Exclusão do mercado comum europeu teria forte efeito sobre a economia catalã, e investidores sinalizam desde já que insegurança em relação ao futuro pode levar à saída de empresas, mão de obra e dinheiro.
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Além da questão legal, uma possível separação da Catalunha da Espanha envolveria aspectos práticos que dão uma ideia melhor de como essa empreitada é arriscada e pouco realista.
Bem longe de depender apenas de uma declaração, a independência é um caminho longo e difícil. Para se concretizar, ela precisa do reconhecimento internacional, da criação de um aparato estatal (incluindo forças armadas e embaixadas) e eventualmente de uma moeda própria, a não ser que a Catalunha queira usar uma moeda estrangeira (o euro, por exemplo) sem ter voz nas decisões sobre a política monetária.
A adoção de uma moeda própria pela Catalunha não é um processo tão simples como pode parecer. O clima de insegurança que fatalmente se seguiria à ruptura com a Espanha levaria a uma situação de instabilidade econômica e forte desvalorização monetária, fazendo, por exemplo, com que dívidas contraídas em euros por empresas e governos na Catalunha subissem de uma hora para a outra.
O simples temor de uma desvalorização da moeda catalã levaria investidores a retirar dinheiro da Catalunha, estimulando o círculo vicioso de desvalorização. Um processo semelhante aconteceu na Grécia, quando havia fortes rumores de que o país deixaria o euro. O temor da desvalorização de uma possível nova moeda grega gerou uma corrida aos bancos, obrigando o governo a impor limites.
O medo entre os investidores podia ser percebido já antes da frustrada declaração de independência. Logo depois do referendo de 1º de outubro, várias empresas anunciaram a transferência de suas sedes sociais da Catalunha para outras regiões da Espanha, entre elas os bancos Sabadell e La Caixa e a empresa de energia Gas Natural.
É uma situação semelhante à que se deu em Quebec, que em 1980 e em 1995 votou sobre a separação do Canadá. A chegada de um partido separatista ao poder na província, em 1976, deu início a um processo de fuga de capitais, empresas e principalmente de centenas de milhares de pessoas altamente qualificadas, muitas delas jovens.
União Europeia
A secessão da Espanha não significaria de jeito nenhum que a Catalunha passaria automaticamente a fazer parte da União Europeia (UE). Bem ao contrário, Bruxelas já deixou claro que vale para os catalães o mesmo processo de admissão que vale para todos os países que queiram integrar o bloco.
E mesmo se conseguisse cumprir todas as exigências de ingresso, a Catalunha certamente esbarraria num obstáculo intransponível: um candidato precisa do aval de todos os países-membros para ser aceito na União Europeia. O veto da Espanha bastaria para que a Catalunha jamais entrasse na União Europeia.
A Espanha, aliás, seria um entrave para qualquer acordo que os catalães tentassem fazer com o bloco. E vários outros países da União Europeia não teriam interesse em aceitar a Catalunha para não estimular secessões em seus próprios territórios.
Sem acesso ao mercado comum europeu, a economia catalã – com forte participação da indústria e das exportações – certamente sentiria o baque. Dois terços de tudo que a Catalunha exporta tem como destino a União Europeia, e as exportações para a UE (sem a Espanha) correspondem a cerca de um terço do PIB catalão. Mesmo as vendas para as demais regiões da Espanha seriam afetadas, pois as mercadorias catalãs estariam sujeitas a impostos de importação.
O influente setor financeiro é um dos mais sensíveis à exclusão da UE, pois a sede num país do bloco dá aos bancos o direito de fazer negócios em qualquer outro dos demais 27 membros. Se a Catalunha se separar da Espanha, os bancos sediados nela perderiam esse direito de um dia para o outro.
Isso sem falar de aspectos nos quais é difícil prever os efeitos, como o mercado de trabalho, as aposentadorias (o governo espanhol continuará pagando os pensionistas catalães?) e a busca de financiamento pelo novo Estado no mercado financeiro internacional.
A simplicidade do raciocínio separatista ("enviamos para Madri muito mais do que recebemos de volta") ignora que o cálculo sobre os efeitos econômicos de uma independência é muito mais complexo e deve considerar também todos os benefícios de fazer parte do mercado comum europeu e também do comércio com as demais regiões da Espanha.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que recebe no dia a dia.
Breve história da Catalunha
Desejo de independência da Espanha é acalentado pelos catalães há muito tempo. Ao longo dos séculos, região experimentou vários graus de autonomia e repressão.
Foto: picture-alliance/dpa/AP/F. Seco
Antiguidade rica
A Catalunha foi habitada por fenícios, etruscos e gregos, que estiveram nas áreas costeiras de Rosas e Ampúrias (acima). Depois vieram os romanos, que construíram mais assentamentos e infraestrutura. A Catalunha foi uma parte do Império Romano até ser conquistada pelos visigodos, no século 5.
