Casos de violência policial em São Paulo não são fenômeno isolado, mas refletem a falta de comprometimento com uso responsável da força policial, diz pesquisadora. "A responsabilidade não é só do PM, é institucional"
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O vídeo de um policial militar de São Paulo jogando um homem de uma ponte é o caso mais chocante de uma sequência de episódios de violência cometidos por agentes da PM paulista nos últimos dias – que inclui um policial de folga matando um homem que furtou sabão com 11 tiros pelas costas e um motociclista rendido no chão levando chutes e pontapés de agentes fardados.
Após a repercussão ganhar corpo, o comandante da PM de São Paulo afirmou que o policial que atirou o homem da ponte havia cometido um "erro emocional", e o governador paulista, Tarcísio de Freitas, que "aquele que atira pelas costas, que joga uma pessoa de uma ponte, não está à altura de usar essa farda".
No entanto, para Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, esses casos não são um fenômeno isolado, mas refletem a redução do controle do uso da força policial pelo atual governo paulista.
Ela afirma à DW que "a velha teoria da maçã podre", que atribui os episódios às decisões individuais de policiais, acaba sendo a saída fácil para eximir as autoridades da "responsabilidade política" que têm pela atuação das forças de segurança.
"Olhar isso como caso isolado é não enfrentar os fatores que geram essa violência e que permitem que ela se mantenha ao longo do tempo. (...) A responsabilidade não é só dele [do policial], é institucional, é da corporação e é política. (...) Afinal, quem é o comandante? Quem é o gestor que responde?", questiona.
Ela avalia ainda que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, têm um histórico de declarações que indicam aos policiais "uma impressão de que se espera impunidade" – com o objetivo de cativar eleitores bolsonaristas.
DW Brasil: A polícia paulista está mais violenta nos últimos tempos ou é uma coincidência de casos aparecendo na mídia?
Cristina Neme: A violência policial é sistêmica, não é um fato isolado. Mas quando as lideranças políticas não assumem um compromisso com o controle do uso da força, com uma política pública de segurança que preserve direitos, aumenta o risco dessa violência se multiplicar – é o que estamos vendo agora.
Não temos uma posição da liderança política no estado de São Paulo, seja do governo ou da secretaria de Segurança Pública, comprometida com o uso responsável da força policial, que é um atributo das polícias em todo o mundo.
De janeiro a setembro, 474 pessoas foram mortas por policiais em serviço em São Paulo, 82% a mais do que no mesmo período do ano passado. O que explica esse aumento da letalidade policial?
É um indicador objetivo e significa que houve retrocesso em relação à política que estava sendo adotada. Tínhamos uma política que resultou na redução da letalidade e envolvia a implementação de câmeras corporais – não é a única medida, mas ela é importante para o uso da força proporcional e moderado.
Foi uma iniciativa positiva, que na nova gestão acabou enfraquecida, e isso sinaliza a orientação da política de segurança pública. Não houve um compromisso claro da liderança política, que, ao contrário, fez um discurso para as bases, para a tropa, falando que não precisava de câmera. Isso passa uma mensagem, há uma impressão de que se espera impunidade.
Por ser um dado concreto, a alta da letalidade mostra como não dá pra ficarmos com explicações vagas, como se fosse um caso particular, um problema de saúde mental do policial ou de falta de treinamento. Mostra como é um problema sistêmico.
O secretário de segurança pública paulista, Guilherme Derrite, é um ex-capitão da Rota que foi afastado da tropa por excesso de mortes em serviço. Que reflexo a escolha de uma pessoa com esse perfil para o comando da segurança tem na polícia?
Só reforça o que falei, é mais um sinal de que não temos um comprometimento com uma política de segurança pública democrática e eficaz.
Porque a segurança pública exige muitas medidas complexas e articuladas com outros setores. Temos que sair dessa dicotomia entre defender ou não o controle da força pela polícia, como se isso só fosse resolver os problemas graves de segurança no cotidiano da cidade. Precisamos de políticas públicas baseadas em inteligência, em prevenção, em policiamento distribuído igualmente nas várias áreas da cidade.
Tarcísio de Freitas afirmou nesta quarta-feira que Derrite está fazendo um bom trabalho e que segue no cargo. Qual é o cálculo político e de gestão que motiva o governador?
Manter um compromisso com essa política mais bolsonarista, que se opõe ao controle do uso da força policial. E que manipula valores para ganhar voto – não está comprometida com o desenvolvimento da corporação policial, o melhoramento das condições de trabalho dos policiais ou a saúde dos policiais. Ela rifa a boa política de segurança em nome de ter apoio dessa base mais ligada aos valores bolsonaristas.
