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Visita de Macron tenta reaproximação entre Brasil e França

25 de março de 2024

Presidente francês cumpre agenda oficial de três dias no país, marcando a primeira visita de um chefe de Estado da França em mais de dez anos e um estreitamento dos laços após turbulência do governo Bolsonaro.

Lula e Macron posam para foto de mãos dadas
Lula e Macron no Japão, em 2023Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente da França, Emmanuel Macron, chega ao Brasil nesta terça-feira (26/03) para uma agenda oficial de três dias e marcando a primeira visita de um chefe do Executivo francês ao país em mais de dez anos. 

O itinerário inclui quatro cidades e encontros com autoridades, políticos e empresários. Temas como sustentabilidade, segurança e economia devem dominar a pauta das reuniões. Além disso, a visita do mandatário francês é uma chance de reaproximar os dois países, após um período de distanciamento depois da turbulência registrada no Brasil a partir de 2016 e a animosidade aberta do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022. 

A previsão do Ministério das Relações Exteriores do Brasil é de que, ao longo das conversas entre Macron e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de 10 acordos de cooperação bilateral sejam assinados. Entre eles está um protocolo de intenções de investimento de R$ 100 milhões entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), além da criação de uma sede para o Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica.

Reaproximação

Ambos os países lançaram uma parceria estratégica em 2006, quando o francês Jacques Chirac e Lula estavam no poder. Mas a relação arrefeceu a partir de 2016 sob as presidências de Michel Temer e, especialmente, de Jair Bolsonaro. 

Gestão Bolsonaro afastou ainda mais França e BrasilFoto: picture-alliance/J. Witt

O último ex-presidente debochou da primeira-dama francesa, Brigitte Macron, nas redes sociais. Em outro episódio, Bolsonaro desmarcou de última hora um encontro com o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, e foi cortar o cabelo.

Além disso, na gestão de Bolsonaro, Brasil e França discordaram sobre a política ambiental para a Amazônia. Em 2019, depois do que ficou conhecido como  "Dia do Fogo", quando áreas da floresta foram queimadas por fazendeiros, Macron declarou em uma reunião do G7 que os países ricos deveriam se mobilizar em torno do tema. O ex-presidente brasileiro acusou o francês de ser colonialista.

A última visita de um líder francês ao Brasil foi em 2013, com o socialista François Hollande. 

Paris celebrou abertamente o retorno de Lula ao poder a partir das eleições de 2022. No ano anterior, num recado claro a Bolsonaro, Macron chegou a receber Lula em Paris com um protocolo reservado a chefes de Estado, mesmo que à época Lula fosse apenas pré-candidato à Presidência.

No entanto, Macron e Lula ainda mantêm divergências em vários temas, como o acordo Mercosul-União Europeia e a Guerra na Ucrânia, por exemplo.

A professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Fernanda Sant'Anna avalia que a visita é um teste para a diplomacia brasileira na reconstrução de uma posição de protagonismo.

"Essa guinada ideológica do governo levou o Brasil à busca de parcerias com os países que possuíam regimes de extrema direita. A suspensão das relações com parceiros importantes para o Brasil impactou o avanço de algumas pautas, sendo uma das mais impactadas a pauta ambiental, muito importante para os países europeus".

Em 2021, mesmo sendo apenas pré-candidato ao Planalto, Lula foi recebido em Paris com honras de chefe de EstadoFoto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Segurança e meio ambiente

Macron desembarca em Belém nesta terça-feira depois de passar pela Guiana Francesa. O país vizinho faz fronteira com o Amapá pela floresta amazônica, ao longo de 700 km — é o único país europeu ao lado do Brasil. Segundo a embaixadora Maria Luisa Escorel, os dois países vão discutir ações para preservação ambiental na região, desenvolvimento econômico de comunidades locais e promoção do comércio.

Riscos de imigração clandestina, garimpo e pesca ilegal, assim como questões sanitárias na região são preocupações de Macron quanto à política doméstica. Por isso, em 2023, o presidente declarou que a França era candidata ao ingresso na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. O bloco de oito países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equadror, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), porém, não recebe novas adesões.

A sustentabilidade, aliás, é mais uma pauta na agenda de Macron, já que Belém será, em 2025, a sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30).

