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Von Braun, um engenheiro entre a guerra e o espaço

20 de julho de 2019

O pouso na Lua em 1969 não teria sido possível sem esse pioneiro alemão dos foguetes. Mas, para realizar seu sonho de alcançar o espaço, Von Braun também firmou um "pacto com o diabo" ao trabalhar para os nazistas.

Wernher Von Braun
Wernher von Braun (1912-1977). Obcecado pelo espaço desde a infância, pioneiro trabalhou para os nazistas e para os americanosFoto: AP

Finalmente, em 16 de julho de 1969, o foguete Saturn V, de 110 metros (36 andares), se lança em majestoso curso vertical no radiante céu da manhã em Cabo Canaveral, no Estado americano da Flórida. Pesando 3 mil toneladas e com três astronautas a bordo, seu destino é a Lua. O mundo prende a respiração: a missão tem que dar certo.

E, de fato, ela é uma sucesso. Graças em grande parte ao construtor de foguetes Wernher von Braun, um alemão naturalizado americano que liderou o projeto de construção do Saturn V, o mais potente foguete já produzido. 

Quatro dias mais tarde, o homem pisa pela primeira vez o satélite terrestre. Em plena Guerra Fria, os Estados Unidos voltaram a deslocar as relações de poder a seu favor. Com a missão Apollo 11, Von Braun realizou seu sonho pessoal e, ao mesmo tempo, o dos americanos. Estes o festejam como seu "Missileman", sem o qual nada disso teria sido possível.

Até então, a União Soviética tinha sempre estado alguns meses à frente dos EUA, na corrida espacial. Em 1957 o Sputnik fora o primeiro satélite em órbita terrestre; quatro anos mais tarde, Yuri Gagarin era o primeiro ser humano no espaço sideral.

Desta vez, porém, graças ao maciço apoio político e financeiro, Von Braun e sua equipe proporcionaram o triunfo histórico. O cientista alemão estava no auge de sua carreira: "Tudo o que o ser humano pode fazer em sua imaginação é factível", declararia, mais tarde.

Passado nazista

Após tamanha conquista, aparentemente o saber e aptidões de Von Braun eram preciosas demais para que os americanos lhe fizessem perguntas incômodas sobre seu passado. Como, por exemplo, sobre o pioneiro das viagens espaciais ter também construído foguetes para Adolf Hitler.

Sem questionamentos éticos nem consideração pelas perdas, ele desenvolveu a "Wunderwaffe" (arma milagrosa) desejada pela Alemanha nazista. No fim das contas, seu celebrado foguete lunar nada mais era do que um aprimoramento do míssil V-2, que ele projetara para o regime hitlerista.

Von Braun (em trajes civis) e oficiais das Forças Armadas do regime nazista em 1944 Foto: picture-alliance/dpa

Wernher von Braun era obcecado por foguetes desde a infância, observando o céu de telescópio, e aos 17 anos lançando seus primeiros protótipos no céu de Berlim. Formado em engenharia na Escola Superior Técnica da capital, ele sonhava algum dia poder voar em pessoa em direção às estrelas.

Em abril de 1932, portanto ainda antes da tomada de poder por Hitler, durante um teste de lançamento a Associação de Viagem Espacial do cientista recebeu uma inesperada visita de três senhores em trajes civis. O Departamento de Armamento Militar procurava meios de contornar o Tratado de Versalhes.

Após ser derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha não podia mais utilizar mais aviões militares nem artilharia. Porém no pacto nada constava sobre mísseis ou foguetes, ou seja, projéteis de canhão autopropelidos.

O jovem engenheiro aproveitou a chance, recebeu excelentes oportunidades de experimentação, filiou-se ao Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) e à organização paramilitar SS, e a partir de 1937 dirigiu uma grande área de testes de mísseis em Peenemünde, no Norte alemão. Lá ele deveria desenvolver a "Wunderwaffe" para os nazistas.

A partir de 1941, o míssil balístico V-2 passou a ser produzido em série. No entanto, após um bombardeio britânico em 1943, o local de produção teve que ser transferido para as minas no campo de concentração Mittelbau-Dora, nas montanhas do Harz, na região central da Alemanha.

Von Braun (centro) ao lado do presidente americano John F. Kennedy em 1963. Após a guerra, o alemão passou para o lado dos vencedoresFoto: picture alliance / NASA via CNP

A nova tecnologia de Von Braun custou milhares de vidas humanas, não só onde caía, mas também onde foi produzida. Durante sua construção, calcula-se que de 10 mil a 20 mil operários tenham sucumbido às condições sub-humanas do trabalho subterrâneo nas minas. Além disso, a arma fez entre 8 mil e 12 mil vítimas, sobretudo em Londres e em Antuérpia.