As notas à imprensa divulgadas após episódios de violência policial costumam falar em "ações isoladas" e fazer promessas de "apurações e punições rigorosas". Isso acontece na prática?
Isso se repete ao longo do tempo, é uma resposta burocrática e protocolar. Olhar isso como caso isolado é não enfrentar os fatores que geram essa violência e que permitem que ela se mantenha ao longo do tempo.
É óbvio que um policial que faz uma ação ilegal como jogar alguém pela ponte ou atirar pelas costas agiu individualmente e pode ser punido individualmente se for condenado. Mas a responsabilidade não é só dele, não é só individual, é institucional, é da corporação e é política. Essa velha teoria da maçã podre, de caso isolado, é a resposta fácil para esses casos, e para se eximir da responsabilidade política que as autoridades têm. Afinal, quem é o comandante? Quem é o gestor que responde?
É necessário algum tipo de reforma das forças policiais no Brasil?
Sim, estruturais e também incrementais. Mas para fazer isso temos que ter um compromisso tanto da autoridade política como da corporação. As grandes mudanças só aconteceram em momentos críticos. Se a gente pensar em outras sociedades, por exemplo, na Colômbia, houve um comprometimento interno muito forte da liderança dentro das corporações para diminuir a corrupção e a violência policial. Se você não tem adesão da cúpula dessas corporações, fica difícil.
E a sociedade precisa assumir que não é essa a política que a gente quer. Que queremos uma política que respeite os direitos de toda a população, e não que viole os direitos.
Também temos que falar do perfil das vítimas da letalidade policial e de abordagens abusivas. Isso ocorre mais nas áreas mais vulneráveis, onde há população de mais baixa renda, sobretudo negros. O que faz muitas vezes que esse seja um problema invisível socialmente. Agora estamos num momento crítico, de grande indignação, mas no cotidiano, quando você não tem exposição da natureza dessa violência, acaba ficando invisível, porque atinge grupos mais vulneráveis.
O mês de dezembro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: Anas Alkharboutli/dpa/picture alliance
Avião da Embraer cai no Cazaquistão
Um avião de fabricação brasileira modelo Embraer 190 que decolou do Azerbaijão com destino à Rússia levando 67 pessoas caiu próximo à cidade de Aktau, no Cazaquistão, informaram autoridades cazaques, que contabilizam pelo menos 29 sobreviventes do acidente. A aeronave era operada pela Azerbaijan Airlines. (25/12)
Foto: Azamat Sarsenbayev/REUTERS
"O ódio não pode ter a palavra final", diz presidente alemão em discurso de Natal
Em seu tradicional discurso de Natal à nação, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, abordou o ataque a um mercado de Natal em Magdeburg na semana passada, que deixou cinco mortos. Pedindo união e coesão ao país, Steinmeier se solidarizou com as famílias das vítimas e os feridos e afirmou que "ódio e a violência não podem ter a palavra final". (24/12)
Equipes buscam desaparecidos após colapso de ponte sobre o Rio Tocantins
Equipes de resgate buscam 14 desaparecidos após a Ponte Juscelino Kubitschek, que liga os estados do Tocantins e do Maranhão, colapsar no último domingo, provocando a queda de 10 veículos. Ao menos três mortes foram confirmadas até o momento. Devido ao derramamento de produtos tóxicos no acidente, autoridades proibiram o uso da água do Rio Tocantins em 19 municípios. (23/12)
Foto: Bombeiro Militar/Governo do Tocantins
Queda de avião em Gramado mata empresário e 9 familiares
Um avião de pequeno porte caiu no município de Gramado, no Rio Grande do Sul. A aeronave atingiu uma loja de móveis, uma pousada e residências perto do centro da cidade. Os dez ocupantes da aeronave morreram. Todos eram da mesma família. Outras 17 pessoas que estavam no solo foram encaminhadas a um hospital, duas delas em estado grave. (22/12)
Foto: Defesa Civil do Rio Grande do Sul/Divulgação
Magdeburg tem dia de homenagens e protestos após ataque
Centenas de pessoas homenagearam as vítimas de um atentado que deixou 5 mortos e 200 feridos em Magdeburg. O suspeito do crime é um médico saudita de 50 anos, que se dizia ex-muçulmano, alegava ser perseguido por radicais religiosos e simpatizava com a ultradireitista AfD. Em resposta, manifestantes ocuparam as ruas da cidade com slogans anti-imigração. (21/12)