Pragmatismo

Essa é a primeira vez de Macron no Brasil desde que foi eleito presidente em 2017. A visita inclui, também, passagens por Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. A especialista em Europa pela ESPM Carolina Pavese considera que a demora demonstra a pouca importância que a diplomacia francesa conferiu à América Latina, que priorizou os laços com as ex-colônias africanas.

"A França vem com uma agenda de trabalho clara a partir de interesses econômicos e geopolíticos para garantir mercados na área militar, de tecnologia e de energia renovável. Já há uma corrida interna na Europa para garantir o fornecimento de hidrogênio verde, há um atraso da França nisso".

Em janeiro de 2023, tanto o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, quanto o chanceler federal alemão, Olaf Scholz,estiveram no Brasil. Scholz assinou acordos na área de energia e meio ambiente, para aproveitar o potencial do Brasil no fornecimento de hidrogênio verde.

Acordos bilaterais

Segundo o Itamaraty, em 2023, a corrente de comércio bilateral foi de US$ 8,4 bilhões, com US$ 2,9 bilhões de exportações brasileiras. A França é o terceiro maior investidor no Brasil pelo critério de controlador final. O país exporta ao Brasil, principalmente, produtos manufaturados, como peças de automóveis, inseticidas, medicamentos e partes de aviões e helicópteros. O Brasil, por sua vez, vende aos franceses commodities como farelo de soja e minério de ferro.

A guerra dos agricultores com a UE

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Uma tentativa de expandir e intensificar essas trocas comerciais era o acordo Mercosul-União Europeia, cujas negociações foram prejudicadas depois que Macron pediu à Comissão Europeia que interrompesse o processo por considerar os termos tarifários antiquados e desatentos à questão ambiental. As declarações foram feitas em meio à greve dos agricultores franceses em janeiro, que reclamaram da concorrência com importações.

"Os dois presidentes [Lula e Macron] são pressionados politicamente pelos seus setores agrícolas: o do Brasil, inclinado ao livre mercado, ao passo que o da França, com exceção do setor vitivinicultor, à proteção. Isso afeta a negociação entre Mercosul e União Europeia", explica o professor de Relações Internacionais Virgílio Caixeta, da Universidade de Brasília (UnB).

Durante a visita ao Brasil, o tema deve ser debatido, mas não há perspectiva de mudança de posição quanto às negociações. O acordo, que é discutido há 25 anos, chegou a ser aprovado pela UE em 2019, mas precisa ser ratificado pelo legislativo dos 31 países-membros para entrar em vigor. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou que o Brasil teria um ganho de 0,46% no Produto Interno Bruto (PIB) até 2040 com a assinatura do acordo.

Na ida ao Rio de Janeiro, Macron acompanha o lançamento do terceiro submarino Tonelero, um dos quatro que serão produzidos pelo Programa de Submarinos (Prosub), uma parceria de transação tecnológica entre a Marinha brasileira e a França assinada em 2008, durante o segundo mandato de Lula.

O acordo previa também a construção de um quinto submarino nuclear para o Brasil, mas sem transferência de tecnologia francesa relativa ao reator. 

Em São Paulo, Macron se reúne com empresários na Federação das Indústrias de SP (Fiesp) e participa da inauguração do instituto Pasteur e da abertura do Fórum Brasil-França.

Relações internacionais

Na seara internacional, os dois países ainda divergem sobre a abordagem sobre a guerra na Ucrânia. Embora ambos defendam a resolução do conflito, Macron tem pressa e chegou afirmar que não descarta o envio de tropas à Ucrânia para combater as forças russas. O país teme que, caso Donald Trump seja eleito em novembro para Casa Branca, os Estados Unidos deixem a Otan. O pré-candidato do partido republicano afirmou que os Estados Unidos só apoiariam os membros da aliança militar diante de uma invasão russa se os países aumentarem os investimentos em defesa.

"A postura do Brasil tem pouco peso para os membros da Otan, por não ser o país uma potência militar e por não localizar-se próximo do conflito, ou seja, não sente no cotidiano os efeitos, por exemplo, do deslocamento maciço da população ucraniana a países da União Europeia", diz Virgílio Arraes.

O Brasil também tem interesse na aproximação com a França no âmbito internacional, pois os franceses ocupam uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e defendem a ampliação das atuais cinco vagas do colegiado. A medida poderia beneficiar o Brasil, que reivindica participação no grupo e, assim, obter maior protagonismo nas decisões e acordos de paz.

Jéssica Moura Escreve sobre direitos humanos, política, ciência e saúde.