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"Vou viajar pela Europa para denunciar o governo Bolsonaro"

Richard Furst
3 de maio de 2019

Primeira brasileira eleita deputada na Espanha, a sergipana Maria Dantas promete tornar públicas "atrocidades" cometidas pelo governo brasileiro e lutar por direitos humanos, de imigrantes e das mulheres.

Maria Dantas
Radicada em Barcelona, Maria Dantas tem histórico de luta em movimentos sociaisFoto: Pedro Baqués

Neste ano, o aniversário da sergipana Maria Dantas vai ser marcante. No próximo 21 de maio ela vai completar 50 anos – quase metade deles vividos em Barcelona – e, no mesmo dia, se tornará a primeira brasileira a ocupar um assento no Parlamento da Espanha. 

Dantas foi eleita no último domingo (28/04) pelo partido Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). Formada em Direito, a brasileira quer ser uma voz ativa contra o partido Vox, que marca a volta da extrema direita ao Parlamento espanhol depois de quase 40 anos. Ela pretende trabalhar em questões sociais focadas nas mulheres e nos imigrantes e também fazer frente ao governo do presidente Jair Bolsonaro.

"Vou levantar a bandeira dos direitos humanos e denunciar claramente o governo Bolsonaro. Pretendo viajar pela Europa para fazer denúncias", disse em entrevista à DW Brasil.

Deutsche Welle: O que significa a chegada de uma brasileira ao cargo de deputada num país europeu?

Maria Dantas: Em primeiro lugar a referência para outras brasileiras, um norte para outras imigrantes, para a mulher em geral, uma referência para a população desvalorizada, sejam eles os migrantes, os negros, ou os descriminados. E inclusive para o Brasil. O Brasil que está sendo alvo de um governo de extrema direita, tirando os direitos da população empobrecida, direitos conquistados com muito suor e lágrimas pelas nossas antepassadas. 

Como as pessoas reagiram à ideia de ter uma representante brasileira em eleições espanholas?

Antes de decidir ser candidata, eu fiz contato com vários grupos sociais explicando a situação e pedindo a opinião das pessoas, e a opinião foi favorável. Foi uma decisão em conjunto, bem coletiva. Meus amigos de movimentos sociais ficaram surpreendidos, porque eu sempre disse que não faria isso. Eu sempre pensei que meu lugar fosse nas ruas, nos movimentos sociais. Eu ainda acho que as grandes mudanças de paradigmas a gente faz nas ruas. Mas também acho que a gente tem que ter referência e representatividade da população nas instituições, nos partidos políticos, no Congresso, nas prefeituras, nas câmaras de vereadores. Depois de 20 anos trabalhando em movimentos sociais, decidi entrar para a política institucional. 

Em entrevista, você prometeu "expor o caráter racista e homofóbico" do governo de Jair Bolsonaro. Como pretende fazer isso?

Eu pretendo explicar em audiências públicas o caráter do governo Bolsonaro, a quem eu chamo de capitão, e não de presidente. Em todos os lugares onde eu estiver, vai ter uma fala sobre as atrocidades do governo Bolsonaro. Vou levantar a bandeira dos direitos humanos e denunciar claramente este governo, as políticas racistas, de racismo institucional que estão sendo executadas. Eu já fazia isso arriscando a pele nas ruas. Agora vai ser ainda mais fácil no Congresso. Serei uma ponte para fazer pautas, para que pessoa possam denunciar. Pretendo viajar pela Europa para fazer denúncias.

Existem muitos brasileiros que moram aqui e votaram em mim. E muitos deles com pautas como a minha, que ficaram contentes que eu possa ser este auto-falante. Recebi muitas mensagens de pessoas que moram aqui agradecendo e pedindo que eu faça esta denúncia pública em Madri.

Apesar dos milhares de quilômetros que separam a Espanha do Brasil, ainda é possível ter ligações com grupos sociais brasileiros?

Eu sou sergipana, morei em Salvador, tenho muita ligação com as pessoas de lá. Vejo um destaque na Teatro Escola Jorge Amado, levanto a bandeira para este projeto maravilhoso [por exemplo]. Um dos produtores, Nell Araújo, consegue modificar a vida de adolescentes que moram nas favelas através da cultura. Também tenho muita relação com o pessoal da Agência de Notícias das Favelas. Temos deixar que falem de nós, temos que falar nós mesmos, temos vida própria, temos inteligência e temos que criar as nossas próprias narrativas. E é o que eu estou fazendo: estou criando a minha narrativa, que é compartilhada com muitas mulheres migrantes. Eu nunca sofri, porque sou branca. Quero levantar a bandeira da Marielle Franco. Ela vai permear a minha passagem pelo Congresso da Espanha.

Num momento em que a extrema direita e seu discurso anti-imigração ganham força na Espanha, você disse que vai trabalhar em prol de imigrantes e refugiados. Como pretende fazer isso?

Levo uma pauta de criar uma lei integral contra o racismo, porque o racismo institucional é muito pouco visibilizado aqui na Espanha, quando falamos no assunto, a população não entende o que é o assunto. Quem não sofre, não entende. São as pessoas que são paradas na rua pela cor da pele, os que são levados para a delegacia por ter um traço, uma aparência de "diferente", são essas pessoas que realmente sofrem o racismo.

Outra pauta é a eliminação da externalização e da militarização das fronteiras. A Europa, muito hipocritamente, não coloca os muros e as fronteiras e os campos de refugiados presos dentro do seu território. Então, paga a outros países, como a Turquia e o Marrocos, para que não deixem que as pessoas saiam para chegar à Espanha.

Outra pauta que eu levo é que sejam urgentemente adaptadas as vias [de migração], para que as pessoas possam migrar, buscar refúgio de uma forma legalizada e segura. As pessoas estão chegando aqui, à Espanha, à União Europeia, em barcos, muitas delas morrendo. Lançamos a plataforma chamada Stop Mare Mortum por causa dessas mortes. Para nós, não são mortes, são assassinatos resultantes do racismo institucional das leis anti-imigração da UE.

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