Projeto reúne atuais moradores e sobreviventes do Holocausto para contar histórias de famílias judaicas que viviam na cidade antes da perseguição e deportação pelos nazistas.
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"Acompanhe-me", diz Rahel R. Mann, de 80 anos, enquanto desce os degraus que levam a um velho porão. Ao apontar para uma velha porta de madeira, ela diz: "Eu me escondi lá atrás por vários meses". Mais de 70 anos atrás, o pequeno porão na casa da rua Starnberger, no distrito berlinense de Schöneberg, então repleto de colchões e quinquilharias, serviu de abrigo para a menina judia de 7 anos. Foi aqui que ela se escondeu durante os últimos meses da Segunda Guerra Mundial, conseguindo escapar das deportações promovidas pelos nazistas.
"Denk Mal am Ort" (jogo de palavras com denk mal (pense) e Denkmal (monumento) que significa algo como "relembre no local") é um projeto berlinense que, neste 8 de maio, aniversário do fim da guerra na Europa, ajuda a relembrar o cotidiano das famílias judias que viviam na capital. Cerca de 55 mil pessoas foram deportadas de Berlim entre 1941 e 1943. A maior parte das residências foi tomada por famílias alemãs não judias após as expulsões.
O projeto surgiu a partir de uma ideia da artista holandesa Denise Citroen. Em 2012, ela lançou o projeto "Moradias judias abertas" na Holanda, em que os participantes pesquisaram sobre a história de famílias judias em seus bairros. Alguns anos atrás, berlineses que se interessaram pelo projeto passaram a pesquisar sobre a história dos apartamentos em que viviam. O projeto "Denk Mal am Ort" apresenta algumas dessas histórias.
Apartamento da estrela
Inquilinos que vivem em apartamentos de antigas famílias judaicas abrem suas residências para visitação, em alguns fins de semana, para relembrar os antigos habitantes. Sobreviventes, como Rahel, aproveitam para relatar a própria história. "Nós vivíamos no terceiro andar do prédio de trás", conta Rahel para os 30 visitantes que vieram ouvir a sua história. "Naquele tempo, uma enorme estrela amarela foi pintada na porta do nosso apartamento para sinalizar que judeus viviam nele. Quando eu era criança, sempre me referia ao local como o 'apartamento da estrela'."
Rahel só sobreviveu ao Holocausto graças a uma combinação de sorte e ajuda de várias pessoas. Quando sua própria mãe foi levada pelos nazistas, a então menina estava na casa de uma vizinha, que passou a cuidar dela. Mais tarde, no entanto, a situação se tornou perigosa demais. A vizinha começou a temer que a menina pudesse ser descoberta em seu apartamento. Ela então decidiu esconder Rahel no porão.
"Ela me trazia algo para comer todos os dias e algumas vezes me levava para cima, para o seu apartamento, para que eu pudesse tomar um banho", conta Rahel para os visitantes, que olham para o frio e escuro porão 70 anos depois. "Eu fiquei aqui até o fim da guerra, até que os russos invadiram Berlim, em abril de 1945, e me encontraram vivendo aqui."
De Berlim para Buenos Aires
O jornalista Hugh Williamson fez pesquisas exaustivas sobre os antigos moradores do apartamento da rua Rosenheimer 40, onde ele hoje vive com sua mulher, Anke Hassel. Ele descobriu que, nos anos 1930, viveu no local uma família chamada Katzenellenbogen. "Fico muito emocionado em saber quem morou nesses quartos e que sofrimento tiveram de suportar", conta.
O jornalista originário do Reino Unido descobriu o destino dos antigos inquilinos em 2011. "A família tinha três mercados aqui na cidade, um deles logo aqui na esquina. Em 1939, eles fugiram para a Argentina, onde viveram na pobreza." Williamson diz estar satisfeito por ter descoberto um pouco sobre o destino da família e poder compartilhar essa história com outros interessados.
O jornalista e sua mulher exibem em sua sala cópias de documentos sobre a família Katzenellenbogen que foram encontrados nos arquivos da cidade de Berlim. Há uma lista de itens confiscados da família pelos nazistas e uma carta que um dos membros escreveu para o Estado alemão depois da Segunda Guerra para exigir indenização.
"Acho muito tocante ver essas moradias de onde judeus foram expulsos", afirma a visitante Hiltrud Lupjahn, que conheceu vários apartamentos e agora tem a oportunidade de conhecer a antiga casa dos Katzenellenbogen. "É algo palpável. Você vê com os próprios olhos os velhos apartamentos, vê tudo que as pessoas perderam."
