Expressão é considerada pejorativa pelos jihadistas e até proibida nos territórios por eles ocupados. Conheça essa história na coluna desta semana.
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Com frequência cada vez maior, líderes internacionais referem-se ao grupo terrorista que ocupa boa parte do norte da Síria e do Iraque como Daesh, deixando de lado as várias outras denominações conhecidas, como Estado Islâmico, IS, ISIS ou ISIL. Na França, por exemplo, os governantes praticamente só usam esse termo, que também costuma ser priorizado pelo secretário de Estado dos EUA, John Kerry.
Ao usar o termo Daesh em vez de Estado Islâmico, esse líderes ocidentais rejeitam a pretensão do grupo de ser um Estado e califado e o tratam como aquilo que ele de fato é: uma associação terrorista. Além disso, os jihadistas não gostam da palavra Daesh, que tem uma conotação pejorativa. Nos seus territórios, o uso dela é proibido.
A existência de tantos nomes e siglas para designar essa organização terrorista tem a ver com a história do grupo, que trocou de nome diversas vezes.
As origens do autointitulado Estado Islâmico remontam à queda de Saddam Hussein, em 2003. Naquele ano, o jordaniano Abu Musab al-Sarkawi criou o grupo extremista sunita Jama'at al-Tawhid wal-Jihad para combater a presença americana no Iraque. O grupo é responsável pelo ataque à central da ONU em Bagdá, em 19 de agosto de 2003, no qual morreram 22 pessoas, incluindo o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Em outubro de 2004, o Jama'at al-Tawhid wal-Jihad jurou fidelidade à Al Qaeda e trocou pela primeira vez de nome, passando a se chamar Tanzim Qaidat al-Jihad fi Bilad al-Rafidain, sendo mais conhecido como Al Qaeda no Iraque.
Em janeiro de 2006, o grupo se uniu a vários outros numa organização chamada Majlis Shura al-Mujahideen fi al-Iraq. Com a morte de Zarqawi, em junho, o novo líder passou a ser o egípcio Abu Ayyub al-Masri.
Foi em outubro de 2006 que essa organização central foi substituída pelo Estado Islâmico no Iraque, ou Ad-Dawla al-Islamiya fi al-Iraq. Em inglês, a sigla ISI passou a ser utilizada pela imprensa para se referir ao grupo. Em maio de 2010, Abu Bakr al-Baghdadi virou o novo líder.
Em abril de 2013, Baghdadi decide fusionar o ISI com a organização Jabhat al-Nusra, também conhecida como Frente al-Nusra e de forte presença na Síria. Assim, ele dá ao novo grupo o nome de Al-Dawla al-Islamiya fi al-Iraq wa al-Sham, ou Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
Como Al-Sham designa a Síria histórica, também chamada de Grande Síria ou Levante, o nome do grupo era traduzido pela imprensa às vezes como Estado Islâmico no Iraque e no Levante e às vezes como Estado Islâmico no Iraque e na Síria, dando origem às siglas, em inglês, ISIS e ISIL.
A Frente al-Nusra, porém, não concordou com a fusão com o ISI e jurou fidelidade à Al Qaeda. A decisão levou Baghdadi a romper com a Al Qaeda e, desde então, os dois grupos são inimigos. Baghdadi manteve, porém, o novo nome do seu grupo.
Em junho de 2014, a organização passou por sua última renomeação. Baghdadi declarou um califado nos territórios conquistados, que passavam a ser chamados de Estado Islâmico, numa referência não ao grupo, mas ao Estado que este pretendia criar na região ocupada.
A renomeação nunca se impôs no mundo árabe, que preferiu manter o uso da palavra Daesh para se referir ao grupo. O termo tem sua origem na sigla em árabe para Al-Dawla al-Islamiya fi al-Iraq wa al-Scham, ou Daiish ou ainda Da'ish. A pronúncia lembra a palavra árabe dahes, que significa "aquele que semeia a discórdia" ou "aquele que tenta impor sua vontade", ou ainda a palavra daes, que significa "aquele que pisoteia". Por isso, passou a ser usada, de uma forma também irônica, por quem se opõe ao grupo.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.