Zeitgeist: Hong Kong e o modelo "um país, dois sistemas"
Alexandre Schossler5 de setembro de 2016
Antiga colônia britânica desfruta de condições especiais desde seu retorno à China, em 1997, mas insatisfação da população com o governo chinês é crescente. Mais sobre essa relação conturbada na coluna desta semana.
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O Reino Unido retornou a colônia de Hong Kong à China em 1º de julho de 1997, quando o contrato de arrendamento dos Novos Territórios, firmado entre britânicos e chineses em 1898 e válido por 99 anos, expirou. Apesar de o contrato não se referir a Hong Kong, que havia sido entregue aos britânicos em 1842, era impossível separar Hong Kong dos Novos Territórios por causa do forte entrelaçamento econômico.
O processo de retorno foi firmado num acordo, em 1984, no qual os chineses se comprometeram a implementar o chamado modelo "um país, dois sistemas", que previa a manutenção dos sistemas econômico e social vigentes e um elevado grau de autonomia (exceto em questões de defesa e relações externas) para o território, por ao menos 50 anos.
Desde então, Hong Kong tem o status de região administrativa especial da China, com uma legislação própria que garante, por exemplo, as liberdades de expressão e de reunião e que permite que o território continue sendo um importante centro financeiro e comercial.
Apesar da autonomia, os chineses têm a palavra final em Hong Kong, e a oposição reclama principalmente de uma excessiva interferência chinesa, afirmando que a China não está cumprindo à risca o que acertou com os britânicos.
Em Hong Kong não há, por exemplo, sufrágio universal, apesar da promessa contrária dos chineses. A primeira eleição direta para a chefia de governo está marcada para 2017, ou 20 anos depois do retorno. Em 2020, será a vez de todos os assentos do Parlamento passarem a ser eleitos por sufrágio universal.
Hoje, das 70 cadeiras, apenas 40 são ocupadas por parlamentares eleitos pelo voto direto, para mandatos de quatro anos. As outras 30 são destinadas a determinados setores econômicos, e apenas pessoas desses setores estão habilitadas a votar para essas cadeiras. Elas representam uma pequena parcela da população e são, em grande parte, alinhadas com o governo chinês.
Já o chefe de governo é eleito por um comitê de 1.200 pessoas, a maioria delas próximas ao governo chinês. Os protestos de 2014 começaram depois que, em agosto daquele ano, o governo chinês determinou que apenas de dois a três candidatos pré-aprovados por um comitê poderiam concorrer na eleição de 2017.
Os ativistas argumentaram que, assim, candidatos de oposição simplesmente seriam barrados pelas lideranças da China e ocuparam ruas de Hong Kong do fim de setembro a meados de dezembro de 2014. O movimento ganhou projeção internacional e ficou conhecido como Revolução dos Guarda-Chuvas. O projeto de lei para implementar essa mudança foi depois derrotado pela oposição no Parlamento de Hong Kong.
Desde os protestos de 2014, o movimento que defende a independência de Hong Kong da China tem ganhado força no território.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
Protestos pró-democracia em Hong Kong
Manifestações vêm sufocando o território autônomo, levando a uma quase paralisação da vida pública. O que começou como uma greve de estudantes ganhou a adesão de milhares de ativistas.
Foto: Reuters/Carlos Barria
Confrontos entre manifestantes pró e contra os protestos
Manifestantes contrários aos protestos pró-democracia (e) entraram em confronto nesta sexta-feira (03/10) com aqueles que há dias ocupam o centro de Hong Kong. Eles destruíram barracas, rasgaram faixas e atiraram garrafas contra os integrantes do movimento Occupy Central. A polícia precisou intervir.
Foto: Alex Ogle/AFP/Getty Images
Chefe do Executivo não renuncia
Minutos antes da meia-noite da quinta-feira (02/10), o chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying (d), e sua secretária de governo Carrie Lam deram uma entrevista ressaltando que não vão deixar o governo. Eles concordaram, porém, em conversar com os estudantes, que haviam dado um ultimato: exigiam a renúncia do líder até o fim da quinta-feira, caso contrário, ocupariam prédios do governo.
Foto: AFP/Getty Images/A. Wallace
Dia Nacional da China
Manifestantes ocuparam ruas centrais de Hong Kong na quarta-feira (01/10), Dia Nacional da China. Inicialmente, esta era a data marcada para o começo dos protestos por mais democracia e eleições livres.
Foto: Reuters/Tyrone Siu
De costas para a China
Durante uma cerimônia em comemoração ao Dia Nacional da China, os manifestantes viraram as costas para o evento e para bandeira chinesa, proferindo as palavras "queremos democracia de verdade". O chefe do Executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, rejeitou uma reunião com os manifestantes.
Foto: picture-alliance/dpa/Dennis M. Sabangan
Ruas bloqueadas
Apesar de apelos do governo, dezenas de milhares passaram a noite em vigília e amanheceram bloqueando as ruas de Hong Kong nesta terça-feira (30/09). Os manifestantes estocaram alimentos e ergueram barreiras improvisadas, esperando uma reação da polícia no Dia Nacional da China.
Foto: Reuters/Carlos Barria
Bombas contra os manifestantes
Na noite de domingo para segunda-feira (29/09), policiais atacaram o movimento pela democracia com bombas de gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e cassetetes. Fontes da própria polícia falam em 38 feridos.
Foto: Reuters/Carlos Barria
Caos no transporte público
Em vários pontos nevrálgicos da cidade – não apenas no distrito financeiro, mas também na península de Kowloon –, os manifestantes bloquearam cruzamentos e algumas das principais avenidas, deixando a região administrativa especial da China em situação caótica no final de semana. O departamento de trânsito afirmou que duzentas linhas de ônibus e boa parte das linhas de bondes sofreram interrupções.
Foto: Reuters/Carlos Barria
Vida pública paralisada
Também escolas e comércio nas áreas afetadas pelos protestos estão parcialmente fechados. Aos pais, foi recomendado que deixassem as crianças em casa. Bancos e empresas de investimentos de grande porte tiveram que tomar precauções, estabelecendo um plano de contingência para se manter em operação.
Foto: Reuters/Carlos Barria
Uma semana de protestos
Os protestos que vêm sufocando o território autônomo chinês foram iniciados na segunda-feira (22/09) com uma greve de estudantes. Desde então, ganharam maiores proporções. Durante o fim de semana seguinte, o movimento Occupy Central se juntou aos estudantes. Os manifestantes exigem eleições democráticas e a renúncia do líder do governo de Hong Kong, Leung Chun-ying.
Foto: Reuters
Estopim dos protestos
Os manifestantes não aceitam uma determinação da liderança comunista da China em Pequim, que estabelece que apenas candidatos pré-selecionados pelas lideranças em Pequim poderão concorrer às eleições para o governo de Hong Kong em 2017. Na prática, isso significa que nomeações de candidatos críticos ao governo estão excluídas.
Foto: XAUME OLLEROS/AFP/Getty Images
"Um país, dois sistemas"
Desde que foi devolvida à China em 1997, a ex-colônia do Império Britânico recebeu status especial. Ao contrário da China, em Hong Kong há liberdade de imprensa e de reunião. No entanto, Pequim quer manter o controle político sobre a região e observa os protestos atuais de perto, rejeitando "atividades ilegais" que "põem em risco a paz social".
Foto: Reuters/Bobby Yip
Reação de Pequim
O governo chinês classifica as manifestações de "reuniões ilegais", mas se diz confiante de que as autoridades locais poderão lidar legalmente com os protestos, segundo informações da agência de notícias Xinhua ao citar um porta-voz do Conselho de Estado.