Zeitgeist: Fatos políticos marcam a história das Olimpíadas
Alexandre Schossler15 de agosto de 2016
Desde a instrumentalização dos Jogos pelos nazistas, em 1936, o ideal de uma competição esportiva sem interferências políticas se mostra uma utopia. Confira um histórico sobre a presença política nos Jogos Olímpicos.
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"O importante não é vencer, mas participar", diz o slogan criado pelo Barão de Coubertin, o idealizador dos Jogos Olímpicos da era moderna. A ideia logo se revelou tão utópica quanto a de que as competições possam transcorrer estritamente separadas da política.
Os primeiros Jogos marcadamente políticos trancorreram em 1936, em Berlim. O partido nazista, no poder, percebeu o potencial propagandístico do evento e o usou para apresentar uma imagem positiva do regime ao mundo. Hitler queria mostrar que, sob sua liderança, a Alemanha era uma nação em paz e em ascensão econômica, na qual a comunidade internacional podia confiar. A repressão política à oposição e à imprensa, bem como a perseguição aos judeus, foram atenuadas ou disfarçadas. Elas teriam sido mais do que suficientes para um boicote dos demais países ou mesmo para privar a Alemanha do direito de sediar os Jogos.
Já os Jogos de Helsinque, em 1952, viram a estreia de uma potência olímpica: a União Soviética (URSS). Era a Guerra Fria ocupando o palco esportivo. E como nas guerras frequentemente todos os meios são válidos para se chegar à vitória, logo as competições viraram um espaço para o jogo sujo do doping, que ganhou uma nova dimensão a partir dos anos 1960. Os controles médicos para verificar se atletas competiam dopados só foram introduzidos em 1968, nos Jogos do México.
Esse foi também o ano em que um país-satélite da URSS, a Alemanha Oriental, passou a competir com delegação própria (em 1956, 1960 e 1964 houve uma única delegação alemã, reunindo atletas dos dois lados). Também os alemães-orientais haviam percebido o potencial dos "diplomatas esportivos" para sua aceitação como nação e consequente fim do isolamento internacional. O resultado foi a criação de um sistema estatal de doping que explica o sucesso excepcional dos atletas alemães-orientais.
Em 1972, em Munique, o uso político dos Jogos ganhou uma nova dimensão quando um grupo terrorista palestino tomou como reféns 11 membros da delegação de Israel. O objetivo declarado era chamar a atenção para a situação nos territórios palestinos ocupados, e o resultado foi uma tragédia. A operação de resgate da polícia alemã foi um fiasco que terminou com a morte de todos os reféns, cinco dos oito terroristas e um policial.
Em 1976, 16 países africanos boicotaram os Jogos de Montreal para protestar contra a participação da Nova Zelândia, que havia furado o boicote internacional à África do Sul ao permitir que sua seleção de rugby jogasse contra o selecionado sul-africano.
Em 1980, foi a vez de os Estados Unidos boicotarem os Jogos de Moscou em reação à intervenção da URSS no Afeganistão. Nações muçulmanas também aderiram ao boicote. Ao todo, o gesto dos EUA foi acompanhado por 41 países. O troco veio em 1984, nos Jogos de Los Angeles, quando a União Soviética e boa parte do bloco comunista ficaram de fora da competição em solo americano.
Os Jogos de 1980 foram os últimos a sofrerem com boicotes de grandes dimensões. Mas nem por isso os Jogos Olímpicos se livraram das manifestações políticas, como mostram as manifestações contra a presença chinesa no Tibete durante a jornada da tocha olímpica que antecedeu os Jogos de Pequim em 2008; e também os protestos contra o governo do presidente interino Michel Temer, no Rio de Janeiro, em 2016.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
Futebol e política - 150 anos de histórias
O esporte mais popular do mundo comemora 150 anos de existência e, nesse espaço de tempo, teve momentos de conotação política e influência direta na humanidade, desde trégua em guerras à confraternização de etnias.
Foto: picture-alliance/dpa
A trégua de Natal
Véspera de Natal de 1914. A Europa estava em plena Primeira Guerra Mundial, mas soldados alemães e britânicos organizaram um cessar-fogo não oficial ao longo de toda a frente ocidental. O início da "Trégua de Natal" foi na região de Ypres, na Bélgica, onde as tropas adversárias decoraram as trincheiras, trocaram presentes e jogaram uma partida de futebol.
Foto: PD
O mártir do Wunderteam
No dia 3 de abril de 1938, a Alemanha enfrentou o "Wunderteam" da Áustria no famoso "Jogo da Anexação". Matthias Sindelar (esq. camisa escura) marcou um dos gols da vitória austríaca e comemorou efusivamente na frente dos políticos nazistas. Na Copa de 1938 ele se recusou a defender a Alemanha e, em janeiro de 1939, foi encontrado morto, asfixiado por monóxido de carbono na própria cama.
