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Venezuelanos sonham em deixar Roraima

Yan Boechat de Boa Vista
29 de agosto de 2018

Governo começa a cumprir promessa de transferir imigrantes a outras partes do país. Maioria dos venezuelanos que vivem em Boa Vista quer deixar a capital. "Aqui não há mais nada para nós, virou um inferno", dizem.

Migrantes venezuelanos em Boa Vista
Em Boa Vista, milhares de venezuelanos dormem em barracas, redes ou simples pedaços de papelão estendidos nas ruasFoto: DW/Y. Boechat

Blanca Flores exibia orgulhosa a pulseira azul escuro que lhe cobre o pulso direito. No fim da manhã quente e úmida do último domingo em Boa Vista, a todos conhecidos que passavam por uma das tendas instaladas para amenizar o calor no abrigo Rondon 1, ela levantava o braço e gritava: "Mira, mira, estou partindo."

A ex-caixa de supermercado de 53 anos, que deixou a cidade de Maturin, no nordeste da Venezuela, há pouco mais de um mês, estava prestes a realizar o sonho da maior parte dos mais de 30 mil venezuelanos que estão vivendo em Roraima.

"Vamos ser sinceros, Boa Vista está colapsada com tantos venezuelanos, aqui não há mais nada para nós, se transformou num inferno", disse ela, orgulhosa por ter conquistado uma vaga no voo da Força Aérea Brasileira (FAB) que deixou a capital de Roraima nesta terça-feira (28/08), com destino a Manaus, João Pessoa e Fortaleza.

"Não vejo a hora de ir para um lugar mais fresco, não aguento mais este calor", desabafou, feliz por estar se mudando para São Paulo.

Blanca faz parte do primeiro grupo de cerca de mil imigrantes venezuelanos que o governo federal prometeu levar para diferentes estados brasileiros nos próximos 30 dias. Com ela, outros 186 venezuelanos foram transferidos na terça-feira para abrigos em diferentes estados do país.

"Foi um sonho receber esta pulseira, estamos em uma situação muito ruim aqui, com água apenas por poucas horas por dia, sem trabalho e sem perspectivas", contou, sob a anuência de outros imigrantes venezuelanos que, como ela, aproveitavam a sombra para se esconder do sol de mais de 30 graus que castiga a cidade diariamente. "Todo mundo aqui quer ir embora."

A venezuelana Blanca Flores, de 53 anos, comemorou ter sido escolhida para embarcar num voo da FAB e deixar Boa VistaFoto: DW/Y. Boechat

Um levantamento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) mostra que 70% dos venezuelanos que estão em Roraima querem ir para outras cidades do Brasil. De acordo com o órgão, que tem organizado e estruturado os campos de acolhimento dos refugiados em Boa Vista, esse número já foi maior: chegou a 90%.

"Alguns que estão aqui querem ficar próximos à fronteira, tanto pela expectativa de retornar à Venezuela, quanto pela facilidade de enviar bens e dinheiro a seus familiares no país vizinho", explica Flávia Faria, assistente sênior de Informação Pública do Acnur no Brasil.

Nem todos devem ser interiorizados

No entanto, de acordo com estimativas do governo federal, poucos conseguirão ter a sorte de Blanca Flores. Segundo estimativa da Casa Civil do Palácio do Planalto, 2,3 mil venezuelanos serão transferidos até o fim do ano a outros estados do país pelo programa de interiorização do governo – 250% mais que todo o volume de venezuelanos transferidos nos últimos seis meses, quando Brasília decidiu que Roraima não tinha mais condições de receber tanta gente de uma só vez.

Ainda assim, milhares de venezuelanos seguem nas ruas ou em moradias improvisadas, embora as autoridades divirjam quanto ao total. Enquanto o governo federal estima que haja 12 mil venezuelanos em Boa Vista, o governo de Roraima e a prefeitura de Boa Vista falam em mais de 30 mil.

