Reino já foi acusado de ser complacente com doações privadas a grupos extremistas sunitas e de não agir com rigor contra o terrorismo islâmico. Mas situação mudou depois do 11 de Setembro e de atentados no próprio país.
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Acusações de que a Arábia Saudita financia o terrorismo são antigas – só o fato de 15 dos 19 terroristas que executaram os atentados do 11 de Setembro serem sauditas já levantou muitas suspeitas na época. Essas acusações não miram necessariamente o governo saudita – muitas vezes fala-se de doações privadas de famílias poderosas ou se acusa o governo de fazer pouco para combater essas doações.
Além disso, as acusações nem sempre implicam financiamento direto. Muitas vezes elas se referem ao apoio do reino ao wahhabismo, a corrente do islã sunita que é religião de Estado na Arábia Saudita e que guarda muitas semelhanças com a ideologia do "Estado Islâmico". Ao apoiar financeiramente a disseminação do wahhabismo, a um custo estimado de cem bilhões de dólares ao longo de décadas, o reino teria apoiado indiretamente também o terrorismo, afirmam os críticos.
Declarações de altos funcionários do governo dos EUA, reveladas pelo Wikileaks, mostram que os Estados Unidos desconfiam de que dinheiro saudita tenha alimentando grupos terroristas.
Numa delas, John Podesta, que foi chefe de campanha da democrata Hillary Clinton, que, por sua vez, foi secretária de Estado de 2009 a 2013, afirma: "Temos de usar nossos meios diplomáticos e os mais tradicionais de inteligência para fazer pressão sobre os governos do Catar e da Arábia Saudita, que estão fornecendo apoio financeiro e logístico clandestino ao Isis e outros grupos radicais sunitas na região". Isis é uma antiga designação para o "Estado Islâmico".
Já um telegrama diplomático do Departamento de Estado, revelado em 2009 pelo Wikileaks, afirma que "doações na Arábia Saudita constituem a mais significativa fonte de financiamento de grupos terroristas sunitas no mundo". E há um terceiro documento no qual Hillary afirma, em 2013, que "os sauditas e outros estão enviando grandes quantidades de armas – e de forma bem indiscriminada – de forma alguma para pessoas que nós consideramos as mais moderadas".
O governo saudita rejeita categoricamente que tenha enviado dinheiro ao "Estado Islâmico" e à Al Qaeda. De fato, o relatório da comissão americana que investigou o 11 de Setembro afirmou "não ter encontrado evidências de que o governo saudita, como instituição, ou altos funcionários sauditas individualmente tenham financiado a [Al Qaeda]."
Também o centro de estudos Washington Institute afirmou, em 2014, que "não há evidência credível de que o governo saudita esteja apoiando financeiramente o Isis. Riad vê o grupo como uma organização terrorista que representa uma ameaça direta à segurança do reino".
Porém, o relatório da comissão do 11 de Setembro afirma também que não exclui a possibilidade de que instituições doadoras "com significativo patrocínio do governo saudita" tenham desviado fundos para a Al Qaeda. E o Washington Institute afirma que "há apoio para o Isis dentro da Arábia Saudita, e o grupo mira cidadãos sauditas em campanhas de arrecadação".
Bem mais provável, portanto, é que as declarações sobre o apoio saudita se refiram a doações privadas, feitas por pessoas importantes dentro da sociedade, e muitas delas podem ter conexões com a família real. Nas palavras do Washington Institute, "acredita-se que doadores sauditas e outros contribuintes privados sejam a fonte mais significativa de financiamento para os antecessores do Isis".
Mas, se no passado o governo da Arábia Saudita foi complacente com essas doações, essa situação parece ter mudado depois do 11 de Setembro e de uma série de atentados do "Estado Islâmico" e da Al Qaeda no próprio país, em 2003. Desde então, o reino adotou uma linha bem mais rígida contra o terrorismo islâmico, por exemplo monitorando o sistema financeiro do país, e passou a colaborar ativamente com os Estados Unidos e a Europa.
Só que os avanços não bastam, na opinião dos americanos. "Riad poderia fazer muito mais para limitar o financiamento privado", afirma o Washington Institute, para quem cidadãos sauditas continuam encontrando caminhos para financiar o extremismo islâmico.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.