Foto: picture alliance/Schirner Sportfoto
A partida da morte
O FC Start é provavelmente o maior símbolo esportivo de resistência ao nazismo. Mesmo ciente das consequências, o time (de branco) se recusou a fazer a saudação nazista e ousou vencer - pela segunda vez - a Flakelf, equipe da Força Aérea alemã, no dia 9 de agosto de 1942. Pouco tempo depois, os jogadores foram levados para campos de concentração. A grande maioria morreu sob tortura.
Foto: PD
Capitalismo versus socialismo
Em plena Guerra Fria, no dia 25 de novembro de 1953, a melhor seleção da época, a Hungria, enfrentou a Inglaterra no Estádio de Wembley. O confronto tornou-se importante propaganda para as duas ideologias. Os socialistas, liderados por Ferenc Puskas (esq.), venceram os capitalistas por 6 a 3. Foi a primeira derrota inglesa em casa em 90 anos de futebol.
Foto: Getty Images
"El Clásico"
Assim como o ditador Benito Mussolini sentenciou o "Vencer ou Morrer" para a seleção italiana na Copa de 1938, o general Franco também usou o futebol para enaltecer a Espanha que dirigia. E, em oposição aos catalães, ele usou o Real Madrid como ferramenta propagandista nos anos 50 e 60, originando uma das maiores rivalidades do futebol mundial.
Foto: picture-alliance/dpa
A Guerra das Cem Horas
O futebol é uma atividade de confraternização, mas em 1969 os jogos pelas Eliminatórias entre El Salvador e Honduras transbordaram na "Guerra das Cem Horas". Obviamente as razões do conflito foram de ordem econômica e política, mas a animosidade nos jogos foi o estopim para quatro dias sangrentos com seis mil mortos. No jogo decisivo, em campo neutro, El Salvador venceu e foi à Copa de 70.
Foto: picture-alliance/Sven Simon
A guerra parou para ver Pelé
Em excursão pela África em 1969, o Santos parou a Guerra de Biafra, na Nigéria. O governador da região nigeriana inclusive autorizou a liberação da ponte que ligava a cidade de Benin - local do jogo - e Sapele, para que todos pudessem ver o Rei Pelé (na foto com Eusébio). Assim que o Santos subiu no avião, a guerra recomeçou.
Foto: AP
Final de Copa perto de centro de tortura
Quando o general Jorge Videla assumiu o poder e instalou uma violenta ditadura militar, a Argentina já estava definida como anfitriã da Copa de 78. Houve diversas ameaças de boicote e protestos. Paul Breitner, campeão de 74, se recusou a ir à Argentina, e a seleção holandesa, vice-campeã, protagonizou um último gesto de repúdio ao governo militar, dando as costas a Videla .
Foto: -/AFP/Getty Images
Winnie Mandela Futebol Clube
Durante o Apartheid, o futebol era um dos principais catalisadores na luta contra a segregação racial na África do Sul. Naquele período, o clube Winnie Mandela FC (nome da mulher de Nelson Mandela) servia como refúgio para líderes políticos e sindicais perseguidos pelo regime. Com o fim do Apartheid, em 1994, a seleção sul-africana se tornou um poderoso fator de coesão nacional.
Foto: Getty Images
Drogba, o artilheiro pacificador
Já eram quase cinco anos de conflito entre os rebeldes do norte e o governo na Costa do Marfim, em 2007, quando Didier Drogba propôs que a partida contra Madagascar fosse disputada em Bouaké, a capital dos rebeldes. Armas e diferenças foram colocadas de lado para celebrar a vitória por 5 a 0, um gol para cada ano da guerra que ali cessaria.
Foto: Issouf Sanogo/AFP/Getty Images
Os eleitos de Alá contra o Grande Satã
Na Copa de 98, dois países de relação politicamente marcada pela animosidade se enfrentaram sob suspense em Lyon: Estados Unidos e Irã. Com a pregação antiamericana, os aiatolás tentaram capitalizar o confronto e o trataram como o duelo entre os "eleitos de Alá" e o "Grande Satã". Antes do jogo, porém, iranianos entregaram flores e posaram abraçados com os jogadores dos EUA.
Foto: Stu Forster/Allsport
Afeganistão recupera identidade na bola
Devido à invasão russa, a guerras civis e ao regime talibã, o futebol deixou de ser praticado no Afeganistão entre 1984 e 2002. A primeira partida oficial em território afegão ocorreu apenas no dia 20 de agosto de 2013. Três semanas depois, os afegãos conquistaram seu primeiro título internacional, a Copa da Federação do Sul da Ásia, recuperando um pouco de sua identidade.
Foto: Prakash Mathema/AFP/Getty Images
Futebol como unificador de povos
Com o colapso da Iugoslávia, cresceram as tensões étnicas na região - que o futebol, mesmo que por um instante, conseguiu apaziguar. Com a inédita classificação da Bósnia para a Copa de 2014, sérvios, croatas e muçulmanos foram às ruas festejar. Unidos.