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"Volkswagen deve pedir desculpas à sociedade brasileira"

Fernando Caulyt23 de setembro de 2015

Para Christian Russau, cabe à montadora apurar e se responsabilizar por possíveis violações aos direitos humanos cometidas durante a ditadura. Outras multinacionais cooperaram com regime militar, diz cientista político.

Foto: Volkswagen do Brasil

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) e uma série de sindicatos pediram ao Ministério Público nesta terça-feira (22/09) a abertura de um inquérito civil contra a montadora alemã Volkswagen. Eles alegam que a empresa violou os direitos humanos dentro de suas fábricas em São Bernardo do Campo durante a ditadura militar.

Em entrevista à DW, Christian Russau – membro da diretoria da Dachverband der Kritischen Aktionäre, organização alemã que apoia o inquérito civil – diz que há a possibilidade de que sejam abertos outros inquéritos contra outras multinacionais que auxiliaram o regime brasileiro.

Num momento em que a Volkswagen enfrenta outro escândalo internacional, envolvendo a fraude de testes de emissões de poluentes, Russau afirma que a empresa na Alemanha tem obrigação de apurar o envolvimento da filial brasileira no regime militar.

"A Volkswagen tem que elucidar esse caso, assumir sua responsabilidade e pedir desculpas às vítimas e à sociedade brasileira, além de pagar indenizações, sejam elas individuais ou coletivas", diz o cientista político e jornalista.

DW Brasil De que forma se deu o envolvimento da Volkswagen em ações da ditadura no Brasil?

Christian Russau – São quatro acusações principais contra a empresa. Há depoimentos de trabalhadores da Volkswagen – durante os chamados "Anos de Chumbo", período em que a repressão da ditadura foi a mais brutal – que foram presos, agredidos e torturados no local de trabalho, e as ações teriam sido executadas sob a supervisão e com a participação de funcionários da segurança da Volkswagen. Das instalações da empresa, os trabalhadores teriam sido levados diretamente para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde teriam sido torturados.

A empresa é acusada também de ser uma das empresas adeptas das chamadas "listas negras", que eram enviadas aos órgãos de repressão da ditadura militar, e de demitir funcionários considerados de oposição ao regime. Como terceiro ponto, a ação de reparação pede também um esclarecimento das alegações sobre o apoio da Volkswagen à Operação Bandeirante (Oban), um aparelho de repressão montado pelo Exército. A acusação menciona o fornecimento de veículos ao Oban, que a partir de 1970 operou sob o nome DOI-CODI em São Paulo e, onde morreram 66 pessoas, 39 delas sob as agonias da tortura.

A última acusação é em relação ao apoio financeiro, por meio de uma doação, da Volkswagen ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e ao Grupo Permanente de Mobilização Industrial da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (GPMI), para que eles, em cooperação financeira e técnica com a Escola Superior de Guerra, construíssem um "complexo militar-industrial" contra a resistência à ditadura.

Por que a Volkswagen e outras empresas cooperaram com a ditadura militar no Brasil?

O país vivenciou o chamado milagre econômico, e o Brasil caiu numa ditadura militar muito dura, um período em que milhares de pessoas foram mortas ou desapareceram. Ao mesmo tempo em que a economia crescia mais de 7% ao ano, o país vivenciava um arrocho salarial, quer dizer, o salário aumentava muito abaixo do índice de inflação. Assim, as multinacionais, também as alemãs, queriam participar do milagre econômico. Ao mesmo tempo, devemos olhar a política alemã: a Alemanha assinou uma cooperação antiterrorismo com o Brasil e, depois, fechou o acordo nuclear. Havia então o interesse político alemão e também o interesse econômico por parte das empresas multinacionais no Brasil. Mas, em relação aos direitos humanos, eles fecharam os olhos.

A Volkswagen está sujeita a multas e a indenizar os que sofreram as perseguições e torturas?

O primeiro ponto é que é uma ação civil e não criminal. Os prazos de prescrição para atos em infrações penais são geralmente mais longos e, para infrações civis, mais curtos. Há uma acusação, e o julgamento de um crime ou de uma indenização não é possível prever, não posso estimar. Acho que se a Volkswagen quiser ficar bem com a opinião pública, ela deve pagar um valor a mais do que o fixado pela Justiça. Principalmente para os grupos de direitos humanos no Brasil, é muito mais importante que seja financiado o trabalho de memória, como a construção de um memorial ou museu, do que o pagamento de indenizações individuais. Claro que daqui [da Alemanha] apoiamos e observamos, mas são os brasileiros que devem fazer as reivindicações políticas.

Há a possibilidade de processos serem abertos contra outras multinacionais que agiram durante a ditadura?

Sim. A Volkswagen é a primeira, porque o trabalho com documentações e depoimentos de vítimas e testemunhas estava mais avançado. Em relação às outras, por causa da situação dos arquivos no Brasil, quando se tem sorte, acha-se dois ou três documentos, já que grande parte deles foi destruída, se perdeu ou está ainda nas mãos de ex-comandantes ou membros das Forças Armadas em seus arquivos particulares.

A situação em relação aos arquivos da ditadura no Brasil é precária, e isso pode ser considerado uma vantagem estratégica para os infratores e para as empresas que cooperaram com o regime na época. Mas, pouco a pouco, esses documentos vêm à luz. Não vou ficar surpreso caso sejam achados arquivos referentes a outras multinacionais.

O problema é que o tempo está correndo, e mais e mais infratores e vítimas dessa época se tornam mais velhos, se aposentam e morrem. E, assim, muito se perde. Por isso, é muito importante o trabalho das comissões da verdade que existem nos níveis federal, estadual e municipal, além de universidades. O trabalho de pesquisa e contato com as vítimas e testemunhas, tanto em relação a documentos quanto entrevistas, deve fazer com que mais fatos sejam trazidos à tona.

Até que ponto a sede da Volkswagen na Alemanha sabia do envolvimento da filial no Brasil com o regime militar?

Isso é a grande pergunta. A própria Volkswagen diz que procurou no arquivo e não achou nenhuma informação sobre o assunto. Na década de 1970, sempre havia acusações contra a empresa, mas elas foram desconsideradas. Naquele tempo, os casos não eram acompanhados de forma enfática pela sociedade civil.

Talvez exista hoje outra atmosfera social e outro interesse em apurar essas questões do passado. A Volkswagen está diante do mesmo problema que nós, já que não há muitos documentos nos arquivos brasileiros e a situação deles na Alemanha é obscura. Há, todavia, arquivos na Alemanha que ainda não foram classificados.

A Volkswagen na Alemanha também tem a obrigação de apurar o caso?

Moralmente e de acordo com meu ponto de vista político, sem dúvida. Mas existe sempre o nível legal. Nós sabemos, por experiência, que as holdings se responsabilizam por suas filiais somente quando se trata do envio dos lucros, mas quando se trata de danos e pagamento de indenizações, cabe sempre à filial. A Volkswagen tem que elucidar esse caso, assumir sua responsabilidade e pedir desculpas às vítimas e à sociedade brasileira, além de pagar indenizações, sejam elas individuais ou coletivas.

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