Dez filmes sobre o Holocausto
A "cinematografia do Holocausto" é composta de uma vasta lista de filmes. Embora transpor o indescritível para imagens em movimento seja uma tarefa altamente complexa, são diversas as tentativas.
Foto: absolut Medien GmbH
Noite e neblina
Filme de 1955 que estreou no Festival de Cannes, "Noite e neblina", dirigido pelo francês Alain Resnais, foi um dos primeiros documentários a se debruçar sobre o Holocausto. Renais e Chris Marker, na época seu assistente, estavam entre os primeiros cineastas a terem um acesso mais amplo aos arquivos do Holocausto em França, Bélgica, Holanda, Polônia e Alemanha.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library/Ronald Grant Archive
Minha luta
Coprodução sueco-alemã de 1960, tem direção de Erwin Leiser (1923-1996), que emigrou aos 15 anos de idade, depois do Pogrom de 1938, para a Suécia, onde se tornaria mais tarde um cronista em imagens das atrocidades do regime nazista. No longa-metragem, o diretor reúne material de arquivo da época, como faria em outros filmes posteriores, em um minucioso trabalho de memória daquele período.
Foto: picture-alliance
Shoah
Obra mais importante sobre a memória do Holocausto, o filme de Claude Lanzmann, de 1985, com 9 horas e meia de duração, foi feito no decorrer de 11 anos. O diretor recusa-se a usar imagens de campos de concentração como fazem os documentários convencionais. O registro do horror acontece através do testemunho de sobreviventes – sejam eles vítimas, algozes ou meros espectadores das atrocidades.
Foto: absolut Medien GmbH
A lista de Schindler
Steven Spielberg contou neste filme de 1993 a história de um empresário que, embora conivente com o regime nazista, acabou salvando a vida de mais de mil judeus. A superprodução americana ganhou sete Oscars, incluindo os de melhor filme e direção, embora tenha sido apontada por parte da crítica como um melodrama que prima por transformar a dor em espetáculo.
Foto: picture alliance / United Archives/IFTN
Exílio em Xangai
O longa-metragem de 1997, de Ulrike Ottinger, é um filme sobre o Holocausto no sentido de documento da fuga e da migração dos judeus para Xangai durante o regime nazista. Com 4 horas e meia de duração, o documentário tem como ponto de partida as lembranças de seis judeus alemães, austríacos e russos, que fugiram para Xangai, um dos únicos lugares com fronteiras abertas até 1943.
Do Leste
Coprodução franco-belga de 1993, o documentário de Chantal Akerman é uma viagem realizada pela diretora passando pelo Leste alemão, Polônia, países bálticos e Rússia. O filme documenta não apenas o deslocamento geográfico da cineasta, mas sobretudo sua busca de um Leste que, embora lhe seja estranho, é a terra de origem de sua mãe judia, nascida na Polônia e sobrevivente de Auschwitz.
Balagan
Uma trupe tenta, na israelense Akko, tratar do Holocausto em um coletivo de teatro que envolve também um palestino. A partir daí, o diretor Andres Veiel busca, neste filme de 1994, descobrir as feridas abertas existentes quando se fala do assunto. O documentário não é um filme sobre sobreviventes, mas sim sobre seus filhos e sobre como eles conseguem lidar com essa herança histórico-familiar.
A vida é bela
Tragicomédia encenada pelo italiano Roberto Benigni em 1999, o filme recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e atraiu um imenso público em muitos países. Por ser uma das raras tentativas de abordar o tema dos campos de concentração com humor, teve recepção ambivalente por parte de alguns sobreviventes do Holocausto, que viram aí um perigo de banalização das atrocidades nazistas.
Foto: picture-alliance/dpa
O Pianista
Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2002, o filme de Roman Polanski tem roteiro baseado nas memórias de Wladyslaw Szpilman, músico polonês que testemunha como Varsóvia é tomada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial e cuja família é assassinada no campo de concentração de Treblinka. O próprio Polanski sobreviveu ao Gueto de Cracóvia e perdeu a mãe assassinada em Auschwitz.
Foto: imago stock&people
O filho de Saul
Filme de 2015 do húngaro László Nemes (ex-assistente de Béla Tarr), tem como protagonista um integrante do Sonderkommando (grupo de prisioneiros judeus encarregados de limpar câmaras de gás e remover cadáveres), cuja ideia fixa é enterrar um garoto. Filme claustrofóbico, cujo uso do primeiro plano, os closes exacerbados e a câmera em constante movimento, tira o espectador de sua zona de conforto.