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FilmeChina

Wuhan sitiada é tema de novo filme de Ai Weiwei

Bettina Kolb ip
30 de agosto de 2020

Para artista chinês, "foi uma boa decisão" isolar a cidade quando eclodiu o surto. Em entrevista exclusiva à DW, ele conta sobre as filmagens de "Coronation" e comenta as consequências da pandemia para a sociedade.

Artista chinês Ai Weiwei em 2019
Artista chinês Ai Weiwei em Berlim, 2019Foto: picture-alliance/dpa/F. Sommer

Após vários anos em Berlim, o artista chinês Ai Weiwei agora vive em Cambridge, no Reino Unido. No entanto, seu novo filme, Coronation, se passa em Wuhan, China, bem na época do surto do coronavírus e do subsequente sítio à cidade.

Em material fornecido pelos próprios cidadãos de Wuhan, as imagens mostram a severidade e a brutalidade com que o Estado chinês impôs o bloqueio e a subsequente quarentena, que se estendeu de 23 de janeiro até o início de abril de 2020. Mas os vídeos também mostram a eficácia das medidas em termos de contenção do vírus.

Em entrevista por escrito exclusiva para a DW, Ai Weiwei conta como foi produzir o documentário, e fala sobre as consequências da pandemia para a sociedade.

DW: Qual foi sua motivação por trás de Coronation?

Ai Weiwei: Como na maioria das minhas atividades, a motivação para produzir Coronation era tentar obter um conhecimento mais profundo de um evento novo e desconhecido. Foi o que aconteceu, por exemplo, após o terremoto de Sichuan em 2008 e durante a crise de refugiados em 2015. Eu queria entender a China e o povo chinês em primeira mão, e ver como eles reagiram ao coronavírus. Sob essas condições dramáticas, se pode compreender melhor a política e a humanidade de qualquer sociedade.

Qual foi o maior desafio em fazer um filme sem estar presente?

Com a tecnologia atual, é possível gravar um filme remotamente. O maior desafio que um diretor enfrenta ao abordar um assunto é a concepção.

O filme mostra como jovens, enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde chegaram de ônibus a Wuhan em poucos dias. A China é provavelmente a única nação que conseguiu isso com tanta rapidez e veemência. O filme mostra como o Estado montou a infraestrutura, incluindo os hospitais de campanha de emergência, e proviu à população no front os equipamentos necessários. Esses detalhes me surpreenderam e consistem numa profunda revelação do comportamento humano sob um controle autoritário.

Também conseguimos mostrar como eles recrutaram esses jovens para o Partido Comunista e para as celebrações, depois que o bloqueio foi suspenso. Esses momentos positivos, objetivos de um Estado autoritário rigidamente controlado são difíceis de filmar.

O filme também mostra como um operário de construção que veio a Wuhan para apoiar o esforço de emergência é impedido de deixar a cidade. Ele tenta navegar por essa burocracia tipicamente kafkiana para escapar. Infelizmente, soubemos mais tarde que Meng Liang conseguiu, sim, voltar para casa para ficar com sua família, mas acabou tendo problemas financeiros e se enforcou. Uma história tão trágica quanto banal sobre a vida nestes tempos.

Como se certificou de que seus cinegrafistas chineses estavam seguros?

Não posso garantir a segurança de ninguém. Eu dava instruções diariamente, mas todos tinham a opção de filmar como achassem seguro. Todos foram equipados com equipamentos de proteção e instruídos sobre as normas médicas necessárias. Mesmo assim, era muito perigoso para eles. Pedimos, portanto, que enviassem o material diariamente pela Internet, a fim de protegê-lo. Na maioria, os cinegrafistas são amadores e trabalhavam com filme pela primeira vez.

O senhor sempre criticou a China por suas políticas rígidas. Qual é sua crítica atualmente?

Como Estado autoritário, a China foi quem melhor lidou com a situação desafiadora de uma pandemia. Para isso, suprimiu fortemente os direitos humanos, os direitos individuais, a privacidade e o livre arbítrio. No fundo, a China se apropriou da liberdade de todos e, assim, fortaleceu seu poder. Esse é o caráter básico do rápido desenvolvimento dessa nação, e tem funcionado muito bem nos últimos 30 anos.

Ao mesmo tempo, a China criou uma sociedade desconfiada. O partido governante jamais ganhou legitimidade pelo reconhecimento popular, mas sim através das forças policiais, da propaganda agressiva e da restrição de informações equilibradas. O Estado chinês e seu povo não confiam um no outro, mas o Estado deve ser obedecido porque mantém o controle através da lei e da violência.

Luzes sobre Wuhan em cena de "Coronation"Foto: Ai Weiwei Studio

Poderia ter havido uma resposta mais adequada ao primeiro surto de coronavírus, em vez do bloqueio restrito de Wuhan?

Isolar Wuhan foi uma boa decisão. Existem outras 100 cidades na China de dimensões semelhantes às de Wuhan. Se eles não tivessem restringido as rotas de viagem de e para o epicentro da pandemia, teríamos vivenciado uma verdadeira catástrofe humanitária. Por outro lado, não deveriam ter chegado ao ponto de literalmente trancar as portas dos cidadãos, prendê-los ou esconder a verdade sobre a situação. Isso provocou um grande pânico.

Antes que as autoridades sitiassem Wuhan em 23 de janeiro, já haviam passado um ou dois meses em que elas sabiam que o coronavírus era transmitido de pessoa para pessoa, mas abafaram o número de infectados e de mortos.

Qual é sua maior preocupação no momento, com relação às mudanças que resultarão da pandemia?

Sou muito pessimista sobre o que vamos aprender com isso. Acho que as coisas vão voltar ao normal, as pessoas vão tirar as máscaras e jogá-las no lixo. Não acho que, no geral, elas vão aprender muito. Mesmo que aprendam algo, permanecerá superficial, como é o caso na China.

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