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"Wajngarten deveria no mínimo ser demitido"

4 de fevereiro de 2020

Em entrevista à DW Brasil, o advogado e ex-membro da Comissão de Ética da Presidência Marcelo Figueiredo afirma que chefe da Secom violou lei ao omitir sua relação com empresas que recebem dinheiro da própria secretaria.

Fabio Wajngarten, chefe da Secom
Wajngarten é sócio da FW Comunicação, que tem contratos com TVs e agências de propaganda contratadas pela SecomFoto: Agência Brasil/M. Camargo

Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo revelou nesta terça-feira (04/02) que o chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), Fabio Wajngarten, omitiu da Comissão de Ética Pública da Presidência informações sobre as atividades de sua empresa e os contratos mantidos por ela com companhias que recebem dinheiro da própria secretaria. A Secom disse que o secretário não omitiu informações e cumpriu a lei.

Conforme noticiado pelo mesmo jornal em meados de janeiro, Wajngarten é sócio da FW Comunicação, que presta serviços para o mercado publicitário. A FW tem contratos com TVs e agências de propaganda contratadas pela Secom e por outros órgãos do governo. Durante a gestão de Wajngarten, as clientes tiveram aumento na verba que recebem da secretaria. Ele nega irregularidades.

Em entrevista à DW Brasil, o advogado e professor de Direito da PUC-SP Marcelo Figueiredo, que foi membro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República durante o governo Dilma Rousseff, esclareceu quais ilegalidades Wajngarten pode ter cometido, quais são as eventuais penalidades e como funciona a comissão que agora analisa o processo do secretário.

Segundo o especialista, na prática a comissão pode recomendar a demissão do investigado. Figueiredo lembra um caso de 2011, quando o órgão recomendou a exoneração do então ministro do Trabalho, Carlos Lupi, após denúncias de irregularidades em convênios da pasta feitos com ONGs. Lupi acabou deixando o cargo, por conta própria, após a recomendação.

Na atual composição da Comissão de Ética Pública, apenas um de sete conselheiros foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, o pastor evangélico Milton Ribeiro. Os demais foram indicações do ex-presidente Michel Temer.

Wajngarten omitiu da Comissão de Ética informações sobre as atividades de sua empresa e os contratos mantidos com TVs e agências que recebem dinheiro da secretaria e de outros órgãos. Na prática, isso é ilegal?

Isso é ilegal. Temos a lei número 12.813, de 2013, que obriga todas as altas autoridades da República, ministros de primeiro escalão, secretários etc. a apresentarem essa declaração quando assumem o cargo. Quando a pessoa assume, tem que preencher uma ficha com vários itens, com situação patrimonial, financeira, cada detalhe de sua vida societária, que negócios você realiza, com quem você realiza etc. O objetivo é não haver contaminação da função pública que você vai exercer com os interesses privados. A ideia é que você assuma e que não trate de seus próprios interesses.

E o que aconteceu nesse caso, aparentemente, é que ele omitiu informações importantes de contratos e participações societárias que ele próprio mantinha com TVs e rádios, e que ele ia de alguma forma poder gerir na qualidade de secretário de Comunicação. Então, eu diria que é grave, muito grave o que aconteceu, e por isso mesmo o Ministério Público já instaurou inquérito criminal para ver se por trás disso há crime.

Porque essa lei, 12.813, simplesmente tenta prevenir o conflito de interesses. E naqueles formulários, na declaração que ele tinha que entregar, e que ficam sob sigilo na Comissão de Ética, questiona-se isso, se você mantém contratos com a administração, direta ou indiretamente, se sua família tem contratos, se há conflito potencial. Ele tinha que declarar, sim.

Ou seja, é uma ficha muito  clara, não há margem...

É muito clara. Então eu acho que sim, ele violou claramente a lei 12.813, e agora é preciso verificar. Acho que o mínimo que teria que acontecer é ele ser demitido do cargo, é uma decorrência da lei.