De acordo com Viviane Esse, uma das coordenadoras do programa de interiorização na Casa Civil, até o final de setembro, dois voos semanais deixarão Boa Vista com venezuelanos.

Somente o Rio Grande do Sul deve receber mais de 600 venezuelanos nos próximos meses, e São Paulo continua sendo uma das áreas mais demandadas pelos imigrantes, que acreditam ter mais possibilidade de encontrar trabalho na maior cidade do país. 

Raquel Hernandez, de 23 anos, quer ir para Santa Catarina. Mãe de dois filhos, um de um ano e outro de três, ela está convencida de que Florianópolis é a melhor cidade para se viver no Brasil.

"Me disseram que lá é lindo e que tem muitos empregos. Por isso, quero ir o mais rápido possível", disse. Raquel também é de Maturin e decidiu fugir para o Brasil há pouco mais de dois meses, quando não conseguia mais dinheiro para comprar comida para os filhos.

"Eu tinha um pequeno negócio de alimentação rápida, mas quebramos e eu não tinha mais como alimentar os meninos. Aí eu e o pai dele decidimos vir para cá", contou, com o mais novo nos braços.

Tensão entre brasileiros e venezuelanos na fronteira

04:28

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Raquel, assim como Blanca, reclama do calor, da falta de água e da dificuldade de conseguir algum dinheiro em Boa Vista. Mas ela diz ter sorte por estar num abrigo com comida três vezes por dia e um teto.

Como muitos venezuelanos que estão nos abrigos, no entanto, ela ainda não conseguiu reunir a família que está em Boa Vista. "Não deixam o meu sogro vir, dizem que ele é homem solteiro e não pode entrar nos abrigos familiares", disse.

O Acnur definiu que em abrigos como o Rondon 1 apenas jovens de até 17 anos podem acompanhar os familiares. Marisol Lopez, por exemplo, tem um filho de 19 anos nas ruas de Boa Vista.

"Estou com meus dois filhos menores, mas o maior não me deixam trazer. Está dormindo nas ruas e, às vezes, consigo levar um pouco da comida que recebo para ele e lavar suas roupas aqui", disse ela, preocupada com o rapaz.

Os abrigos construídos pelo governo federal, com apoio do Acnur, recebem apenas uma parcela pequena dos imigrantes que chegam a Boa Vista. Atualmente, menos de 5 mil pessoas estão instaladas neles, sendo a maior parte famílias com crianças pequenas.

"Ainda são três mil pessoas em situação vulnerável, e logo vamos ampliar as vagas para 6 mil pessoas", afirma Esse.

Barracas e prostituição

Apesar da divergência nos números, a presença dos venezuelanos em Boa Vista segue visível, intensa e só pode ser descrita com adjetivos de grau superlativo. São milhares de pessoas vivendo em torno de áreas onde há distribuição de comida ou alguma proteção das intempéries.

Elas dormem em barracas, redes ou simples pedaços de papelão estendidos nas ruas. São homens, mulheres, idosos, crianças e bebês, espalhados por todos os cantos. Muitos estão há meses na rua, sem dinheiro e com pouca perspectiva de sair de Boa Vista.

Raquel Hernandez, com o filho mais novo, espera em abrigo de Boa Vista a chance de ir viver em Santa Catarina e reiniciar a vida por láFoto: DW/Y. Boechat

Uma rua da cidade foi tomada por prostitutas venezuelanas e foi rebatizada levando em conta o valor cobrado pelas jovens meninas recém-chegadas à cidade: Ochenta, assim mesmo, em espanhol.

"Mas o nome já está mudando para setenta. Há tantas meninas chegando todos os dias que os valores estão baixando", disse Jéssica, uma jovem que afirma ter 19 anos, mas que parece ser mais jovem.

Ela, como boa parte das meninas que passam as noites, manhãs e tardes no bairro Caimbé, chegou há pouco da Venezuela e encontrou na prostituição uma maneira rápida e eficaz de juntar dinheiro.

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