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"Xenofobia no Leste Europeu não sofre controle nem censura"

Alexander Andreev (av)24 de março de 2016

Mídia e política em países europeus orientais difamam os refugiados, e expressões xenófobas não sofrem censura. Especialista em interculturalidade examina histórico dessa atitude, questionando clichês recíprocos.

Passeata contra refugiados na República Tcheca
Passseata contra refugiados na República TchecaFoto: picture-alliance/dpa/CTK Photo/V. Salek

Os atentados suicidas de 22 de março de 2016 em Bruxelas deram novo alento à argumentação insistente, de nacionalistas e eurocéticos do Leste Europeu, de que os novos migrantes constituiriam um grave risco de segurança à Europa. Isso independentemente da ausência de indícios concretos de uma conexão: os três autores já identificados dos atentados, por exemplo, eram todos nascidos na Bélgica.

Antes disso, porém, o tom adotado por diversos Estados da Europa do Leste no debate sobre a onda migratória já era de rejeição aberta aos refugiados – em contraste com o discurso "politicamente correto" do mainstream dos políticos das "velhas democracias" ocidentais. Manifestações de xenofobia violenta ou velada se acumulam nos parlamentos, mídias e ruas da Polônia, Hungria ou Bulgária, entre outros.

Essa atitude, por sua vez, evoca, do outro lado, velhos clichês e preconceitos – de que as sociedades do Leste sejam fundamentalmente mais tradicionalistas e "atrasadas" e, portanto, mais propensas à rejeição dos diferentes e à discriminação inquestionada.

Em entrevista à DW, Juliana Roth, professora do Instituto de Comunicação Intercultural da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, examina as raízes históricas e psicológicas de ambos os lados da questão. E expõe um quadro diferenciado e complexo, que força a repensar estereótipos.

"Vivemos numa época em que a inambiguidade de atribuições como 'patriarcalismo versus liberalismo' não se sustenta", aponta a especialista em interculturalidade. "A globalização alterou muito as ordens sociais, mas, ao observar a Europa Oriental pós-socialista, o Ocidente ainda costuma partir de paradigmas ultrapassados."

DW: A senhora constata uma xenofobia crescente na Europa do Leste. Em que consiste essa tendência?

Juliana Roth: O conceito de "Europa do Leste" é uma construção com considerável história. Ele nasce na Europa no século 18 e, desde o início, é marcado pela visão da parte oriental do continente como sendo "diferente", "estranha", "sinistra", frequentemente também "atrasada". Esses atributos praticamente não mudaram, até hoje.

Juliana Roth é docente da Universidade Ludwig Maximilian, de MuniqueFoto: J. Roth

Na realidade, as sociedades reunidas sob esse conceito pouco têm em comum. Elas diferem em religião, idioma, tradições, cultura e também nas respectivas histórias. Os pontos em comum são mais recentes, sobretudo a camisa de força do sistema soviético e as consequências políticas e mentais resultantes – uma das quais é a atual xenofobia crescente, que está estreitamente relacionada à época soviética.

Essas sociedades eram isoladas do mundo exterior, com mobilidade extremamente reduzida, quase sem contato com os mundos externos, nem mesmo com os "povos irmãos". O olhar só estava voltado para dentro e para si mesmo, os estrangeiros quase não contavam. Mesmo os contatos com estudantes estrangeiros da África e da América Latina eram banidos. A internacionalidade, no sentido literal do termo, e o "pensar para além do próprio mundinho" eram grandezas desconhecidas.

A profunda mudança após a queda do sistema soviético acarretou muitas inseguranças em todos os setores da vida. A maior parte da energia das pessoas estava dirigida a vencer o dia a dia – o que deixava pouco espaço para ampliação de horizontes e civilidade.