Foto: Caos30
Condados e independência
A Catalunha foi conquistada pelos árabes no ano 711. O rei franco Carlos Magno interrompeu o avanço deles em Tours, no rio Loire, e em 759 o norte da Catalunha se tornou novamente cristão. Em 1137, os condados que compunham a Catalunha iniciaram uma aliança com a Coroa de Aragão.
Foto: picture-alliance/Prisma Archiv
Guerra e perda de território
No século 13, as instituições de autoadministração catalã foram criadas sob o nome Generalitat de Catalunya. Depois da unificação da Coroa de Aragão com a de Castela, em 1476, Aragão pôde manter suas instituições autônomas. No entanto, a revolta catalã – de 1640 a 1659 – fez com que partes da Catalunha fossem cedidas à atual França.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Lembrando a derrota
No final da Guerra da Sucessão, Barcelona foi tomada, em 11 de setembro de 1714, pelo rei espanhol Felipe 5°, as instâncias catalãs foram dissolvidas e a autoadministração chegou ao fim. Todos os anos, em 11 de setembro, os catalães fazem uma grande comemoração para lembrar o fim do seu direito à autonomia.
Foto: Getty Images/AFP/L. Gene
República passageira
Após a abdicação do rei Amadeo 1°, da Espanha, a primeira república espanhola foi declarada em fevereiro de 1873. Ela durou apenas um ano. Os partidários da república estavam divididos, com um grupo apoiando uma república centralizada e outros, um sistema federal. A foto mostra Francisco Pi y Maragall, um partidário do federalismo e um dos cinco presidentes da república de curta duração.
Foto: picture-alliance/Prisma Archivo
Tentativa fracassada
A Catalunha tentou estabelecer um novo Estado dentro da república espanhola, mas isso apenas exacerbou as diferenças entre os republicanos e os enfraqueceu. Em 1874, a monarquia e a Casa de Bourbon, liderada pelo rei Afonso 12 (foto), retomaram o poder.
Foto: picture-alliance/Quagga Illustrations
Direitos de autonomia
Entre 1923 e 1930, o general Primo de Rivera liderou uma ditadura – com o apoio da monarquia, do Exército e da Igreja. A Catalunha se tornou um centro de oposição e resistência. Após o fim do regime, o político Francesc Macia (foto) conseguiu impor direitos importantes de autonomia para a Catalunha.
Fim da liberdade
Na Segunda República Espanhola, os legisladores catalães trabalharam no Estatuto de Autonomia da Catalunha, aprovado pelo Parlamento espanhol em 1932. Francesc Macia foi eleito presidente da Generalitat de Catalunha pelo Parlamento catalão. No entanto, a vitória de Franco no fim da Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) acabou com tudo isso.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Opressão
O ditador Francisco Franco governou com mão de ferro. Partidos políticos foram proibidos, e a língua e a cultura catalãs, reprimidas.
Foto: picture alliance/AP Photo
Novo estatuto de autonomia
Após as primeiras eleições parlamentares que se seguiram ao fim da ditadura de Franco, a Generalitat da Catalunha foi provisoriamente restaurada. Sob a Constituição democrática espanhola de 1978, a Catalunha recebeu um novo estatuto de autonomia, apenas um ano depois.
O novo estatuto de autonomia reconheceu a autonomia da Catalunha e a importância da língua catalã. Em comparação com o estatuto de 1932, ele apresentou avanços nos campos da cultura e educação, mas restrições no âmbito da Justiça. A foto é de Jordi Pujol, que foi por longo tempo chefe de governo da Catalunha depois da ditadura.
Foto: Jose Gayarre
Anseio por independência
O desejo por independência da Espanha se tornou mais forte nos últimos anos. Em 2006, a Catalunha recebeu um novo estatuto, que ampliou ainda mais os poderes do governo catalão. No entanto, eles são perdidos após uma queixa levada pelo conservador Partido Popular ao Tribunal Constitucional espanhol.
Foto: Reuters/A.Gea
Primeiro referendo
Um referendo sobre a independência estava previsto para 9 de novembro de 2014. A primeira questão era "você quer que a Catalunha se torne um Estado?" No caso de uma resposta afirmativa, a segunda pergunta era "você quer que esse Estado seja independente?" No entanto, o Tribunal Constitucional suspendeu a votação.
Foto: Reuters/G. Nacarino
Luta de titãs
Desde janeiro de 2016, Carles Puigdemont é o presidente do governo catalão. Ele deu continuidade ao curso separatista de seu antecessor, Artur Mas, e convocou um novo referendo para 1° de outubro de 2017. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, disse que a consulta é inconstitucional.