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CriminalidadeAlemanha

Violência a faca preocupa Alemanha

Helen Whittle
13 de abril de 2023

Movidas por casos de esfaqueamento fatal, autoridades consideram instituir mais zonas desarmadas nas cidades. Poderes policiais de abordagem e revista são ponto polêmico. Há dúvidas se medida contribui para segurança.

Mão masculina empunha canivete
Violência com instrumentos cortantes aumentou nos trens e estações ferroviáriasFoto: imagrbroker/imago

A ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, está decidida a combater com mais vigor os crimes de arma branca: "Devemos considerar banir facas dos transportes públicos, em ônibus e trens", comentou ela à agência Funke Mediengruppe. "Afinal de contas, ninguém pode viajar de avião levando uma faca."

Além da intensificação das medidas de segurança, a política social-democrata propõe que se instituam zonas livres de armas em certas áreas urbanas. Alguns dias antes, o presidente do Departamento Federal de Investigações da Alemanha (BKA), Holger Münch, propusera essas mesmas medidas, observando que diversas cidades têm estabelecido zonas desarmadas em áreas críticas, nas quais a polícia está autorizada a realizar "revistas ativas".

Münch frisou que instrumentos cortantes são empregados em 5,6% dos casos de agressão e 11% dos assaltos, e declarou-se aberto a endurecer as leis sobre posse de armas.

A questão dos crimes a faca voltou ao foco das atenções na Alemanha em janeiro deste ano, quando um homem de 33 anos, de origem palestina, matou dois passageiros e feriu sete num trem entre Kiel e Hamburgo. Em dezembro, uma jovem de 14 anos morreu e outra ficou seriamente ferida ao serem apunhaladas por um homem no caminho da escola, na localidade de Illerkirchberg, no sul do país.

Atendendo a pedido do semanário Bild am Sonntag, a polícia alemã informou que em 2022 registrou 398.848 crimes em trens e estações ferroviárias, 14.155 envolvendo agressão fisica, dos quais 336 com armas brancas – mais do que o dobro do ano anterior.

Na definição do BKA, um crime de arma branca é quando uma lâmina é usada para ameaçar ou agredir alguém. No entanto, alguns estados alemães também contam nessa categoria os incidentes em que o criminoso está de posse de uma faca, por exemplo escondida num bolso do casaco.

Por sua vez, a Polícia Federal Alemã, responsável pela segurança de estações ferroviárias e aeroportos, registrou que o número de agressões a faca nesses locais mais do que dobrou entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro de 2022, de 46 para 98.

Ingerência desproporcional nos direitos fundamentais?

Para Jochen Kopelke, presidente do sindicato de polícia GdP, as cifras são prova de que os crimes com armas brancas se tornam cada vez mais um problema nacional: "Nossos colegas têm que estar sempre preparados para ser ameaçados ou diretamente atacados a faca", relatou ele à rede jornalística RND, urgindo para que haja mais presença policial visível nas áreas públicas.

Contudo, o deputado verde Marcel Emmerich, presidente da comissão parlamentar para assuntos domésticos, ressalva que, apesar da atenção pública em torno do assunto, os dados não confirmam que os crimes com instrumentos cortantes tenham aumentado efetivamente.

"Nesse contexto, as zonas desarmadas não devem ser introduzidas levianamente, pois implicam qualquer um poder ser abordado e revistado sem motivo. É uma ingerência nos direitos fundamentais, cuja proporcionalidade me parece altamente questionável."

Com base em suas pesquisas sobre crimes com armas brancas. a especialista do Centro de Criminologia de Wiesbaden (KrimZ) Elena Rausch concorda que não há provas reais de que zonas desarmadas sejam a solução, pois "os perpetradores de crimes a faca não são necessariamente capazes de fazer julgamentos racionais".

Além disso, a medida só atingiria uma pequena porção do problema, pois a maior parte da violência a faca ocorre nas residências. Muitas vezes, álcool, drogas e condições psiquiátricas excepcionais são um fator, quer em cenário doméstico, quer público.

