Visita a uma prisão feminina de São Paulo
27 de novembro de 2006São Paulo, Rua da Consolação, 21. Aqui, o padre Valdir Silveira não só consola famílias de presos, como também coordena uma equipe de 800 agentes da Pastoral Carcerária em todo o Estado de São Paulo. A entidade ligada à Igreja Católica e apoiada pela Misereor (da Alemenha) presta assistência espiritual e vigia o respeito aos direitos dos 144 mil presos no Estado.
Desde as rebeliões do Primeiro Comando da Capital (PCC), em maio, junho e julho, a Pastoral é uma das poucas entidades não-governamentais com acesso às prisões. Seus funcionários e voluntários atendem diariamente dezenas de familiares de presos, encaminham reclamações e pedidos, respondem mais de 700 cartas de prisioneiros por mês.
O padre Valdir também é vice-presidente nacional da Pastoral Carcerária, que atua junto aos mais de 360 mil presos no Brasil. O telefone dele toca constantemente. Ele pergunta alguém ao telefone se um amigo da Alemanha o pode acompanhar numa de suas "visitas pastorais" à prisão. A voz do outro lado concorda. Era a "doutora" Maria da Penha Risola Dias, diretora da Penitenciária Feminina de Santana (PFS), no norte da cidade.
Superlotação
O metrô pára bem próximo à maior penitenciária feminina da América Latina. O setor de controle de visitas da PFS parece um canteiro de obras, com paredes sem pintura e piso sem revestimento, mas a revista é completa. Também o padre Valdir, com seu crachá de identificação da Pastoral Carcerária preso ao bolso da camisa, tem de preencher uma ficha, entregar a carteira de identidade e passar pelo detector de metais.
A mochila, a máquina fotográfica e o telefone celular são guardados a chave na entrada. Depois de passar por mais três portões com pesadas grades de ferro, guarnecidos por seguranças, vêem-se as primeiras prisioneiras, todas com camiseta branca e calça amarela.
A "doutora" Penha teve de sair para uma reunião. Mas é possível circular por alguns corredores e espaços coletivos. O ambiente é muito barulhento. Ordens de Agentes de Segurança Penitenciária (ASP) se misturam a conversas de mulheres exaltadas, gritos de presas e batidas de portas de ferro.
"Já está assim há dias", diz uma funcionária. "Diariamente estão chegando mais 60 a 70 presas de outras penitenciárias. Estamos superlotados. A casa tem lugar para 2400 detentas, mas já estamos com 2580" [N.d.R.: 2834 em 25/11/06].
Através de uma porta semi-aberta, é possível ver algumas das prisioneiras novatas. Sentadas sobre velhos colchões de espuma, seguram nas mãos sacolas de plástico com pertences e suas roupas envoltas num lençol, à espera de serem chamadas e receberem o número da cela.
Lixo humano
Três presas empurram um carrinho repleto de sacos de lixo para fora da área das celas. Numa outra ala, uma presa passa mal. Quatro de suas colegas tentam socorrê-la, mas ela é pesada demais. Na falta de maca, deitam-na sobre um carrinho de lixo e a empurram para a enfermaria.
Uma outra, que diz ser hipertensa, agarra-se às grades de uma porta e grita. "Preciso de um médico". Uma voz do fundo do corredor responde que é preciso agendar uma consulta. Outras prisioneiras fazem coro com a doente, até que um agente permite sua passagem à enfermaria.
"O acesso às celas hoje é complicado", avisa uma funcionária. "Somos apenas quatro agentes para 843 presas por turno neste pavilhão. Isso com uma jornada que vai das 7h às 19 horas. E ainda por cima esse barulho. É de enlouquecer".
"Desastre"
No pátio, algumas detentas tomam sol. Andréa Dias foi condenada a 18 anos de prisão por assassinato. Já cumpriu 11, exatamente a idade de sua filha. Ela reclama que, "há mais de uma semana, falta água nas celas. Ontem a água chegou às 20 horas, mas tomar banho só foi possível às 23 horas. Dizem que é um problema do fornecedor externo".
Outras prisioneiras dizem que não gostam da alimentação, "ora fria ora azeda". Regiane Clementina da Silva, condenada a 10 anos por assalto a mão armada, já cumpriu cinco anos de pena. Ela diz que, há um ano, pediu transferência para o regime semi-aberto, "mas até hoje não recebi resposta". No Estado de São Paulo há mais de 1500 presos com direito ao semi-aberto, mas faltam vagas, diz padre Valdir.
A sérvia Jelena Cvetkovia está há dois anos e meio em São Paulo, mas ainda não viu muito mais da cidade do que o caminho entre o aeroporto e a penitenciária. Foi presa com outras nove pessoas e condenada a quatro anos de reclusão por participação em quadrilha internacional de drogas. Jelena reclama da morosidade da Justiça brasileira. "Meu processo foi anulado há meses, mas continuo presa", diz.
Cerca de 400 presas trabalham nas oficinas da PFS. Outras 200 são "assistentes do setor penal". Elas têm relativa liberdade de circulação dentro do presídio e auxiliam os funcionários. "Sem elas, isso aqui não funciona", diz uma agente. Jelena é uma das "assistentes", mas acha "a situação na penitenciária um desastre".
Presas "um pouco manhosas"
A "doutora" Penha reconhece, mais tarde em conversa telefônica com DW-WORLD, que a "PFS não é uma penitenciária muito agradável. Há muitas portas e grades pesadas". O problema da água, explica, é mesmo externo e será logo resolvido.
A própria diretora reclama da falta de pessoal. "Eu preciso de 180 ASPs, mas só tenho 100 e, destas, 24 estão fazendo um curso". Com 35 anos de experiência profissional no sistema prisional de São Paulo, Penha reconhece que "as condições aqui não atendem todas as expectativas das presas. O Estado deseja fazer mais por elas, mas mesmo que fizesse 130%, não estariam satisfeitas. Elas são um pouco manhosas".
Segundo Penha, o PCC também atua nas prisões femininas. "Perdi a conta das rebeliões que já enfrentei desde 1972 nesta profissão. As mulheres obedecem rigorosamente às ordens dos homens do PCC. É uma questão cultural".
"Carandiru das Mulheres"?
Inaugurada em dezembro de 2005, a Penitenciária Feminina de Santana ocupa um prédio do antigo complexo do Carandiru, que já foi o maior presídio do Brasil e da América Latina, bem como padrão de excelência para as Américas. Em 2 de outubro de 1992, a Polícia Militar de São Paulo reprimiu uma rebelião no local, matando 111 detentos. Este massacre teria sido uma das causas do surgimento do PCC.
Há quatro anos, o Carandiru foi desativado, mas seu principal problema – a superpopulação nos presídios – persiste tanto em São Paulo quanto no resto do Brasil. Alguns juristas já advertiram antes da inauguração da Penitenciária Feminina de Santana: "Tudo indica que teremos o 'Carandiru das Mulheres'".