Volkswagen vai indenizar vítimas da ditadura no Brasil
23 de setembro de 2020
Investigações apontaram que montadora alemã colaborou de maneira sistemática e ativa com o regime militar brasileiro. Agora, ex-funcionários perseguidos deverão receber R$ 36 milhões em indenizações, diz imprensa alemã.
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A montadora alemã Volkswagen vai indenizar ex-funcionários de sua filial brasileira que foram afetados pela colaboração sistemática da empresa com a ditadura militar no Brasil. A informação foi divulgada pela imprensa alemã nesta quarta-feira (23/09).
Segundo o jornal Süddeutsche Zeitung e as emissoras estatais NDR e SWR, o acordo de compensação será assinado pela companhia nesta quinta-feira em São Paulo.
Os veículos disseram que a subsidiária brasileira da VW deverá pagar cerca de R$ 36 milhões em indenizações individuais e coletivas. Grande parte do valor irá para associações de vítimas formadas por ex-funcionários e seus familiares. Ao todo, mais de 60 pessoas serão beneficiadas.
A compensação está relacionada a uma ação movida há cinco anos contra a empresa em nome de ex-empregados que trabalharam na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo durante a ditadura militar. Com o acordo indenizatório, a companhia evita uma disputa judicial.
O historiador Christopher Kopper, da Universidade de Bielefeld, que foi contratado pela empresa para apurar a colaboração da VW com a ditadura brasileira e elaborou um relatório independente sobre o caso, afirmou que o acordo desta quinta-feira será histórico.
"Será a primeira vez que uma companhia alemã aceita sua responsabilidade por violações de direitos humanos contra seus próprios funcionários por eventos que ocorreram após o fim do nacional-socialismo", disse o especialista aos veículos alemães.
Em sua reportagem, o Süddeutsche Zeitung aponta que a decisão é "um sinal importante, justamente porque o presidente populista de direita Jair Bolsonaro já glorificou a ditadura militar da época". "Para os trabalhadores da fábrica, significa uma justiça pela qual eles tiveram que esperar por décadas", completou o jornal.
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A colaboração da Volks com a ditadura
Em 2017, uma investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) confirmou que a montadora alemã colaborou de maneira sistemática e ativa com o regime que governou o Brasil de 1964 a 1985.
Um relatório de 406 páginas apontou que a filial brasileira da VW espionou os próprios funcionários com interesse de descobrir opiniões políticas, e documentou a espionagem por escrito. Essa documentação era enviada ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
"A Volks teve um papel ativo. A montadora não foi obrigada a isso. Eles fizeram parte porque queriam", escreveu Guaracy Mingardi, perito que assinou o relatório do MPF.
O documento revelou ainda que o departamento de segurança da montadora permitiu a prisão de funcionários dentro de suas fábricas, mesmo sem mandados. Após a detenção, funcionários que eram considerados opositores ao regime foram torturados durante meses.
O texto acusou a VW de ter observado os funcionários antes das prisões. "É improvável que a Volkswagen não tenha participado ativamente dessas investigações", destaca o texto, acrescentando que o departamento de segurança da montadora teve um papel central na atividade repressora. Vários ex-soldados foram contratados pela empresa para trabalhar como seguranças.
Segundo o relatório do MPF, logo após o golpe de 1964 a filial brasileira da Volks compartilhava da ideologia do regime e, a partir do fim da década de 1970, tinha interesses comerciais, ao desejar utilizar o "maquinário repressivo do Estado" para impedir greves.
O documento não abordou quão profundo seria o conhecimento da sede da montadora, em Wolfsburg, na Alemanha, sobre as atividades da filial brasileira. Porém, uma análise extensa de documentações, realizada por Kopper, o historiador contratado pela Volks, sugeriu que a sede tomou conhecimento desses atos o mais tardar em 1979.
O relatório do investigador independente foi divulgado pela Volkswagen em dezembro de 2017, detalhando a colaboração da filial brasileira com o aparato repressivo do regime militar.
O documento de 114 páginas apontou que a montadora foi "irrestritamente leal" aos militares e que seu próprio aparato de segurança patrimonial facilitou a identificação e prisão de funcionários "subversivos" – sendo ao menos um deles torturado em uma unidade da empresa.
A filial também demitiu trabalhadores envolvidos com sindicatos e alimentou e compartilhou com outras empresas "listas negras" com nomes de funcionários.
O texto, no entanto, diz que não foram encontradas provas de uma colaboração institucionalizada da montadora com a repressão estatal. De acordo com o documento, os membros da segurança patrimonial – vários militares da reserva – agiram por iniciativa própria ao espionar e entregar funcionários ao regime. Não há documentos que indiquem que a diretoria no Brasil deu ordens nesse sentido.
EK/afp/rtr/ots/dw
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.