Foto: Michael Probst/AP/picture alliance
Motorista invade mercado de Natal na Alemanha e atropela dezenas
Um motorista avançou em alta velocidade contra um mercado de Natal na cidade alemã de Magdeburgo, no estado da Saxônia-Anhalt, leste da Alemanha, atropelando dezenas de pessoas e deixando mortos e feridos. O suspeito, um médico psiquiatra saudita de 50 anos, foi preso. Aparentemente, ele tinha perfil crítico ao islã. (20/12)
Foto: Heiko Rebsch/dpa/picture alliance
Ex-marido de Gisèle Pelicot é condenado a 20 anos de prisão
Dominique Pelicot, que passou uma década dopando sua então esposa, Gisèle, e convidando outros homens a estuprá-la, foi condenado a 20 anos pela Justiça francesa. Ele foi considerado culpado por estupro com agravantes e por gravar e distribuir imagens dos atos. Gisèle tornou-se um ícone feminista global ao decidir tornar público o julgamento e assistir às sessões com o rosto descoberto. (19/12)
Foto: Laurent Coust/ABACA/picture alliance
Macron e Zelenski discutem envio de tropas europeias à Ucrânia
Presidentes da Franca, Emmanuel Macron, e da Ucrânia, Volodimir Zelenski, voltaram a discutir possibilidade de a Europa enviar tropas para a Ucrânia no intuito de ajudar a alcançar uma paz estável. "Garantias confiáveis são essenciais para que a paz possa realmente ser alcançada”, disse Zelenski, que também se reuniu com chefe da Otan, Mark Rutte, em Bruxelas. (18/12)
Foto: Nicolas Tucat, Pool Photo via AP/picture alliance
General russo morre em explosão em Moscou
O general Igor Kirillov, chefe da defesa radiológica, química e biológica da Rússia, foi morto num ataque a bomba em Moscou. A bomba foi acionada quando Kirillov, de 54 anos, estava saindo de uma casa com seu assessor, que também foi morto no atentado. Investigadores citados pelo jornal Kommersant apontaram os serviços secretos ucranianos como os possíveis autores do ataque. (17/12)
Foto: ASSOCIATED PRESS/picture alliance
Olaf Scholz perde moção de confiança
O chanceler alemão Olaf Scholz perde voto de confiança no Bundestag (parlamento alemão) depois de não conseguir obter a maioria no Legislativo após o colapso de seu governo de coalizão. O resultado abre caminho para a dissolução da atual legislatura e a convocação de eleições federais antecipadas, que devem ocorrer em 23 de fevereiro, marcand o fim da era Scholz. (16/12)
Foto: Lisi Niesner/REUTERS
Escolas reabrem na Síria após queda do regime de Assad
Dezenas de crianças e adolescentes voltaram às escolas em Damasco neste domingo, uma semana após a queda do ditador Bashar al-Assad. A rotina também está lentamente voltando ao normal em universidades e nos centros comerciais, depois de um período de comemorações e incertezas sobre o futuro da Síria. (15/12)
Foto: Ammar Awad/REUTERS
PF prende general Braga Netto no inquérito do golpe
Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes mandou prender preventinamente o ex-ministro da Defesa de Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, acusado de tentar obstruir as investigações. Ele é tomado pela Polícia Federal como um dos coordenadores do plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aplicar um golpe de Estado. (14/12)
Foto: SERGIO LIMA/AFP
Multidão toma as ruas de Damasco para celebrar queda de Assad
Milhares de pessoas se reuniram em cidades sírias para celebrar o fim do regime de Bashar al-Assad após as primeiras orações de sexta-feira desde que os rebeldes assumiram o poder. Em Damasco, uma multidão se reuniu na praça Umayyad, no centro da capital. O local é simbólico por ter também recebido os protestos massivos de 2011, que deram início à guerra civil no país. (13/12)
Foto: Ghaith Alsayed/AP/dpa/picture alliance
Trump é a Pessoa do Ano de 2024 da revista "Time"
Publicação cita "volta por cima de proporções históricas" ao justificar escolha e diz que republicano é beneficiário e agente da perda de confiança nos valores liberais. (12/12)
Foto: Heather Khalifa/AP Photo/picture alliance
Assembleia Geral da ONU pede cessar-fogo imediato, incondicional e permanente em Gaza
Por 158 votos favoráveis, órgão que reúne 193 países pediu o fim do conflito entre Israel e o Hamas no território palestino e a libertação imediata de todos os reféns sequestrados por islamistas. Mas diferentemente das votações no Conselho de Segurança, decisão não é juridicamente vinculativa. Conflito em Gaza já dura 14 meses, sem fim à vista. (11/12)