Isso é o que prevê a lei?

A penalidade máxima é censura ou demissão. Porque essa lei tem por finalidade punir essas condutas. Outros processos podem ser abertos em função disso, porque ele pode ter violado outras leis, penal, de improbidade, administrativa. Nessa lei em questão, a penalidade máxima é demissão imediata, constatando que ele violou a ética. Então ele já sairia com uma mancha no currículo. Num país sério, não poderia ocupar nenhum outro cargo público.

A lei define o que é conflito, direto ou indireto. Toda vez que há conflito de interesses, tenho que me afastar do caso, porque vou privilegiar amigo ou parente. Um dos princípios do cargo público é a impessoalidade. Se tenho amigos e tenho a possibilidade de produzir vantagens para mim mesmo, é imoral e ilegal.

Após o caso vir à tona, a Comissão de Ética da Presidência solicitou novas informações a Wajngarten e deve começar a julgar o caso em 19 de fevereiro. Quem compõe essa comissão e como funciona?

A comissão funciona desde a época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e é composta por sete conselheiros. São pessoas de notório conhecimento e reputação, e com mandato de três anos. Então, cada presidente da República nomeia um novo conselheiro para quem chegou ao fim do mandato. Agora, existe uma jurisprudência da comissão, há uma série de precedentes que podem ser inclusive consultados na página da presidência da República.

O fato de serem pessoas indicadas pelo presidente não a torna um pouco frágil?

É um mecanismo suplementar. Foi instituído esse sistema ético da Presidência da República como forma de controlar a ética dentro do Executivo. A comissão é mais um controle, não é o único, existem outros mecanismos. Por exemplo, a Controladoria Geral da União (CGU), que move os processos derivados de funções éticas. Tem também o Ministério Público Federal (MPF) e outros órgãos com função fiscalizatória.

Que poder a comissão tem?

Tem poder primeiro de recolher os dados de servidores. Toda a vida patrimonial, fiscal, pessoal, declarações de renda, posições acionárias. Tudo isso tem que ser entregue quando a pessoa entra no cargo. Com isso, o funcionário tem que declarar se tem algum conflito. E aí entra a falsidade: se ele declara que não tem conflito, mas tem conflito, tem que perder o cargo imediatamente e ainda ser processado.

Quem tem poder para destituir do cargo?

Só o presidente da República. Mas a comissão pode recomendar ao presidente a demissão. E isso fica registrado em toda a imprensa. É muito difícil a comissão recomendar e o presidente não atender, porque aí o desgaste será dele.

Na comissão, como funciona um processo e quanto tempo costuma levar?

O processo depende muito do presidente e do relator. Em geral, entre 30 e 60 dias. Normalmente recebe-se, ouve-se a parte contrária. Você ouve o acusado. Pode ser uma denúncia anônima também.

É preciso que a comissão seja provocada?

Pode ser provocada ou pode abrir de ofício, de acordo com as notícias da imprensa. Todo mês tem uma reunião, você analisa todas as pautas do jornalismo, para ver se tem algo que merece ser investigado. Tem esse acompanhamento. A comissão tem um pequeno grupo de dez funcionários que acompanham as notícias. Então, a comissão se reúne, avalia e instaura ou não um processo de ética.

Além de todo mundo que toma posse, a gente analisa essas informações de renda etc. Por exemplo, me lembro do ex-ministro [da Fazenda Henrique] Meirelles, que era um homem rico, e para assumir o ministério teve que deixar todo seu patrimônio num fundo cego. Ele não poderia gerir mais porque poderia tomar decisões que o deixariam ou milionário ou pobre. Tem toda uma regulamentação, que é da experiência internacional, de controle da ética.

Esse sistema é adotado em outros países?

Tem na Itália, e nos Estados Unidos tem algo parecido. Aqui é um modelo inspirado no modelo americano, mas não tão sofisticado. As mais sólidas democracias têm comissão de ética.

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