Por um lado, alívio e esperança econômica; por outro, conflitos ideológicos e tensões sociais crescentes: a crônica de uma reaproximação tão inevitável quanto difícil entre Havana e Washington.
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Neste domingo (20/03), pela primeira vez em 88 anos, um presidente dos Estados Unidos volta a pisar Cuba. Mas, enquanto Calvin Coolidge chegou à ilha caribenha em 1928 num navio de guerra, Barack Obama e Raúl Castro visam dar um fim definitivo às hostilidades.
"A visita de Obama é um acontecimento histórico para a população", afirma o especialista em Cuba Bert Hoffmann, diretor do Instituto Giga de Estudos Latino-Americanos. "Justamente os mais velhos dizem: 'Quem diria que eu ainda ia viver para ver isso!'"
Não faltaram gestos simbólicos antecipando a histórica visita. Na sexta-feira, o ministro cubano do Exterior, Bruno Rodríguez Parrila, anunciou que seria abolida a taxa de 10% sobre as transferências bancárias dos EUA para Cuba, instituída por Havana em 2004. Isso elevará a renda de muitos cubanos, dependentes dos depósitos de seus familiares em solo americano.
Obama é recebido com aplausos em Havana
02:08
Entre rigor e pragmatismo
Nos EUA, em contrapartida, os cidadãos cubanos em visita ao país passam a poder trabalhar regularmente, abrir contas bancárias e receber bolsas de estudos. Além disso, o tráfego postal entre os dois países será retomado depois de 48 anos.
Segundo Hoffmann, "em Havana aconteceu mais no último ano e meio do que nas cinco décadas anteriores". O afluxo de turistas americanos fez crescer a economia, e a esperança é que essa dinâmica se manterá: mais internet, mais dólares, mais visitantes.
Mas Havana também segue seu próprio curso. Ainda na sexta-feira, Castro concedeu ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a mais alta distinção do governo comunista, a Ordem José Martí. A justificativa é Maduro ter se defendido "com coragem e inteligência" contra o decreto americano em que a Venezuela foi classificada como perigo para os EUA.
Apesar dos sentimentos primaveris entre Washington e Havana, o governo cubano se mantém firme em suas reivindicações. Uma delas já foi cumprida: em maio de 2015 os americanos riscaram Cuba da lista negra dos Estados que apoiam o terrorismo. Entretanto ainda faltam o fim do embargo e a devolução da base militar de Guantánamo.
"Raúl Castro tem que formular essas exigências máximas, ele é representante da Revolução Cubana", explica Bernd Greiner, cientista político do Instituto de Pesquisa Social de Hamburgo. Por outro lado está claro que tais exigências não serão cumpridas ao pé da letra.
Entre a Revolução e o capitalismo
Greiner e Hoffmann concordam que o presidente Castro é a figura-chave para uma aproximação bem-sucedida entre os dois países. "É super importante que seja Raúl Castro a receber Obama, e não o seu sucessor. Senão, todos sairiam dizendo: 'Fidel nunca teria feito isso.' De Raúl não se pode dizer isso, ele fala em nome da Revolução, com toda legitimação histórica."
Em Cuba, em meio a toda a euforia pela abertura econômica e política, contudo, também se acumulam as críticas à desigualdade social crescente. Pois, enquanto donos de restaurantes e bares lucram com os dólares dos turistas, os professores e médicos na zona rural saem de mãos vazias.
A revista oposicionista Convivencia aponta como "o custo de vida sobe vertiginosamente", "a violência aumenta e falta tudo". Também observadores externos como Bert Hoffmann registram quão difíceis de sustentar são as contradições do caminho cubano.
"Para o governo, a aproximação não é nada simples, pois a Revolução Cubana se legitima na formação de um front contra os Estados Unidos." Enquanto isso, o processo de reforma política não vai tão longe quanto deveria, não sendo nem coerente nem transparente, aponta o especialista do Instituto Giga.
No entanto, ele não vê alternativa a essa aproximação: "Os EUA são o parceiro de negócios natural para praticamente tudo, pela proximidade geográfica entre os países . E, sozinhos, os 2 milhões de cubano-americanos que vivem nos EUA levam mais dinheiro para Cuba do que a União Europeia."
Cuba: o clã dos Castro
A árvore genealógica de Fidel Castro é vasta e ramificada. A família ganhou destaque nesta semana após a morte de Ramón Castro, irmão mais velho do ex-dirigente. Conheça nessa galeria os rostos do clã
Foto: picture-alliance/dpa
Onde tudo começou
Ángel Castro Argiz nasceu nesta casa em Láncara, na província galega de Lugo, no noroeste da Espanha. Em 1899 ele chegou a Havana. Após ser bem-sucedido em vários negócios, se converteu em latifundiário e casou-se com sua primeira mulher, María Luisa Argota Reyes. A união fracassou, e Angel casou em 1943 com Lina Ruz González. Eles tiveram sete filhos, entre eles Fidel e Raúl Castro.
