações.

O secretário-geral da ONU apelou a todos os países a aderirem à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNODC, na sigla em inglês) e a aprovarem o Protocolo Adicional de 2004 sobre o Tráfico de Seres Humanos.

Reconhecido internacionalmente e apoiado pelas Nações Unidas, o governo de unidade nacional na Líbia disse que vai averiguar as acusações. O vice-chefe de governo, Ahmed Metig, anunciou o estabelecimento de uma comissão de investigação. "Se as alegações forem verdadeiras, os responsáveis serão punidos", comunicou o Ministério do Exterior do governo líbio.

"Líbia era um inferno"

A maioria dos migrantes que se encontra na Líbia provém de países da África Ocidental, como Nigéria, Guiné, Burkina Faso re Costa do Marfim. A esperança de um futuro na Europa também leva muitos eritreus e somalis à fuga, principalmente através de Agadez, no norte do Níger. Eles confiam em atravessadores que prometem levá-los à costa do Mar Mediterrâneo e, de lá, até a Europa. Mas a viagem acaba, geralmente, na Líbia.

"A vida na Líbia era um inferno", disse Souleymane, um jovem migrante da Costa do Marfim, em conversa com a DW. Ele passou meses detido no país norte-africano. Somente por um acaso, Souleymane conseguiu retornar a seu país com o apoio da Organização Internacional para as Migrações (OIM): "Vivia em constante medo de ser apanhado por uma milícia e acabar sendo vendido como escravo."

Refugiados dependem de atravessadores para a travessia do desertoFoto: picture alliance/dpa/D. v. Trotha

Dependência completa

A luta contra o tráfico de seres humanos na região ocupa há muito um lugar importante na agenda da ONU. Mas os avanços são pouco perceptíveis. Pelo contrário: o problema se intensificou nos últimos anos, apontou Othman Belbeisi, chefe da missão da ONU na Líbia, em entrevista à DW.

Segundo Belbeisi, os migrantes passam até três meses detidos e explorados por milícias em calabouços na Líbia: "O problema é que a maioria dos migrantes que fogem por motivos econômicos não possui nenhum documento. Eles entram na Líbia através de fronteiras não oficiais e se tornam completamente dependentes dos atravessadores. E eles então são muitas vezes sequestrados – e se o dinheiro do resgate não for pago, são vendidos, torturados ou até mortos."

Mas enquanto as rotas legais para a Europa não se tornarem mais acessíveis, a motivação de muitos jovens africanos para empreender a arriscada jornada ainda permanecerá grande. Segundo dados da OIM, neste ano, mais de 160 mil migrantes chegaram à Europa através do Mediterrâneo. Estimativas de funcionários da ONU na Líbia apontam que outras centenas de milhares aguardam a travessia para a Europa.

A OIM informou ainda que, desde janeiro último, quase 3 mil migrantes morreram durante a perigosa viagem marítima.

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