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Violência policial, a outra epidemia americana

Alex Matthews
1 de junho de 2020

A morte do afro-americano George Floyd por policial branco desencadeou protestos nos EUA. Longe de ser um caso isolado, ela se encaixa numa tendência sistêmica, que envolve também a impunidade dos perpetradores.

"Vidas negras importam" dizem cartazes em protesto na cidade de Oklahoma
"Vidas negras importam" dizem cartazes em protesto na cidade de OklahomaFoto: Reuters/N. Oxford

Desde o homicídio de George Floyd sob custódia policial, na segunda-feira (25/05), manifestantes tomaram as ruas de numerosas cidades dos Estados Unidos. Eles estão zangados e exigem justiça, e não só pela morte do afro-americano de 46 anos, como deixam claro os cartazes que empunham.

Slogans como "Black Lives Matter" (Vidas negras importam) e "Não consigo respirar" simbolizam uma frustração muito mais profunda com a brutalidade policial, e a exigência de uma mudança sistemática no sistema de policiamento americano, sobretudo em relação às minorias.

O site de defesa de direitos civis FatalEncounters.org documenta mortes envolvendo agentes da lei desde o ano 2000. Ele atualmente coleta seus dados usando 15 Alertas do Google diferentes sobre mortes relacionadas à polícia, sendo considerado uma das fontes mais confiáveis dos EUA sobre o assunto.

Em 27 de maio, a contagem dos "encontros fatais" totalizava 28.139, sendo 802 apenas em 2020. Em 1º de junho, o número já subira para 854. "Estamos tendo sensivelmente mais mortes em encontros com a polícia", comentou à DW Brian Burghart, fundador da plataforma. "Está projetado para chegar a 1.978 [até o fim de 2020], e nosso número mais alto até agora foi 1.854, no ano 2018."

De fato, o banco de dados do FatalEncounters.org indica que, até 30 de maio, nenhum dia do ano corrente passou sem que ocorresse uma morte ligada à polícia. Ele também mostra os cidadãos de cor desproporcionalmente presentes na estatística, desde que começou a compilação dos dados.

"Nota-se que os afro-americanos são mortos numa taxa que é mais ou menos o dobro de sua presença na população: eles são cerca de 13% [dos habitantes dos EUA], e representam uns 26% da estatística", enfatiza Burghart. Das 28.139 mortes, 7.612 são de negros. Eles estão também superrepresentados em certas categorias de morte, como "asfixiado/imobilizado", "evento médico" e "surrado/espancado com um instrumento".

Três antecedentes de destaque

O ano de 2014 foi um divisor de águas para os protestos contra as mortes relacionadas à polícia nos EUA. Em especial os homicídios dos afro-americanos Eric Garner e Michael Brown suscitaram alarde em toda a nação quanto às ações de policiais basicamente brancos.

Em julho daquele ano, Garner foi preso por um policial de Nova York sob a suspeita de venda ilegal de cigarros em Staten Island. Durante a detenção, o agente, Daniel Pantaleo, lhe deu uma chave de braço.

No vídeo da prisão, não muito diferente do de George Floyd, Garner diz ao policial "Não consigo respirar" 11 vezes, antes de perder a consciência. Uma hora mais tarde, era declarado morto no hospital. Suas últimas palavras se transformaram num slogan para os manifestantes. Ele continua sendo utilizada, inclusive nos protestos atuais, pois Floyd pronunciou a mesma frase ao agonizar.

No mês seguinte, Michael Brown foi alvejado seis vezes em Ferguson, Missouri, pelo policial Darren Wilson, desencadeando distúrbios por toda a cidade. Os participantes das passeatas adotaram o slogan "Mãos ao alto, não atire", lembrando que eles não eram ameaça aos agentes e não deviam ser atacados. De acordo com certas testemunhas, Brown de fato levantou as mãos antes de receber os tiros.

Outro caso de alta projeção ocorreu em março de 2020: a técnica de emergências médicas Breonna Taylor foi morta em seu apartamento com oito disparos por um policial à paisana. Ele usara um "mandado para não bater à porta" ("no-knock"), que permite à lei adentrar uma propriedade sem anunciar sua presença ou propósito. A polícia acreditava, erroneamente, que um narcotraficante estaria recebendo pacotes no local. O incidente acirrou tensões em Louisville, e é também evocado nos protestos atuais.

Impunes

Para muitos afro-americanos, as ações adotadas após cada morte estão longe de bastar. Gwen Carr, a mãe de Eric Garner, comentou em entrevista à emissora CNN que assistir à morte de George Floyd foi "exatamente como rever o assassinato do meu filho, tudo de novo".

Um perito médico considerou a morte de Garner homicídio, contudo Pantaleo nunca foi indiciado criminalmente. Ele foi demitido da polícia, mas só em agosto de 2019, cinco anos após o incidente. Darren Wilson tampouco respondeu a processo por matar Michael Brown. Segundo projeto Mapping Police Violence, que se baseia na plataforma Fatal Encounters, entre outras fontes, 99% das mortes causadas por policiais entre 2013 e 2019 não redundaram em ação criminal.

Em Louisville, o prefeito Greg Fischer anunciou no fim de maio que os mandados no-knock seriam suspensos devido à morte de Breonna Taylor, porém ativistas dos direitos civis exigem uma proibição permanente.

Derek Chauvin, o policial que se ajoelhou no pescoço de George Floyd, foi acusado de homicídio doloso em terceiro grau e culposo em segundo grau. Os demais três agentes presentes à agressão foram demitidos, mas por enquanto não respondem a processo.

"Não atirem": protesto contra morte de Michael Brown em Ferguson, Missouri, 10/10/2004Foto: picture-alliance/dpa/T. Maury

No entanto, segundo Philip V. McHarris, autor e doutorando da Universidade de Yale especializado em questões raciais, de moradia e de ação policial, uma condenação não resolverá os problemas subjacentes: "Ela tenta focar em agentes ou incidentes individuais, em vez de considerar a questão estrutural mais ampla. Esse foco não levará ao fim da violência policial."

Para McHarris, as medidas adotadas pelas forças policiais para tentar reduzir a violência, sobretudo contra as minorias – treinamento de desescalada, sensibilização, procedimento correto e o porte de câmeras pessoais – são todas restritas demais, pois não abordam o abuso e injustiça sistemáticos.

Num artigo de opinião para o jornal The New York Times, ele argumenta que, embora o Departamento de Polícia de Minneapolis seja "ostentado como modelo de reforma policial progressista", isso não impediu a morte de George Floyd.

Em vez de presença policial e militarização reforçadas – como se vê claramente na reação estatal aos atuais protestos em todo o país – ele reivindica menos intervenção policial e mais esforços para encarar as frustrações subjacentes.

"Ao contrário de simplesmente tentar reformar e dar mais recursos e verbas para as forças policiais, se deve simplesmente evitá-lo de vez", comenta McHarris. "Redirijam esses fundos, de coisas centradas em policiamento e punição, para outros programas e iniciativas que a comunidade realmente abrace."

"A razão por que George Floyd inflama assim, é que faz parte de uma tendência sistêmica com que todos podem se identificar", prossegue o especialista em questões raciais e policiais. "Para muitos negros, é o lembrete constante de que 'se pode acontecer com Floyd, pode acontecer comigo', e isso não é abstrato. Eles mataram um homem diante de câmeras, enquanto observadores tentavam intervir, em vão."

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