Vitória do Talibã dá novo impulso a outros extremistas
Jennifer Holleis | Mehyeddin Hussein
21 de agosto de 2021
Grupos como "Estado Islâmico" e Al Qaeda estão interligados no Oriente Médio. Após talibãs mostrarem que é possível vencer os EUA, talvez eles passem a valorizar mais as alianças, em vez de cultivar velhas rivalidades.
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Enquanto o Ocidente aguarda ansiosamente os desdobramentos no Afeganistão após a tomada pelo Talibã, uma certeza é que o "Estado Islâmico" (EI) e outras milícias terroristas estão observando a situação com – pelo menos – grande interesse.
"Devemos contar com que não só o EI, mas também a Al Qaeda e outros grupos menores do Afeganistão e Paquistão vão se fortalecer", comentou à DW Guido Steinberg, especialista em terrorismo e pesquisador do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP). Ainda assim, ele considera impossível, no momento, dizer onde essa força incrementada se manifestará, primeiramente.
"Claro, há certas áreas em que os jihadistas já são fortes, com o Afeganistão na frente de todas". Sobretudo a província de Khorasan, cerca de 8 mil quilômetros a oeste de Cabul, próxima à fronteira com o Irã, se tornou um importante reduto para um braço poderoso do EI, apesar das tentativas passadas do Talibã de combatê-los.
Alianças jihadistas em vez de "todos contra todos"
Os vários grupos e organizações do jihadismo internacional, como EI e Al Qaeda, apresentam um passado e presente complicados. "De um lado, temos o assim chamado 'Estado Islâmico', com suas províncias no Afeganistão, Cáucaso, África e Iêmen. E ele é hostíl à Al Qaeda, mas também ao Talibã, e essa é a diferença fundamental."
"Portanto, se os talibãs formarem seu emirado islâmico no Afeganistão – ou melhor, o restabelecerem, pois já vimos isso de 1996 a 2001 –, o fato não signifca que o EI também ganhará forças", explica Steinberg. Ainda assim, o pior problema seria o reforço de moral entre jihadistas, salafistas e islamistas: "Eles viram que os americanos podem ser derrotados. Os talibãs agora comprovaram isso."
Um modo de os extremistas islâmicos se fortalecerem é formar novas alianças entre si. "No Iêmen, já está em vigor um consenso assegurando que não haja lutas entre a Al Qaeda e o EI", informa o pesquisador de terrorismo Jassim Mohamad, do Centro Europeu de Estudos de Contraterrorismo e Inteligência.
Outro "acerto" já estabelecido é entre o Talibã e a Al Qaeda no Paquistão. "Há quem pense que a Al Qaeda não esteve muito ativa nos últimos dez anos, após o assassinato de Osama bin Laden, mas documentos e investigações mostram claramente que a relação com o Talibã esteve muito viva, com ela o apoiando."
Mohamad prevê o surgimento de muitos desses "acordos de paz". "O próximo poderá ser entre o Talibã e o EI, por exemplo, se este se limitar a realizar operações fora do Afeganistão." No geral, o analista teme que Afeganistão, Líbia e Síria venham a se transformar em bases para atentados terroristas contra alvos europeus e americanos.
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Nova geração da política islamista
Na sequência desses acordos, Steinberg vê outro problema surgindo: uma nova geração de líderes islamistas. "Depois que, nos últimos anos, foram mortos muitos líderes do EI, Talibã e Al Qaeda que eram inimigos entre si, uma nova geração talvez não vá levar adiante esse velho conflito, mas sim, colaborar."
Além disso, o número de jihadistas se multiplicou desde 2001. "Há disputas entre eles, e estão distribuídos por todo o mundo, mas agora há dezenas de milhares deles, enquanto em 2001 eram apenas uns poucos milhares." No entanto, enquanto o EI visa estabelecer um califado para muito além do Oriente Médio, os talibãs pretendem erguer um emirado em território afegão, o que se coaduna com sua noção de que seriam os nativos do país.
"Em contraste com sua presença antes de 2001, [os talibãs] investiram em suas ambições políticas, e acredito que terão contatos com seus apoiadores financeiros, Rússia, Irã, Paquistão. Eles precisam se apresentar como um movimento político, além de um grupo radical", analisa Mohamad.
Nas próximas semanas se constatará se o Talibã tem o poder de emergir como um partido político e negociador internacional confiável. Até agora cético, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, acaba de apelar para que a comunidade internacional "se una a fim de assegurar que o Afeganistão nunca mais seja usado como uma plataforma ou porto seguro para organizações terroristas".
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.