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"Vistos de ouro", caminho livre à Europa para os ricos?

Teri Schultz av
18 de março de 2018

Sem qualquer investigação, países da UE como Malta, Chipre e Portugal concedem cidadania a quem possa pagar. Principais candidatos vêm da Rússia, China e Oriente Médio, e nem preocupações de segurança sustam a prática.

Passaporte maltês: basta ter dinheiro para conseguir um
Passaporte maltês: basta ter dinheiro para conseguir umFoto: DW/A. de Loore

A crer nos registros do governo de Malta, bandos de milionários russos estão construindo uma nova vida como orgulhosos novos cidadãos malteses – em postos de gasolina e garagens abandonadas. O blogueiro Manuel Delia tentou fazer uma visita-surpresa a alguns de seus novos compatriotas, nos endereços oficiais deles, mas aparentemente eles nunca estavam "em casa".

Malta é um dos Estados-membros da União Europeia que vendem passaportes a qualquer um que possa pagar. Em muitos casos, em vez de ocultar as práticas, os governos até as promovem em "feiras do visto de ouro".

"É uma entrada pelos fundos na Europa e uma fraude institucionalizada", comentou Delia à DW. Segundo ele, Valeta está "viciada" no capital aparentemente ilimitado que consegue coletar de empresários, principalmente russos e chineses, que de outra forma seriam barrados, por não disporem de outra forma legítima de residir no bloco europeu.

Sem qualquer sindicância

E esses ainda são os melhores dos casos: "Na teoria, deveria haver um escrutínio, deveria haver a devida diligência", ressalva o blogueiro. "A lei, no entanto, é muito clara: se um terrorista, um criminoso chega aqui, o governo tem o direito de dar um passaporte a ele. Não há nenhum problema com isso."

Indagada no início de março se estava apreensiva com essa prática, a Comissão Europeia observou que cidadania é uma questão dos governos nacionais. Mas ressalvou que deve haver uma "ligação genuína" entre os solicitantes e o país que concede o visto de permanência. Segundo o porta-voz Christian Wigand, a Comissão "monitora de perto" a situação e publicará um relatório a respeito, ainda em 2018.

Quanto aos "laços genuínos" com as nações europeias, Manuel Delia explica como atualmente transcorre o processo de "virar maltês": "Eles chegam de avião, são trazidos de carro até aqui. Ficam uns 30 minutos, só para assinar os documentos e pegar o passaporte, e aí já podem se mudar para a Europa. Então, não temos como checar com certeza o que essas pessoas estão fazendo e por que compraram uma cidadania europeia."

Não só Malta

O Chipre é outra via expressa para a Europa, para os mais abastados. Contudo, alguns de seus novos cidadãos estão sendo investigados seriamente, pelo menos por instâncias estrangeiras.

Sobre o oligarca russo Oleg Deripaska – no momento envolvido no inquérito nos Estados Unidos sobre as conexões entre o presidente Donald Trump e a Rússia – o jornal britânico The Guardian revelou recentemente que ele comprara um passaporte cipriota. O periódico cita, ainda, o caso de um "magnata brasileiro corrupto", o empresário Otávio Azevedo, implicado na Operação Lava Jato, o qual solicitou "visto de ouro" para Portugal em 2014.

Uma nova série de artigos do Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP), um consórcio de centros investigativos e meios de comunicação que também contribuiu para revelar os Paradise Papers, expõe o alcance dos programas de venda de cidadania.

Vinte repórteres passaram seis meses examinando a prática em uma dúzia de países. Segundo Jody McPhillips, editora regional do OCCRP, a conclusão é que o atrativo é "bem irresistível" para os governos europeus.

Malta, por exemplo, passou de ter déficit a um superávit orçamentário, no prazo de dois anos, graças à venda de passaportes. "Para um país, em geral pequeno, com um governo nem tão bom assim, e em apuros financeiros, é uma virada no jogo", constata McPhillips.

Lavanderia Europa

Só que nem sempre fica muito claro para quem o jogo muda. Miklós Ligeti, diretor de assuntos jurídicos da ONG Transparência Internacional Hungria, explica como o processo funciona em Budapeste.

Os vistos são vendidos em "pacotes de títulos de dívida", que levantaram 192 milhões de euros em cerca de quatro anos, até que o programa fosse suspenso. Porém não era o governo que vendia os títulos, sendo impossível determinar para onde todo esse dinheiro foi.

"Essas organizações intermediárias geram rendimentos à custa do dinheiro dos contribuintes húngaros", aponta Ligeti. "Mas além disso tudo, é um convite para indivíduos cujo capital provém de fontes desconhecidas lavarem esse dinheiro potencialmente ilícito nos mercados de capital da Hungria e até da Europa."

Dinheiro na frente – até da segurança

Em meio a toda a apreensão, em especial no atual contexto de migração e terrorismo, sobre quem adentra o Espaço de Schengen, de trânsito intereuropeu sem controles de fronteira, Rachel Owens, da ONG Global Witness, se diz alarmada pelo aparente descaso das autoridades com essa via de acesso.

Desvirtuamento do aspecto humanitário da cidadania é o que mais incomoda blogueiro Manuel Delia, de MaltaFoto: DW/A. de Loore

"O primo do ditador sírio [Bashar al-Assad] conseguiu um passaporte da União Europeia, apesar de constar da lista de sanções dos EUA. Os valores centrais da UE, de segurança e liberdade, estão em risco por causa desses esquemas." Owens afirma que os cidadãos europeus ficariam chocados se soubessem quem está se mudando para o bloco, e como conseguiram entrar.

A Global Witness apresentou uma lista de recomendações à Comissão Europeia, exigindo mais verificações sobre os requerentes e o dinheiro deles, nessa indústria bilionária. "Você não pode simplesmente jogar as mãos para o alto e dizer que está fora da sua alçada", enfatiza Owens.

Para Manuel Delia, o aspecto de segurança, embora crítico, não é a principal queixa. O que o incomoda é os governos da UE estarem entregando de bom grado passaportes a milionários chineses, russos ou do Oriente Médios, enquanto rejeitam gente – também desses mesmos países – que enfrenta ameaças sérias. "Essa é a razão de dar cidadania para alguém que está vindo. Mas nós não damos. Damos cidadania com base na vantagem financeira."

Ao mesmo tempo, o blogueiro de Malta teme que apenas o aspecto da segurança seja capaz de mudar os comportamentos dos governos. "Consideremos a possibilidade de que um terrorista cometa um crime hediondo em algum lugar da UE, possibilitado pelo fato de ter um passaporte maltês." Mesmo assim, ele não está seguro que Valeta abriria mão de seu artigo de exportação tão cobiçado.

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