Ao contrário dos alemães, franceses têm orgulho de suas usinas nucleares, responsáveis por 75% da energia produzida no país, e pouco se importam com os riscos. Mas nem eles escaparam dos efeitos da tragédia de Fukushima.
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Ao longo de anos, alemães e franceses mantiveram uma incompreensão mútua sobre a posição do vizinho em relação à energia nuclear. Enquanto na Alemanha o movimento antinuclear mobilizava a sociedade a ponto de gerar um partido político, na França prevalecia o orgulho da própria tecnologia energética.
Orgulho que se reflete em números: a França tem 58 reatores nucleares em 19 usinas, mais do que qualquer outro país na Europa. A cada 200 quilômetros existe uma usina nuclear, e elas respondem por 75% da energia produzida no país.
Mas o que é orgulho na França vira apreensão quando se cruza a fronteira. Enquanto vão desligando suas próprias unidades, os alemães olham preocupados para os vizinhos.
E não sem motivos, pois o parque nuclear francês está ficando velho. Daqui a dez anos, três em cada quatro unidades terão alcançado os 40 anos de existência.
Símbolo dos temores alemães é a usina nuclear de Fessenheim, na Alsácia. Ela é a mais antiga e ineficiente das usinas do país e fica a apenas um quilômetros da fronteira com a Alemanha. Ela deverá ser fechada – mas só se uma nova for construída em Flamanville, na Normandia.
Estudos mostram que renovar o parque nuclear francês custará muito mais caro do que simplesmente desligá-lo. Mas eliminá-lo significaria que o país teria que obter energia de outras fontes, o que não é assim tão simples.
Diante disso, o governo do ex-presidente François Hollande causou certa surpresa ao decidir reduzir a dependência do país da energia nuclear. Até 2025, ela deverá passar de 75% para 50%, diz a meta, que até agora não saiu do papel.
O governo do atual presidente, Emmanuel Macron, manteve o ambicioso plano. O novo ministro do Meio Ambiente, Nicolas Hulot, já anunciou o fechamento de até 17 reatores até 2025. Ele enfrenta a resistência do poderoso lobby atômico francês, que argumenta que a decisão custará 10 mil empregos.
São planos bem diferentes dos da Alemanha, que quer fechar o que ainda resta de suas usinas nucleares até 2022. Na época da decisão, em 2011, o governo conservador-liberal da chanceler federal Angela Merkel – que havia acabado de decidir estender o funcionamento das usinas – estava sob pressão devido ao acidente em Fukushima.
Já na França, a tragédia japonesa pouco impressionou a população, que parece imune ao temor de que um dia algo semelhante possa acontecer numa usina do país. Mas Fukushima teve efeitos sobre a indústria nuclear francesa, que desde então viu a demanda externa pela sua tecnologia cair, o que se refletiu nas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa Areva.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
Quatro décadas de movimento antinuclear alemão
Protestos contra a energia atômica deram origem ao Partido Verde mais forte do mundo. Eles obtiveram muitas vitórias desde os anos 70, mas também registraram reveses.
Foto: AP
Nasce um movimento
O movimento antinuclear despontou na Alemanha já no início dos anos 1970, com os protestos contra os planos para a construção de uma usina nuclear em Wyhl, perto da fronteira com a França. A polícia foi acusada de empregar força excessiva para conter os manifestantes. Mas, no fim, estes venceram, e o projeto nuclear foi arquivado em 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Desobediência civil
Animados pelo sucesso em Wyhl, no fim da década de 70 protestos semelhantes de desobediência civil se realizaram em Brokdorf e Kalkar. Embora não tenham conseguido evitar a instalação dos reatores, eles provaram que o movimento antinuclear ganhava força no país.
Foto: picture-alliance / dpa
Não ao lixo radioativo
A cidade de Gorleben tornou-se palco de protestos veementes contra a indústria nuclear desde que, em 1977, foram anunciados planos de usar uma mina de sal desativada como depósito para resíduos atômicos. Apesar de a área próxima à fronteira da extinta Alemanha Oriental ser pouco populosa, seus habitantes logo deixaram claro que não aceitariam sem luta ter material radioativo perto de seus lares.
Foto: picture-alliance / dpa
Um passo para a bomba?
Desde o início, o movimento antinuclear alemão reuniu organizações religiosas, agricultores e moradores apreensivos, lado a lado com ativistas estudantis, acadêmicos e pacifistas, que viam uma conexão entre energia nuclear e a bomba atômica. Como país ao longo da fronteira da Guerra Fria, o medo de um conflito nuclear pairava na mente de muitos alemães.
Foto: AP
Ingresso na política partidária
No fim dos anos 70, ativistas antinucleares se juntaram a outros defensores do meio ambiente e da justiça social para formar o Partido Verde. Tendo conquistado seus primeiros assentos no parlamento federal em 1983, hoje ele é uma força política estabelecida na Alemanha, e possivelmente o Partido Verde mais forte do mundo.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Pfund
Os piores medos se tornam realidade
Em 1986, o derretimento nuclear de um reator a centenas de quilômetros, em Tchernobil, na Ucrânia, espalhou partículas radioativas pela Europa e fortaleceu a resistência à energia nuclear entre a opinião pública da Alemanha. O Partido Verde estava no poder em Hessen, mas o secretário do Meio Ambiente, Joschka Fischer, disse que não seria possível fechar de imediato as usinas do estado.
Foto: picture-alliance / dpa
Lei sela fim da energia atômica
Em 1998, os verdes passaram a integrar o governo federal da Alemanha, como parceiro minoritário do Partido Social-Democrata. Em 2002, essa coalizão "rubro-verde" aprovou uma lei proibindo novas usinas nucleares e reduzindo a vida útil das existentes, de modo que as últimas fossem desativadas em 2022.
Foto: picture-alliance / dpa
Mantendo a pressão
Mesmo com o fim da energia atômica à vista, o movimento antinuclear ainda tinha muito contra o que protestar. Numerosos ativistas, inclusive do Partido Verde – cujos então líderes Jürgen Trittin e Claudia Roth são vistos nesta foto de 2009 – exigiam um fim bem mais rápido dos reatores, dentro de uma onda antinuclear global.
Foto: AP
Parem este trem!
Continuava em aberto a questão de o que fazer com os resíduos radioativos dos reatores da Alemanha. Em 1995, os bastões irradiados eram reprocessados no exterior e depois trazidos de volta em trens para o depósito em Gorleben. Anos a fio, os assim chamados "transportes Castor" foram recebidos com protestos de ativistas, que sentavam sobre os trilhos dos trens até serem removidos pela polícia.
Foto: dapd
Merkel reverte decisão dos verdes
A União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, sempre se opusera à lei limitando a vida útil das usinas nucleares. Assim, em 2009, ao formar uma coalizão com os liberais, o partido anulou a medida, num duro golpe para o movimento antinuclear.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Ebener
Fukushima força Merkel a rever a própria decisão
Em 2011, o derretimento nuclear de três reatores em Fukushima, no Japão, forçou o governo de Merkel a voltar atrás rapidamente. Poucos dias após o desastre, Berlim aprovava uma lei estabelecendo o fechamento da última usina nuclear da Alemanha em 2022. O processo de desativação gradual foi retomado, com oito reatores sendo desligados já em 2011.