Morte de menina por esfaqueamento em Illerkirchberg indignou a sociedade alemãFoto: Bernd Weißbrod/dpa/picture alliance

"Não há uma solução de tamanho único"

Ainda assim, algumas cidades da Alemanha já adotaram zonas desarmadas. Nas de Colônia e Düssedorf, quem for apanhado portando armas imobilizadoras, facas com mais de 4 centímetros de comprimento, gás lacrimogêneo ou sprays de pimenta, está sujeito a multas de até 10 mil euros.

Quase 350 armas foram confiscadas nos últimos 12 meses, incluindo canivetes, navalhas, canivetes borboleta (Batangas), adagas, bastões retráteis, sprays de pimenta e pistolas não letais para disparo de cartuchos de pólvora seca ou gás lacrimogêneo.

Em setembro de 2022, o governo estadual de Baden-Württemberg concedeu a suas cidades e municípios autonomia para estabelecer zonas livres de armas nos pontos focais de criminalidade. A Secretaria do Interior do estado do sudeste da Alemanha registrara no ano anterior 14.900 esfaqueamentos, constituindo 10% dos crimes violentos.

A primeira zona sem armas da Saxônia, decretada em 2018, em Leipzig, está prestes a ser abolida. Um estudo da Universidade de Leipzig mostrou que a medida teve pouco impacto na criminalidade em geral, embora "conflitos sérios" tenham sido basicamente eliminados. A maioria dos moradores entrevistados afirmou achar mais importante a contenção do tráfico de drogas, lixo abusivo e infrações de trânsito.

Segundo a criminologista Rausch, porém, não se comprovou que as zonas desarmadas aumentem a sensação de segurança da população. Na verdade, o efeito foi inverso, tornando mais provável o porte de facas para fins de autodefesa.

A seu ver, mais eficaz para combater a violência com armas brancas seria criar um quadro que fomente mudanças estruturais, como o tratamento da dependência de drogas e outras questões de saúde mental, já que "a criminalidade com armas brancas não é um fenômeno consistente, portanto não há uma solução de tamanho único".

Poderes policiais de abordagem e revista em cheque

Nos termos da legislação da Alemanha, são considerados armas todos os objetos capazes de causar lesões por força muscular, através de golpes, estocadas ou arremessos. Não se expedem licenças para porte ou uso de lâminas classificadas como tal, como ocorre com as armas de fogo.

A legislação também leva em consideração o tipo de utensílio: canivetes de bolso ou dobráveis capazes de ser operados com uma só mão têm que ser guardados em segurança em casa e transportados em recipientes trancados.

Outras facas, como as de cozinha, de tapete ou de mergulho, entram na categoria de armas se a lâmina exceder 12 centímetros de comprimento, não podendo ser portadas em público. Outros canivetes, Batangas ou facas de caçador só são, em geral, permitidos dentro de certos parâmetros de comprimento e forma, e mesmo assim, apenas em circunstâncias restritas.

Saldo de cinco anos de zonas desarmadas em Leipzig não foi especialmente positivoFoto: Sebastian Willnow/dpa/picture alliance

A introdução de áreas desarmadas também levantou polêmicas em torno dos poderes policiais de abordagem e revista. "Costuma haver problemas em comunicar as zonas sem armas, por exemplo, quanto ao que a polícia tem permissão para fazer, se pode deter e revistar sem motivo aparente", explica Rausch. Para ela, dependendo de como seja gerida, a presença policial intensificada pode até prejudicar as relações entre a comunidade e os agentes da lei locais.

Há ainda uma diferença entre zonas desarmadas e as categorizadas pela polícia como "de perigo". Embora as legislações estaduais difiram, em princípio só nestas últimas a polícia pode abordar e revistar transeuntes sem se justificar. No entanto, as forças de segurança não são obrigadas a revelar quais estão qualificadas como zonas de perigo.

Áreas desarmadas não são novidade: em cidades americanas como Washington, é ilegal levar consigo canivetes ou facas com lâminas além de 7,62 centímetros. Em Nova York, não se pode portar no sistema de transportes urbano instrumentos perigosos ou passíveis de uso como arma.

No Reino Unido, é ilegal portar facas e outras armas em público "sem boa razão", sendo a única exceção os canivetes dobráveis com borda cortante até 7,62 centímetros, excetuados os acionáveis por simples pressão de um botão.

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