Vilarejo vira símbolo de movimento antinuclear na França
Claire Rush av
9 de março de 2018
Bure, um lugarejo de 90 habitantes, resiste firme à intenção das autoridades de depositar dejetos radioativos em suas terras – apesar de violência policial e tentadoras compensações financeiras.
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Os manifestantes antinucleares arrastam tábuas e vigas pelos campos enlameados fora de Bure, um lugarejo de apenas 90 habitantes no nordeste da França. Eles estão se preparando para construir uma casa de árvore no bosque de Bois Lejuc, no lugar que foram destruídas pela polícia, alguns dias antes.
Em 22 de fevereiro de 2018, os agentes da lei foram enviados para retirar do local algumas dezenas de ativistas que ocupavam as matas em protesto contra os planos de Paris de enterrar lixo radioativo em Bure. A operação, ao nascer do dia, pegou os manifestantes de surpresa.
"Um monte de policiais veio do bosque para demolir as nossas casas e destruir tudo o que tínhamos criado", conta um ativista, pedindo para permanecer anônimo. Como muitos de seus companheiros, ele esconde o rosto atrás de uma máscara de coruja.
O primeiro repositório final de resíduos nucleares do mundo
02:10
Embora as tensões entre a polícia e os ativistas venham crescendo nas últimas semanas, a oposição ao projeto já data de décadas. Os resíduos radioativos são um problema na França, que extrai 70% de sua eletricidade de 58 usinas nucleares.
Em 1998, a agência nacional francesa de dejetos radioativos Andra começou a trabalhar num vasto laboratório subterrâneo dedicado à pesquisa da geologia de Bure, com o fim de determinar se o sítio se adequava a abrigar um repositório geológico profundo.
A finalidade é armazenar, a 500 metros de profundidade, 80 mil toneladas cúbicas de resíduos altamente radioativos, os quais permanecem nocivos aos seres humanos por dezenas de milhares de anos.
"Nossos cientistas vêm estudando há mais de 25 anos a viabilidade de depósitos geológicos profundos", diz Frederic Plas, diretor de pesquisa da Andra. "No laboratório de Bure, pesquisamos as características do sítio e testamos a formação de rochas argilosas, para determinar se ele é capaz ou não de conter a radioatividade."
Segurança garantida – quase
O deputado Bertrand Pancher, do Parlamento local, afirma estar convencido de que o projeto é seguro. "É a melhor opção em termos de segurança, e nós, representantes eleitos, ficamos satisfeitos com os debates públicos travados sobre esse tópico. A lei que autoriza a pesquisa para depósitos geológicos profundos também exige que os dejetos sejam resgatáveis por um século, significando que podemos removê-los, caso apareça qualquer problema."
O conceito de "resgatabilidade" é central ao debate. Essa provisão na lei francesa sobre os repositórios profundos visa, em parte, problemas imprevistos no armazenamento, mas em primeira linha se refere à eventualidade de os cientistas descobrirem uma forma mais adequada de guardar os resíduos.
"A ideia não é enterrar e esquecer para sempre", confirma Nicolas Mazzucchi, especialista em energia do think tank parisiense Fondation pour la Recherche Stratégique (FRS).
A maior parte dos cientistas afirma que armazenar o lixo radioativo nas camadas subterrâneas é mais seguro do que sobre o solo, onde pode estar exposto aos elementos da natureza e até a atos de terrorismo. No entanto, poucas pessoas estão dispostas a viver ao lado de um desses depósitos, e por isso os sítios potenciais costumam se situar em áreas remotas como Bure.
Resistência determinada
Para adoçar o acordo, o governo francês apela para uma lei de 1991,que dá às regiões que abriguem dejetos atômicos o direito a ajuda financeira estatal. As duas municipalidades vizinhas ao laboratório de Bure recebem, cada uma, cerca de 30 milhões por ano – uma soma considerável para áreas rurais com população minguante.
Contudo, para os moradores, a intervenção violenta da polícia aos protestos, até mesmo com gás lacrimogêneo, não é um bom sinal de que o Estado esteja colocando os interesses deles em primeiro lugar.
"Tenho lutado contra esse projeto há 25 anos", comenta o agricultor local Jean-Pierre Simon. "O governo quer esmagar a oposição e se apropriar da terra. No fim das contas, não vai mais haver fazendeiros, e a Andra vai poder fazer o que quiser."
Por enquanto, Bure é apenas um laboratório, pois o governo ainda não deu autorização para que o sítio seja operado como repositório geológico profundo. E os ativistas locais estão determinados a garantir que as coisas permanecerão assim.