Foto: picture-alliance/dpa/J.M. Castro
Lina Ruz
A mãe de Fidel Castro. Com ela, Ángel Castro Ariz manteve uma relação extraconjugal e teve uma primeira filha, Ángela, quando ainda estava casado com María Luisa Argota, com quem já tinha dois filhos. Nesta imagem, uma funcionária da Casa Museu Fidel Castro mostra uma fotografia de Fidel, Raúl e Ramón Castro. Ao lado, um retrato da mãe do trio, Lina Ruz.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Soler
Fidel Castro
Foi primeiro-ministro (1959-1976) e presidente de Cuba (1976-2008) e se manteve como primeiro-secretário do Partido Comunista até 2011, quando transferiu todos os poderes ao seu irmão Raúl. Fidel tem dez filhos conhecidos: o mais velho, Fidel Ángel, é fruto do casamento com Mirta Díaz-Balart; outros cinco, da união com Dalia Soto del Valle; outros quatro foram gerados em casos extraconjugais.
A segunda mulher de Fidel Castro, com quem ele se casou em 1980. O casal tem cinco filhos. Todos têm nomes iniciados com a letra "A". Alexis, Alexander, Antonio, Alejandro e Ángel. Discreta, Dalia sempre viveu sob a sombra do "comandante". Em 2015, durante uma visita do presidente François Hollande a Fidel, em Havana, muitos a confundiram com uma assessora.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
Raúl Castro
É presidente de Cuba desde 2008. Raúl casou-se com Vilma Espín em 1959 e teve quatro filhos. Dois são bem conhecidos: Mariela Catro, uma política e sexóloga de renome que atua como diretora do Centro Nacional de Educação Sexual de Cuba; e Alejandro Castro, que ostenta a patente de coronel e atua como assistente pessoal do pai.
Foto: picture alliance/AP Photo/D. Boylan
Vilma Espín
A falecida mulher de Raúl Castro foi uma destacada dirigente política da Revolução Cubana e membro do Movimento 26 de Julho. Ela estudou engenharia química e foi membro do Comitê Central do Partido Comunista cubano de 1965 até a sua morte. Ela se casou com Raúl em 1959. O casal teve quatro filhos: Deborah, Mariela, Nilsa e Alejandro. Vilma morreu em consequência de um câncer em junho de 2007.
Foto: Imago/GranAngular
Ramón Castro
O irmão mais velho de Fidel e Raúl Castro faleceu no dia 23 de fevereiro de 2016 em Havana, aos 91 anos. Nascido em 14 de outubro de 1924, Ramón Castro cooperou com a guerrilha liderada pelo seu irmão Fidel e o Movimento 26 de Julho. Após o triunfo da revolução, ele desempenhou diferentes atividades no setor agropecuário.
"A última vez que falei com meu irmão Raúl foi em 18 de junho de 1964, um dia antes da minha partida." Após descobrir em primeira mão os excessos da Revolução, Juanita exilou-se no México e depois em Miami. Em 1965, ela obteve a nacionalidade americana. Crítica da política cubana, ela admitiu ter colaborado com a CIA em 1963. Em 2009, publicou "Fidel e Raúl, meus irmãos – a história secreta".
Foto: picture-alliance/dpa/G. De Cardenas
Alina Fernández
Uma das filhas que Fidel teve em seus relacionamentos extraconjugais e que foi reconhecida pelo comandante. Ela passou a sua infância junto com a mãe, Natalia Revuelta, e foi registrada com o sobrenome do marido dela. Por causa da sua crescente insatisfação política, Alina abandonou o país em 1993, contra a vontade do pai. Em 1997 ela publicou o livro "Memórias da Filha de Fidel Castro".
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Fidel Ángel Castro Díaz-Balart
É o filho de Fidel com sua primeira esposa, Mirta Díaz-Balart. Após se formar na Universidade de Lomonosov, em Moscou, Fidel Ángel esteve ligado ao Instituto Kurchatov, uma instituição soviética para pesquisa de energia atômica. Na década de 1980, ele esteve vinculado ao desenvolvimento do setor atômico em Cuba, onde fundou o Instituto Superior de Ciências e Tecnologias Nucleares de Havana.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Rusinov
Alex Castro
Nascido em 1963, é um dos três filhos de Fidel com mais exposição pública. É artista e atua como fotógrafo oficial do seu pai. Há algumas semanas, declarou em entrevista que compreende a retomada das relações de Cuba com os Estados Unidos como "algo lógico". Também afirmou que Fidel "sempre esteve de acordo com a reaproximação e o restabelecimento das relações entre os dois países".
Foto: picture-alliance/dpa/E. Mastracusa
Antonio Castro
É filho de Fidel Castro com Dalia Soto. É um cirurgião que atua como médico da equipe nacional de beisebol de Cuba e presidente da federação cubana desse esporte. Ao longo da sua vida foi protagonista de vários escândalos.