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Voyeurs de plantão

Soraia Vilela20 de junho de 2003

Cocaína, prostitutas, máfia. Unindo os três ingredientes, a mídia alemã crucifica o apresentador de TV e vice-presidente do Conselho dos Judeus no país, Michel Friedman, num espetáculo populista de nuances anti-semitas.

Michel Friedman: na mira da imprensa marromFoto: AP

Escândalos envolvendo consumo de drogas acabam sempre nas páginas policiais dos jornais. Um deles, que tem como protagonista um popular apresentador da TV alemã, é encontrado sob a rubrica "política". Talvez por ser Michel Friedman, o "réu" em questão, vice-presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, além de ser membro ativo da conservadora União Democrata Cristã (CDU).

Acusado de ter consumido cocaína (papelotes contendo restos da droga foram encontrados durante uma busca policial em sua casa e escritório), o rosto de Friedman não tem deixado as páginas dos jornais alemães. Como se não bastasse o estardalhaço em torno do ato que no país não chega nem a ser sujeito a penalização, a mídia "descobre" ainda ligações do apresentador com "bandos de gigolôs pertencentes à máfia ucraniana, responsável por tráfico de prostitutas para dentro do país". Até que tudo esteja esclarecido, o programa conduzido pelo apresentador estará suspenso.

"Justiça também para judeus" -

Na esteira do escândalo, diários pouco representativos no cenário da imprensa alemã arriscaram sem medo frases de teor anti-semita ("Justiça para todos, também para os judeus"), enquanto o público esperava o resultado dos testes feitos nos "saquinhos plásticos, típicos do meio" encontrados na casa de Friedman: "O fato de ele ser judeu não deverá fazer com que se tenha maior ou menor condescendência no caso. Se for cocaína, ele cometeu um delito, não importando em quem ele acredita e para quem ele reza", dispara o Kieler Nachrichten.

Layout provocador -

O hoje apresentador de um programa de entrevistas nasceu em Paris em 1956, tendo emigrado aos nove anos para a Alemanha, em companhia dos pais, ambos salvos do holocausto da Segunda Guerra por Oskar Schindler.

Conhecido pela forma como encosta seus interlocutores na parede, Friedman não é exatamente uma figura adorada pelo público. Muito pelo contrário. Nem seu layout (gel no cabelo, ternos de designers famosos, gravatas coloridas), nem sua performance (a lembrança constante do extermínio dos judeus) provocam no cidadão comum alemão qualquer tipo de cumplicidade.

Antipatia -

Pela arrogância que o próprio encena e pela antipatia que provoca, Michel Friedman, principalmente desde o início de seu programa de entrevistas na TV, em janeiro de 2001, parece travar com a opinião pública um duelo semelhante ao que empreende com seus entrevistados. Com a "descoberta" da droga e ainda de um suposto vídeo em que ele aparece em companhia de prostitutas, parece ter chegado a "hora da vingança".

A satisfação é perceptível tanto nos artigos de jornais de província – "é um sentimento completamente novo: ver, enfim, um Friedman sem palavras" (Saarbrücker Zeitung) – como em alguns dos grandes órgãos da imprensa: "Ninguém se atrevia a fazer qualquer coisa contra o judeu que está sempre advertindo na terra dos algozes. Mas agora o intocável pode ser tocado" (Stern).

Enterro de Jürgen Möllemann, na última sexta-feira, 13Foto: AP

Conflito com Möllemann -

Note-se ainda que o escândalo foi "lançado" pela promotoria de Berlim na última semana, exatamente no momento em que o ex-político do Partido Liberal, Jürgen Möllemann, era enterrado. Möllemann, que se acredita ter cometido suicídio ao pular de pára-quedas no último 5 de junho, trocou com Friedman uma série de acusações durante a última campanha eleitoral na Alemanha.

"Malévolo" -

A discórdia levada à arena pública começou com depoimentos de Möllemann em que o político acusava os próprios judeus de serem culpados pelo anti-semitismo, tendo chegado a chamar Friedman de "malévolo". As declarações e um prospecto de propaganda do partido contendo críticas ao governo israelense foram o início do fim da carreira do político, afastado de suas funções pela liderança de seu próprio partido.

Outros envolvidos -

Apesar das recentes declarações da ministra alemã da Justiça, a social-democrata Brigitte Zypries - "Friedman é inocente, até que se prove o contrário" e mesmo que ele tenha consumido pouca quantidade da droga, "não vai sair muita coisa daí" –, a mídia continua insistindo no caso. Divulga-se, no momento, que os tais gigolôs ucranianos apresentaram provas de que "um político do primeiro escalão e outro nome da televisão" também foram documentados em vídeo em companhia de prostitutas.

Na falta de depoimentos ou provas, criou-se um círculo onde os jornais citam as revistas e vice-versa. Entre as pérolas estão frases do tipo "tudo leva a crer que se trata de um viciado crônico, que mantém depósitos da droga em todos os lugares por onde passa" (Stern).

Cocaína também no Parlamento? -

Como bem lembra o semanário Die Zeit, é interessante notar que, em meados de 2000, um repórter do popular canal de TV Sat.1 afirmou haver encontrado restos de cocaína nos banheiros do Parlamento alemão. Diversos escritórios e apartamentos dos supostos envolvidos não sofreram vistorias nem nunca mais se falou no assunto. O mesmo acontecendo "com a acusação de corrupção ao presidente do Deutsche Bank, que vem desde então trabalhando normalmente. E de um contente ex-chanceler federal, que continua andando por aí, mesmo depois de ter declarado publicamente que sua palavra de honra paira sobre todas as leis". No caso do vice-presidente do Conselho Central do Judeus, a conduta, no entanto, parece ser outra.

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