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Volkswagen do Brasil encara seu passado sombrio na Amazônia

13 de junho de 2022

Em 1973, montadora, com apoio da ditadura, investiu em fazenda na Amazônia. Iniciativa foi marcada por denúncias de trabalho escravo. Agora, Ministério Público vai ouvir representantes da VW sobre possíveis indenizações.

Trabalhadores temporários foram recrutados em aldeias remotas da regiãoFoto: Wolfgang Weihs/picture alliance

"A subsidiária da Volkswagen no Brasil é responsável por graves violações de direitos humanos e crimes hediondos", disse o procurador brasileiro Rafael Garcia Rodrigues à emissora pública alemã de televisão ARD. "Estamos convencidos de que a Volkswagen reconhecerá sua responsabilidade e que um acordo será alcançado para que os trabalhadores daquela época sejam indenizados."

Garcia coordena investigações sobre escravidão moderna em todo o Brasil desde 2015. E o Ministério Público do Trabalho (MPT) convocou pela primeira vez representantes da Volkswagen no Brasil para uma audiência nesta terça-feira (14/06), em Brasília. Trata-se de um possível acordo extrajudicial de indenização.

Polêmico agronegócio da VW na Amazônia

As investigações remontam à época do governo militar brasileiro (1964-1985). A convite dos generais, a Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras na região amazônica em 1973. A Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como "Fazenda Volkswagen", no município de Santana de Araguaia, no Pará, deveria abrir uma nova área de negócios para o grupo.

Uma montadora de automóveis que cria gado no meio da selva? O que hoje parece um projeto aventureiro fazia parte da estratégia de desenvolvimento nacional naquela época. A Volkswagen deveria contribuir para o desenvolvimento da floresta tropical brasileira e não apenas ganhar dinheiro com isso, mas também seguir o lema "integrar para não entregar" dos militares.

Grandes partes da propriedade tiveram que ser desmatadas para dar lugar à fazenda de gado da Volkswagen. Para desmatar e fazer o pasto no local, a fazenda contratou "gatos" – como eram chamados os empreiteiros – para recrutar trabalhadores temporários nas aldeias remotas da região e transportá-los para a fazenda.

A Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras no Pará em 1973Foto: Wolfgang Weihs/picture alliance

"Você tem que pagar suas dívidas"

Mas em vez dos empregos lucrativos prometidos, os empregados temporários eram obrigados a trabalhar para pagar supostas dívidas, sofriam violência e eram ameaçados, além de serem impedidos de deixar a região.

"Na fazenda só se comprava comida a preços absurdamente altos", lembra o ex-trabalhador José Pereira. "Quando limpamos os primeiros 100 hectares, tínhamos muitas dívidas com os recrutadores de mão de obra. Um deles disse: 'Você quer ir embora? Não! Agora você tem que pagar suas dívidas'."

José Pereira e seus colegas são testemunhas-chave na investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre a Volkswagen. Eles contam que foram amarrados após tentativas de fuga, trabalharam sob a mira de armas e até mesmo sobre mortes no local.

"Se alguém tentasse fugir, os guardas vinham atrás e atiravam", relata Pereira. "Eles espancaram aqueles que escaparam. Na rua, nos barracos, todo mundo viu."

Padre documentou abusos

A documentação foi apresentada ao Ministério Público do Trabalho (MPT) pelo padre e professor Ricardo Rezende Figueira. Naquela época, Figueira era coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a região de Araguaia e Tocantins da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por causa de seu trabalho, ele recebia regularmente ameaças de morte.

Figueira documentou várias centenas de casos. Mas nada aconteceu por mais de 40 anos. Mas quando a Volkswagen aceitou sua responsabilidade pelas violações de direitos humanos no Brasil durante a ditadura militar e pagou indenização às vítimas em 2020, Figueira viu uma nova oportunidade e entregou todo o seu material ao Ministério Público do Trabalho (MPT).

Em 22 de maio, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro concedeu título de cidadão honorário a Figueira por causa de seu compromisso contra a escravidão moderna. O padre, que pesquisa e ensina sobre o tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é conhecido atualmente em todo o Brasil.

Pereira em entrevista para o programa Weltspiegel, da TV alemã ARD: "Se alguém tentasse fugir, os guardas vinham atrás e atiravam"Foto: ARD

A escravidão moderna ainda prevalece

Quase 40 anos após o fim da ditadura militar, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) ainda luta contra as condições de trabalho escravo contemporâneo no país.

"O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade em todos os estados do Brasil, no campo e na cidade", afirmou a CPT num comunicado. "Desde 1995, mais de 58 mil pessoas foram resgatadas de condições degradantes de trabalho, da servidão por dívidas, do trabalho forçado e de jornadas exaustivas."

Para o ex-gerente da fazenda Friedrich Brügger, as alegações de escravidão moderna na fazenda da Volkswagen são "um completo absurdo". Ao programa Weltspiegel, da emissora pública alemã de televisão ARD, ele disse: "Isso é um absurdo. Como se não houvesse nada mais importante hoje do que melhorar o passado."

O agrônomo suíço começou a administrar a fazenda em 1974, onde permaneceu por 12 anos. Em 1986, a Volkswagen vendeu a fazenda porque o negócio deixou de ser lucrativo. Brügger voltou à Suíça depois de 40 anos no Brasil.

"As coisas nem sempre eram suaves"

Para ele, "a responsabilidade de uma empresa termina em algum lugar" e as circunstâncias também deveriam ser observadas: "As coisas nem sempre são suaves quando há mais de 1 mil homens num lugar. Isso é claro. Especialmente no meio da selva", contou Brügger.

Na Volkswagen, as declarações do ex-gerente desencadearam tudo, menos entusiasmo. Em comunicado à DW, a empresa afirmou: "Gostaríamos de salientar que o senhor Friedrich Brügger não fala pela Volkswagen e que suas declarações contradizem os valores da Volkswagen". A multinacional alemã disse ainda que leva "muito a sério os eventos descritos na Fazenda Vale do Rio Cristalino".

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