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Quatro décadas de movimento antinuclear alemão
Protestos contra a energia atômica deram origem ao Partido Verde mais forte do mundo. Eles obtiveram muitas vitórias desde os anos 70, mas também registraram reveses.
Foto: AP
Nasce um movimento
O movimento antinuclear despontou na Alemanha já no início dos anos 1970, com os protestos contra os planos para a construção de uma usina nuclear em Wyhl, perto da fronteira com a França. A polícia foi acusada de empregar força excessiva para conter os manifestantes. Mas, no fim, estes venceram, e o projeto nuclear foi arquivado em 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Desobediência civil
Animados pelo sucesso em Wyhl, no fim da década de 70 protestos semelhantes de desobediência civil se realizaram em Brokdorf e Kalkar. Embora não tenham conseguido evitar a instalação dos reatores, eles provaram que o movimento antinuclear ganhava força no país.
Foto: picture-alliance / dpa
Não ao lixo radioativo
A cidade de Gorleben tornou-se palco de protestos veementes contra a indústria nuclear desde que, em 1977, foram anunciados planos de usar uma mina de sal desativada como depósito para resíduos atômicos. Apesar de a área próxima à fronteira da extinta Alemanha Oriental ser pouco populosa, seus habitantes logo deixaram claro que não aceitariam sem luta ter material radioativo perto de seus lares.
Foto: picture-alliance / dpa
Um passo para a bomba?
Desde o início, o movimento antinuclear alemão reuniu organizações religiosas, agricultores e moradores apreensivos, lado a lado com ativistas estudantis, acadêmicos e pacifistas, que viam uma conexão entre energia nuclear e a bomba atômica. Como país ao longo da fronteira da Guerra Fria, o medo de um conflito nuclear pairava na mente de muitos alemães.
Foto: AP
Ingresso na política partidária
No fim dos anos 70, ativistas antinucleares se juntaram a outros defensores do meio ambiente e da justiça social para formar o Partido Verde. Tendo conquistado seus primeiros assentos no parlamento federal em 1983, hoje ele é uma força política estabelecida na Alemanha, e possivelmente o Partido Verde mais forte do mundo.
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Os piores medos se tornam realidade
Em 1986, o derretimento nuclear de um reator a centenas de quilômetros, em Tchernobil, na Ucrânia, espalhou partículas radioativas pela Europa e fortaleceu a resistência à energia nuclear entre a opinião pública da Alemanha. O Partido Verde estava no poder em Hessen, mas o secretário do Meio Ambiente, Joschka Fischer, disse que não seria possível fechar de imediato as usinas do estado.
Foto: picture-alliance / dpa
Lei sela fim da energia atômica
Em 1998, os verdes passaram a integrar o governo federal da Alemanha, como parceiro minoritário do Partido Social-Democrata. Em 2002, essa coalizão "rubro-verde" aprovou uma lei proibindo novas usinas nucleares e reduzindo a vida útil das existentes, de modo que as últimas fossem desativadas em 2022.
Foto: picture-alliance / dpa
Mantendo a pressão
Mesmo com o fim da energia atômica à vista, o movimento antinuclear ainda tinha muito contra o que protestar. Numerosos ativistas, inclusive do Partido Verde – cujos então líderes Jürgen Trittin e Claudia Roth são vistos nesta foto de 2009 – exigiam um fim bem mais rápido dos reatores, dentro de uma onda antinuclear global.
Foto: AP
Parem este trem!
Continuava em aberto a questão de o que fazer com os resíduos radioativos dos reatores da Alemanha. Em 1995, os bastões irradiados eram reprocessados no exterior e depois trazidos de volta em trens para o depósito em Gorleben. Anos a fio, os assim chamados "transportes Castor" foram recebidos com protestos de ativistas, que sentavam sobre os trilhos dos trens até serem removidos pela polícia.
Foto: dapd
Merkel reverte decisão dos verdes
A União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, sempre se opusera à lei limitando a vida útil das usinas nucleares. Assim, em 2009, ao formar uma coalizão com os liberais, o partido anulou a medida, num duro golpe para o movimento antinuclear.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Ebener
Fukushima força Merkel a rever a própria decisão
Em 2011, o derretimento nuclear de três reatores em Fukushima, no Japão, forçou o governo de Merkel a voltar atrás rapidamente. Poucos dias após o desastre, Berlim aprovava uma lei estabelecendo o fechamento da última usina nuclear da Alemanha em 2022. O processo de desativação gradual foi retomado, com oito reatores sendo desligados já em 2011.