Na busca por uma nova autodefinição, uma nova identidade, recorreu-se muito à fronteira que separa do outro, à divisão entre "nós" e "os outros". No Báltico, por exemplo, contra os russos; na Eslováquia, contra a Hungria; na Romênia, contra os nômades roma, etc. Sempre houve um nacionalismo latente entre a população majoritária; diante das ondas de refugiados, hoje ele está sendo ativado e aprofundado.

Isso só se aplica ao Leste Europeu?

O tema "Leste Europeu xenófobo" recebeu grande atenção devido às querelas recentes dentro da União Europeia, e nesse processo se costuma recorrer aos estereótipos citados sobre a "Europa do Leste". Ao mesmo tempo, porém, observamos em toda a Europa uma forte guinada em direção à xenofobia.

Então, onde está, aqui, o que seria especificamente "europeu oriental"? O medo do que é estranho é algo genericamente humano: uma reação emocional ao desconhecido, inesperado e ameaçador. No entanto, ainda que medo e rejeição do estranho sejam características gerais da psique humana, que encontramos por toda parte do mundo, a forma de lidar com esse medo varia muito de sociedade para sociedade.

De forma geral: nas "velhas" democracias europeias a xenofobia tem conotação negativa e é colocada sob controle político. Nas "novas" democracias, por outro lado, o fenômeno nunca esteve sob controle político ou social. Eu tento acompanhar o atual discurso sobre os refugiados nos meios de comunicação do Leste Europeu e fico apavorada com a liberdade que eles se dão ao difamar os refugiados de forma global. A linguagem dos políticos e comentaristas, mas também do "homem comum", é de uma dureza xenófoba como que inquestionada.

Parte da política polonesa incentiva associação entre imigração e terrorismoFoto: picture-alliance/dpa/R. Guz

Nas sociedades europeias orientais – que, como a senhora diz, têm menos vivência com estrangeiros e cuja história democrática é mais recente – tradicionalismo e paternalismo predominam sobre o liberalismo. Isso também desempenha um papel?

Discordo da formulação da pergunta, pois ela parte de um julgamento de valor. Nela, os modelos sociais ocidentais – democracia e liberalismo – recebem uma conotação positiva, enquanto ao "Leste" se atribuem os valores menos simpáticos, como tradicionalismo, familismo e patriarcalismo.

Nós vivemos numa época em que a inambiguidade de tais atribuições não se sustenta. A globalização alterou muito as ordens sociais; mostrando, acima de tudo, que comparações em preto e branco são pouco elucidativas. Tenho a impressão que a percepção ocidental do Leste Europeu pós-socialista parte de paradigmas ultrapassados.

Ao contrário do que o senhor supõe, diferentemente da Alemanha todas as sociedades do Leste Europeu têm uma experiência histórica de convivência com o estrangeiro. Em sua história, elas foram parte de estruturas estatais maiores: a russa, otomana, o Império dos Habsburgos.

A multiculturalidade dos antigos impérios era enorme, comparados aos Estados nacionais que se originaram deles; sua variedade de idiomas, religiões, tradições e culturas é hoje quase inimaginável. No entanto, essa diversidade era gerenciada com base em pontos de vista diferentes dos que nos agradam hoje em dia: hierarquicamente, numa convivência étnica regulamentada – bem distinto das nossas noções contemporâneas de integração.

Como avalia as decisões e medidas dos políticos europeus orientais no tocante à política para refugiados?

Os políticos da Europa do Leste estão numa situação "sanduíche". Por um lado, têm que atentar para o clima em seus eleitorados nacionais – e neles dominam aqueles que rejeitam os estrangeiros. Além disso, precisam também satisfazer a suas alianças na política interna. Por outro lado, estão comprometidos a respeitar as restrições conjuntas das resoluções da União Europeia.

Na política para os refugiados, nós observamos que as correntes nacional e europeia vão se afastando gradativamente. No momento delineiam-se três orientações: a confrontação aberta com as diretrizes da UE; a adoção de posições nebulosas; e a prática da "cara dupla". O fator comum entre todas as três variantes é a indisposição de obedecer à dominância de Bruxelas.

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