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Violência bem embalada

Soraia Vilela13 de fevereiro de 2003

José Henrique Fonseca, diretor de "O Homem do Ano", presente na mostra paralela Panorama do Festival de Cinema de Berlim, fala à DW-WORLD.

"O Homem do Ano" narra a história de MáiquelFoto: Internationale Filmfestspiele Berlin

O Homem do Ano, dirigido por José Henrique Fonseca, foi finalizado três dias antes de chegar a Berlim. Recém saído do forno, o longa narra a história de Máiquel, um jovem habitante da periferia do Rio de Janeiro, que acaba se envolvendo no mundo do crime. Baseado em O Matador, de Patrícia Melo, o filme conta com roteiro do pai do diretor, o escritor Rubem Fonseca.

Longe de quaisquer experimentos ou inovações estéticas, mas artesanalmente bem acabado, o longa de Fonseca representa uma opção clássica dos festivais de grande porte: um produto bem feito, porém de fácil digestão. Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, Fonseca fala do caráter de paródia à sociedade brasileira atribuído a seu filme, da violência como fio temático no cinema brasileiro e de suas intenções ao criar o personagem do delinqüente humano e quase nonsense que é Máiquel.

DW-WORLD:

Após a estréia de "O Homem do Ano" no festival, um espectador perguntou se o público no Brasil tinha reagido bem à sátira à sociedade brasileira que é o filme... Você concorda com essa definição de sátira para o filme?

J.H. Fonseca:

Na verdade, no filme, a violência fica em segundo plano. Eu não quis fazer um filme violento. O que mais me interessou foi a personalidade de um cara do subúrbio do Rio de Janeiro, uma pessoa normal, que tem sua vida mudada completamente. O que mais me impressionou quando li o livro (O Matador) da Patrícia Melo foi como a vida de um cara normal pode mudar de rumos por causa de um simples detalhe. O Máiquel (personagem central do filme) quer todo o tempo ter uma vida correta, casar, ter filhos, etc. E não consegue, vai sendo atraído pelo mundo do crime, do dinheiro fácil, da luxúria. Ele fica um pouco impassível a isso tudo. Claro que o cenário do filme é a violência, que é o meio onde o cara vive.

Mas como uma sátira da sociedade brasileira, você não vê o filme?

É chato, quando se faz um filme, ficar tentando dizer o que você quis dizer ou não. O que acontece é que, no Brasil, as pessoas contratam bandidos para tomar conta de bandidos. O Carrefour do Rio de Janeiro, há dois anos, perto da Cidade de Deus (bairro onde foi rodado o filme Cidade de Deus), contratou os bandidos locais para fazerem a segurança do supermercado. Isso é um absurdo, eles não podem fazer isso, mas fazem. O jeito de você se defender contra os bandidos é contratar bandidos para te defender. Você paga ali um aluguel, um pedágio. Vendo dessa forma, pode ser que o filme seja uma sátira também.

A violência tem sido um tema constantemente presente na última safra de filmes brasileiros, principalmente aqueles que se tornam conhecidos fora do país. Tem se falado por isso em uma onda de "estetização da violência", ou até mesmo em "cosmética da pobreza", pois trata-se de filmes artesanalmente super bem acabados...

Aí são duas coisas que as pessoas confundem. Uma coisa é o filme bem feito. O cinema brasileiro, durante muito tempo, foi estigmatizado, porque não tinha uma boa qualidade. Aí quando a gente começa a fazer com boa qualidade, começam a reclamar também. Se o filme é sobre a violência ou não, não importa, ele é bem feito. Muita gente também ataca o fato de o filme brasileiro ser exportado para falar da pobreza do Nordeste. Na verdade, o Brasil tem o Nordeste pobre e a metrópole violenta. É normal que isso apareça nos filmes. A violência não é a única porta de entrada no mercado internacional. Você vê filmes como Eu, Tu, Eles, que tem o Nordeste como tema e não é violento, por exemplo.

É a violência da pobreza, que não deixa de ser uma forma de violência também. Eu não vejo como ficar balizando e criticando muito o que é feito, só porque os filmes mostram a violência ou a pobreza nordestina. São duas coisas que andam na paralela. Ninguém quer fazer filme à Tarantino. No fundo, meu filme é bem acabado porque eu lutei por isso, consegui acordos de financiamento, acordos com laboratórios, etc. É uma questão de você ir à luta para fazer um filme bem feito. A gente não pode ficar parado querendo fazer filme mal acabado e com isso todo mundo se achar genial por causa disso.

Em relação ao Máiquel, ele é, apesar de toda a agressividade, um personagem que acaba sendo simpático ao espectador. Qual o porquê dessa intenção?

Era exatamente isso o que eu queria. Justamente para não criar o clichê de que toda pessoa que é violenta é má. O Máiquel não é um cara violento na essência. No livro da Patrícia, ela fala muito da teoria do Lombroso, que era um italiano que dizia que o ser humano já nasce ruim. O personagem do dentista fala isso no filme: ele acredita que a pessoa já nasce predestinada a ser violenta. E não é verdade. Você se torna violento por causa do meio onde vive. Ninguém nasce violento. E o Máiquel é um bom exemplo disso, de um cara que se tornou violento por causa da sociedade, por causa do dentista que exigiu dele: eu trato do seu dente, se você matar aquele cara para mim. É absurdo, mas é verdade.

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