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Vices mulheres: oportunismo ou avanço?

15 de agosto de 2018

Nunca houve tantas mulheres na disputa presidencial no Brasil. O que isso reflete? Aparentemente mais um cálculo político do que um progresso, numa eleição em que elas compõem a maioria do eleitorado indeciso.

Kátia Abreu foi escolhida vice de Ciro Gomes
Kátia Abreu foi escolhida vice de Ciro GomesFoto: Getty Images/E.Sa

Nunca houve tantas mulheres participando da disputa presidencial no Brasil. Além de Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU), que encabeçam a disputa em suas chapas, há cinco candidatas à vice-presidência entre as 13 coligações. Em um cenário de pífia representatividade feminina no Legislativo, qual é o significado desse fato?

Para especialistas consultados pela DW Brasil, ao mesmo tempo em que a cifra reflete um maior debate público por mais participação das mulheres, ela tem um viés de oportunismo político, numa campanha que até agora abordou muito pouco das questões de gênero.

"Por um lado, indica que os partidos começam a perceber que não dá para continuar fazendo política sem mulheres. Por outro, a decisão representa uma estratégia eleitoral para captar o eleitorado feminino, que compõe uma parcela substantiva entre os indecisos”, avalia a cientista política Malu Gatto, pesquisadora da Universidade de Zurique, na Suíça.

As mulheres compõem maioria do eleitorado (52,5%) e a maior parcela de indecisas: segundo a última pesquisa Datafolha, de junho passado, 80% afirmam ainda não ter candidato — 54% indecisas e 26% com a intenção de votar branco ou anular.

O cientista político Pedro dos Santos, professor na Universidade de Saint John, nos Estados Unidos, entende que o aumento do número de mulheres postulantes a vice reflete as limitações dos partidos ao tentarem se apresentar como progressistas ao eleitorado.

"Com as duas vitórias de Dilma Rousseff, os partidos viram que uma mulher pode ser eleita, mas não querem ter mulheres nas cabeças de chapa. Não só no Brasil, mas no mundo todo, o sistema político foi criado por homens e para homens. A entrada de uma mulher significa que um homem vai perder seu lugar”, comenta.

A abertura dos partidos para a presença de mulheres nas chapas presidenciais contrasta com a busca de subterfúgios para driblar a reserva de 30% das candidaturas prevista na Lei das Eleições de 1997. Quando a redação da lei foi alterada e passou a prever a obrigatoriedade dessa garantia, observou-se o surgimento de candidaturas-laranjas – mulheres registradas pelos partidos, muitas vezes sem saberem direito do que se trata, só para que a cota seja atingida.

"Essa lógica de proteção de poder permeia todo o processo eleitoral, da nomeação de candidatos ao apoio às candidaturas. Como as mulheres não fazem parte dos grupos de políticos tradicionais, ficam excluídas. Mesmo quando são selecionadas para cumprir as cotas, não têm apoio para a campanha”, critica Gatto.

No ranking mundial da União Interparlamentar, órgão parceiro da ONU que compila dados sobre parlamentos de 190 países, o Brasil ocupa a 152ª posição em relação ao percentual de parlamentares homens e mulheres na Câmara dos Deputados. É o pior resultado entre os países sul-americanos, e 52 posições abaixo da Arábia Saudita, onde as mulheres só obtiveram o direito de dirigir em junho deste ano.

Em nova tentativa de assegurar uma maior representatividade feminina e restringir as manobras dos partidos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou, em maio deste ano, que a cota de 30% prevista em lei também deve valer para a divisão do Fundo Partidário e do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão.

A Rede Sustentabilidade vai aplicar a fatia de 30% do Fundo na candidatura de Marina SilvaFoto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom

A decisão, porém, não restringe a utilização da verba em candidaturas proporcionais para o Legislativo. Portanto, o montante pode ser destinado às candidatas a presidente e vice-presidente, mesmo que em chapas encabeçadas por homens. A Rede Sustentabilidade, por exemplo, deve aplicar a fatia de 30% do Fundo na candidatura de Marina Silva.

Segundo estimativa do jornal Folha de S. Paulo, ao todo, 67 mulheres serão candidatas a vice-governadora nas eleições deste ano, o equivalente a 37,6% do total. Em 2014, eram 27,7%, e em 2010, 19,5%. Na corrida ao Planalto, elas são agora cinco em 13 (levando em conta que Manuela D'Ávila assumiria na chapa do PT em caso de impedimento de Lula)  — em 2014, foram três em 11 e, em 2010, uma em nove.

Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e Identidade da Fundação Getúlio Vargas São Paulo (FGV-SP), a pesquisadora Luciana Ramos teme que os partidos aloquem os recursos exclusivamente nessas candidaturas e em nomes que buscam a reeleição no Congresso. Com isso, os partidos poderiam argumentar que a garantia de verbas não resultou na eleição de mais mulheres e pleitear a revisão da medida.

"Para o ano que vem, precisa vir uma pressão muito grande dos movimentos sociais para ter uma lei que imponha essa questão dos 30% de dinheiro indo para o lugar certo, como as candidaturas proporcionais, certificando-se que é para um pool de candidatas, e não só uma. Tem muitas coisas a serem aperfeiçoadas”, afirma.

Sonia Guajajara: uma das candidatas a vice na corrida ao PlanaltoFoto: DW/N. Pontes

A jurista Luciana Lóssio, que teve atuação destacada no combate às candidaturas-laranja quando foi ministra do TSE, entre 2013 e 2017, está otimista com uma mudança de cenário a partir da decisão do tribunal e não endossa as críticas à possibilidade de uso dos recursos em candidaturas majoritárias.

"Da redemocratização para cá, três dos cinco vice-presidentes assumiram a chefia do poder Executivo. O cargo de vice é muito importante. Outra discussão é o uso da verba para suplentes de senador. Hoje, 20% do Senado é composto por suplentes. Não se pode querer dificultar ainda mais a chegada dessas mulheres aos cargos de poder. Nessa hora, é importante sair um pouco da teoria e ir para a prática”, diz.

Tanto a ex-ministra do TSE como a pesquisadora da FGV defendem que a mudança para um sistema de voto em lista fechada, com garantia de paridade e alternância de gênero – uma mulher para cada homem candidato – possibilitaria um salto mais efetivo da representação feminina no Brasil. Vizinhos latino-americanos que adotam esse modelo estão em posições bem superiores no ranking da União Interparlamentar, como Bolívia (3º), Costa Rica (7º), México (9º) e Argentina (17º).

Já o cientista político Pedro dos Santos chama atenção para a relação direta entre a presença de mulheres nas comissões executivas dos partidos e o aumento de candidaturas femininas.

"É preciso levar em consideração que são 35 partidos em 27 unidades da federação, desmembrados em 5.570 municípios. Cada unidade dessas tem uma diretoria executiva. Não adianta mudar essa estrutura só em âmbito nacional, desconsiderando a esfera estadual e municipal. Essa necessidade de ter mulheres precisa vir de baixo para cima”, argumenta.

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