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'Viagem com Mourão à Amazônia não mudou percepção alemã'

11 de novembro de 2020

Diplomata Heiko Thoms vê avanços no diálogo, mas diz que tour pela região não mudou posição da Alemanha sobre como governo lida com desmatamento e incêndios. Ele aponta para falta de plano de ação de longo prazo.

Queimada e desmatamento em Apuí, no Amazonas, em agosto de 2020Foto: Reuters/U. Marcelino

Na semana passada, o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, comandou uma viagem a três cidades da região amazônica com embaixadores de diversos países. Seu objetivo era apresentar aos diplomatas a atuação do governo Jair Bolsonaro no meio ambiente, alvo de críticas frequentes da comunidade internacional, com reflexos na reputação de empresas brasileiras, no bloqueio dos recursos do Fundo Amazônia e em dificuldades para a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

Um dos embaixadores presentes na viagem era o representante da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms. Em entrevista à DW Brasil, ele afirmou que a iniciativa de Mourão foi positiva para ampliar o diálogo com o governo brasileiro, mas acrescentou que ela  não mudou a percepção do governo alemão sobre o governo Bolsonaro e que não há previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia — que também é financiado pela Noruega e tem hoje cerca de R$ 3 bilhões bloqueados — ou para a ratificação do acordo de livre comércio entre os dois blocos.

Thoms dirige críticas à ausência de um plano de ação do governo brasileiro para reduzir o desmatamento e as queimadas que inclua medidas concretas e metas, e diz que, sem apresentar uma redução nos números do desmatamento, não haverá mudança no entendimento do país europeu.

"O governo [brasileiro] está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre onde estão e quão grande é o problema. Há instrumentos para combater. E há órgãos governamentais muito bons. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas. Isso não existe no momento", afirmou.

Questionado sobre preocupações do governo brasileiro sobre sua soberania na Amazônia, tema enfatizado com frequência por Bolsonaro, Thoms afirmou que ninguém questiona a soberania do Brasil na região. Pelo contrário, ele disse esperar que o país efetivamente coloque em prática seu poder de Estado na área.

"O Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia, combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum de que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser", afirmou.

O tour incluiu as cidades de Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Maturacá, próxima à fronteira com a Venezuela, e passou longe do arco do desmatamento, nas fronteiras leste e sul da Amazônia, onde ocorrem hoje os maiores danos à floresta, ressalta Thoms. Ele disse que o vice-presidente se comprometeu a organizar uma nova viagem com os diplomatas a essas áreas.

DW Brasil: Qual foi a sua impressão sobre a viagem à Amazônia organizada por Mourão?

Heiko Thoms: Encarei essa viagem como um convite para um diálogo contínuo e fortalecido com pessoas importantes no governo brasileiro. E esse diálogo realmente aconteceu quando estávamos lá, o que foi muito positivo. Mas gostaríamos de ter ido com mais detalhe a algumas áreas.

A quais áreas?

"Temos cooperado com o Brasil nos últimos 30 anos e estamos bem cientes do panorama geral", diz Heiko ThomsFoto: Deutsche Botschaft/Brasilien

Fomos a regiões que ainda têm seu meio ambiente relativamente intacto. Sabemos que, em algumas das áreas onde fomos, também há garimpo ilegal de ouro e desmatamento ligado à mineração. Mas teria sido interessante ir também às áreas de transição, onde a maior parte do desmatamento está ocorrendo [nas fronteiras leste e sul da Amazônia].

Isso não significa que não saibamos qual é a situação na Amazônia como um todo. Temos cooperado com o Brasil nos últimos 30 anos e estamos bem cientes do panorama geral. Além disso, há dados de ótima qualidade de órgãos brasileiros.

Não foi estranho participar de uma viagem dessas que não incluiu áreas onde o desmatamento mais cresce?