O construtor de armas, porém, argumentava não saber de nada disso e, até o fim da vida e rechaçou qualquer corresponsabilidade nos crimes da Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, mesmo em tempos de guerra, nunca perdeu de vista seus sonhos espaciais originais. Em 3 de outubro de 1942, um V-2 alcançou uma altura de 84,5 quilômetros, a fronteira do espaço sideral, estabelecendo um marco da viagem espacial.

Em junho de 1944, outro V-2 subiu 176 quilômetros, cruzando a linha de Kármán, o limite entre a atmosfera terrestre e o espaço exterior. Dessa forma, armas nazistas acabaram sendo os primeiros objetos fabricados pelo homem a chegar ao espaço.

Mudança de lado

À medida que a derrota da Alemanha nazista se aproximava, Von Braun resolveu mudar de lado. Em 2 de maio de 1945, juntamente com vários cientistas de sua equipe, entregou-se às tropas americanas no Tirol. "Meu país perdeu dias guerras mundiais. Desta vez quero estar do lado dos vencedores", explicou, ao desertar.

Logo as Forças Armadas americanas perceberam que talento acabava de cair-lhes nos braços. Pouco depois, o serviço secreto trasladava para os EUA Von Braun e os cerca de 100 membros de sua equipe. "Nossa recepção no Texas foi surpreendentemente amigável", recordaria o cientista.

A equipe explicou aos especialistas americanos a construção e funcionamento do míssil V-2, em seguida Von Braun construiu o Redstone, o primeiro foguete nuclear de médio alcance da história. Mais do que seu passado nazista, para a nova pátria, o que interessava eram as vantagens que pudesse tirar da cooperação com o cientista.

Von Braun e Walt Disney, com quem colaborou na produção de programas que popularizaram o tema das viagens espaciais Foto: picture-alliance

Já em 1955, ele recebia a cidadania americana, apesar de sua filiação ao NSDAP e à SS, que pelas leis nacionais impediriam sua naturalização. No mesmo ano, desenvolveu em conjunto com o animador Walt Disney a série de TV Man in Space, extremamente bem-sucedida em popularizar a viagem espacial tripulada para o público americano.

A questão da responsabilidade

Von Braun tinha visões e o talento para entusiasmar outros por elas. "Ainda antes do ano 2000 haverá na Lua cidades totalmente climatizadas, em que se viverá com mais conforto do que na Terra. Primeiro para os cientistas, depois para suas famílias. As crianças poderão frequentar a escola lá, mas inicialmente terão que voltar para a Terra para os estudos universitários. Mas na Terra vão logo sentir saudade do ar livre de germes e da pequena gravidade lunar", predizia Von Braun.

Von Braun (segundo à direita), à época em que era diretor de planejamento da NasaFoto: picture-alliance/dpa

Em 1970, um ano após o pouso na lua, von Braun tornou-se diretor de planejamento da NASA. Mas depois da vitória na corrida espacial, o entusiasmo inicial e o apoio financeiro diminuíram gradualmente. A guerra do Vietnã em curso também consumiu muitos recursos.

Mas Von Braun continuou a lutar pela sua visão do espaço: "O Apollo não é como muitos pensam um desperdício enlouquecido do dinheiro dos contribuintes. Em minha opinião, é um dos investimentos mais sensatos, inteligentes e perspicazes que um país já fez”, disse. "O projeto Apollo estimulou a pesquisa e a tecnologia na indústria americana como nenhum outro programa jamais fez antes."

No entanto, os políticos não apoiaram seus planos para uma missão tripulada rumo a Marte devido a problemas de financiamento. Desapontado com os cortes no orçamento pelo Congresso dos EUA, Von Braun deixou a NASA em 1972. Ele passou a atuar em uma corporação aeroespacial privada, a Fairchild, como vice-presidente.

Em 1977, Wernher von Braun morreu de câncer em Alexandria, no Estado americano da Virgínia.

Mais tarde, quando a fama conquistada pelo programa Apollo gradualmente arrefeceu e a Alemanha intensificou a análise do seu passado inglório, o trabalho de Von Braun para Alemanha de Hitler ganhou mais notoriedade, assim como a responsabilidade individual do pioneiro dos foguetes.

Depois da guerra, ele se distanciou do nacional-socialismo e em 1966 continuava a negar que tivesse conhecimento sobre o sofrimento dos trabalhadores escravos na fábrica de foguetes em Mittelbau-Dora. "A ciência em si não tem dimensão moral", justificou von Braun.

Mas seu biógrafo, o canadense Michael J. Neufeld, pintou um retrato mais exato de Von Braun, afastando a imagem de cientista ingênuo e apolítico que o alemão havia cultivado como forma de proteção. Segundo o escritor, Von Braun firmou um "pacto com o diabo" ao oferecer seu trabalho ao regime nazista para tentar realizar o seu sonho de alcançar o espaço sideral. Décadas depois do pouso na Lua, esse papel ainda lança uma sombra sinistra neste engenheiro brilhante.

 

 

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