Foto: Mohammed M Skaik/Avalon/picture alliance
Rebeldes sírios anunciam novo governo de transição
Mohammad al-Bashir, que liderava o governo no reduto rebelde de Idlib, vai assumir gestão interina do país até 1º de março, mudando a liderança do país após 24 anos de regime de Bashar al-Assad. Novo primeiro-ministro é ligado ao grupo radical islâmico HTS. (10/12)
Foto: Omar Haj Kadour/AFP/Getty Images
STF obriga PM de São Paulo a manter uso de câmeras corporais
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares do estado de São Paulo. A determinação é uma derrota para o governador Tarcísio de Freitas, que desde a campanha eleitoral se posicionou contra o uso dos equipamentos e vinha tentando propor modelos alternativos. (09/12)
Foto: FotoRua/NurPhoto/IMAGO
Rebeldes derrubam regime na Síria, e Assad foge para a Rússia
Após uma ofensiva que durou menos de duas semanas, insurgentes sírios liderados pelo grupo islamista Organização para a Libertação do Levante (HTS) chegaram à capital da Síria, Damasco, e a declararam "livre" do regime do presidente Bashar al-Assad. Citando fontes do Kremlin, veículos russos afirmam que o ditador e sua família estão asilados em Moscou. (08/12)
Foto: Louai Beshara/AFP
Restaurada, Catedral de Notre-Dame é reaberta cinco anos após incêndio devastador
Bancada por doações, reconstrução de monumento arquitetônico parisiense custou cerca de 700 milhões de euros e demandou o trabalho de cerca de 2 mil especialistas. Construída entre os séculos 12 e 14, catedral quase foi destruída em incêndio de causas desconhecidas. Solenidade foi prestigiada por chefes de governo e de Estado do mundo inteiro. (07/12)
Foto: Stevens Tomas/ABACA/IMAGO
Mercosul e União Europeia anunciam acordo de livre comércio
Após 25 anos de negociações, blocos concluíram texto final do acordo que prevê a redução ou eliminação de tarifas e barreiras comerciais, facilitando a exportação de produtos de ambos os lados. A líder da UE, Ursula von der Leyen (centro), disse que o pacto é uma "vitória para Europa". Ratificação deve, porém, esbarrar em resistência de países como a França. (06/12)
Foto: EITAN ABRAMOVICH/AFP/Getty Images
Após tomar Aleppo, Rebeldes avançam pela Síria e anunciam conquista de Hama
Islamistas apoiados pela Turquia fizeram seu mais rápido avanço em 13 anos de guerra civil no país. A captura de Hama vem após o enfraquecimento do Hezbollah, tradicional aliado do ditador sírio Bashar al-Assad, ao lado de Rússia e Irã. (05/12)
Governo da França é derrubado após moção de censura
Deputados de esquerda e da ultradireita se uniram para derrubar o governo do premiê francês, Michel Barnier, que assumiu o cargo há menos de 100 dias. Barnier enfrentava duas moções de censura, após usar um controverso mecanismo para forçar a aprovação do Orçamento. A primeira moção acabou sendo aprovada com 331 votos, selando o fim do governo do aliado do presidente Emmanuel Macron. (04/12)
Foto: Sarah Meyssonnier/REUTERS
Presidente sul-coreano impõe e depois desiste de lei marcial
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, surpreendeu o país e o mundo ao decretar lei marcial em pronunciamento transmitido pela TV. Ele justificou a militarização do país como forma de conter uma "ameaça comunista". Horas depois, após protestos e uma votação unânime do Parlamento para derrubar medida, ele recuou e suspendeu lei. (03/12)
Foto: JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images
Trabalhadores da Volkswagen entram em greve em toda a Alemanha
Milhares de trabalhadores da Volkswagen na Alemanha entraram em greve, depois que a empresa anunciou planos de fechar três fábricas e cortar aposentadorias. "Se necessário, esta será a disputa salarial mais dura que a Volkswagen já viu", disse Thorsten Gröger, que está liderando as negociações sindicais com a gigante automobilística alemã. (02/12)
Foto: Jens Schlueter/AFP via Getty Images
Regime sírio perde controle de Aleppo
O regime do ditador sírio Bashar al-Assad perdeu completamente o controle de Aleppo, a segunda cidade do país, informou uma ONG. Segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), o grupo Hayat Tahrir al Sham, antigo ramo sírio da rede terrorista Al Qaeda, e outras facções rebeldes aliadas "controlam a cidade de Aleppo, com exceção dos bairros controlados pelas forças curdas". (01/12)