Creio que foi uma tentativa do vice-presidente para nos mostrar outros aspectos. Há uma percepção de que, na Europa, achamos que a Amazônia inteira está queimando. Mas é claro que essa não é nossa percepção, sabemos onde isso está acontecendo, especialmente nas áreas de transição, e que há regiões onde os ecossistemas estão bem. Sabemos que há incêndios e que o desmatamento está aumentando. Estamos muito preocupados que os números a serem divulgados nos próximos dias mostrem uma nova alta [no desmatamento].

Quais cidades foram visitadas?

Primeiro fomos a Manaus e fizemos uma viagem ao interior, onde discutimos problemas relativos à regularização fundiária, um tema no qual a Alemanha tem projetos bilaterais com o atual governo. Depois fomos a São Gabriel da Cachoeira e a Maturacá, que fica próxima ao Pico da Neblina [na fronteira com a Venezuela].

Com quem o sr. conversou na viagem?

Tive várias conversas pessoais com o vice-presidente, com o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles], com a ministra da Agricultura [Tereza Cristina], com o general [Augusto] Heleno [ministro do Gabinete de Segurança Institucional] e com o secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, além de outras agências governamentais.

Tive um encontro bilateral com representantes da Coiab [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira], já que as organizações indígenas não faziam parte do programa, outro ponto que gostaria que tivesse sido incluído. E com a Fundação Amazônia Sustentável. Alguns dias antes da viagem, a embaixada da União Europeia em Brasília também organizou uma grande conversa com organizações ativas nos temas do meio ambiente e indígena.

A viagem modificou a posição do governo alemão sobre como o atual governo brasileiro lida com o desmatamento e os incêndios na região?

Não, a viagem não muda nossa percepção. Estamos acompanhando a situação há bastante tempo. Para mim, a viagem foi um passo inicial para aprofundar o diálogo. E considero positivo que não há indicativos de que eles não estejam cientes da situação. O governo está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre onde estão e quão grande é o problema.

Na sua avaliação, o governo brasileiro tem um plano de ação claro com metas para combater o problema?

Isso é o que é necessário. Vemos que estão cientes do problema, que há instrumentos para combater o desmatamento ilegal. Que os militares estão presentes com a Operação Verde Brasil, que a Polícia Federal é ativa. E que há órgãos governamentais muito bons, como o Ibama, o ICMBio, que têm os dados. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas. Esse seria o próximo passo esperado. Um plano de ação que defina o caminho para reduzir os números do desmatamento. Isso não existe no momento. Essa foi a minha mensagem ao governo brasileiro.

Apesar de Mourão estar à frente do Conselho da Amazônia desde janeiro, ainda não há um plano de ação claro?

Bem, eles apresentaram uma estratégia geral para lidar com a região amazônica. Mas não há ainda um plano com números.

O Fundo Amazônia, que tem cerca de R$ 3 bilhões à espera de destino, segue bloqueado desde agosto do ano passado. Essa viagem ajuda na busca por uma solução para o fundo?

A mensagem é a mesma para o fundo. Há uma crise de confiança e, para resolvê-la, precisamos ver o plano de ação, e ver ele sendo implementado, com os números [de desmatamento e incêndios] diminuindo.

Mourão falou alguma vez sobre preocupações do governo com a soberania do Brasil na Amazônia?

Não, mas vejo esse assunto aparecendo com frequência. E devo dizer: entendo a sensibilidade ao tema e de onde ele vem, mas realmente não vejo nenhuma ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Ninguém questiona a soberania do Brasil na região.

A única coisa que eu poderia dizer ao governo brasileiro é que o Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia, combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser.

Há alguma novidade sobre a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?

Essa pergunta precisaria ser feita ao embaixador da União Europeia no Brasil, pois o tratado está nas mãos da Comissão Europeia. A Alemanha, na condição de presidente do Conselho da União Europeia [até o final do ano], está comprometida em avançar na análise do acordo, e queremos concluí-lo. Mas há pontos importantes sobre sustentabilidade e desmatamento em questão e precisamos de ações concretas.

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