Zeitgeist: Quem é Fethullah Gülen, o arquirrival de Erdogan?
Alexandre Schossler31 de julho de 2016
Fundador e líder espiritual de um movimento que foca principalmente na educação, teólogo é uma das pessoas mais influentes da Turquia e já foi aliado de Erdogan. Críticos o acusam de liderar uma seita. Confira na coluna.
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A tentativa de golpe de Estado na Turquia, em 15 de julho de 2016, colocou em evidência o teólogo islâmico Fethullah Gülen, acusado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan de estar por trás do movimento, uma acusação que o religioso nega com veemência.
Gülen, de 75 anos, é o teólogo islâmico mais influente da Turquia e o fundador e líder espiritual do movimento Hizmet (serviço), que abriu centenas de escolas no país e também no exterior, com milhões de seguidores em mais de cem países. Desde 1999, ele vive em exílio autoimposto na Pensilvânia, nos Estados Unidos.
O teólogo virou alvo da ira de Erdogan em 2013, quando promotores – supostamente ligados a ele – iniciaram investigações sobre corrupção contra ministros do governo Erdogan e pessoas ligadas ao primeiro-ministro. Este acusou Gülen de estar por trás das investigações.
Até então, Erdogan e Gülen eram aliados. Os dois se encaixam na tradição islâmica-religiosa da Turquia, em oposição ao secularismo representado pelos militares, e buscam, de maneiras distintas, dar um caráter mais religioso e menos secular à sociedade turca.
O principal caminho escolhido por Gülen para isso foi a educação de fundo religioso, que beneficiou muitas pessoas pobres, dando a elas a oportunidade de ascensão social. Muitos seguidores de Gülen alcançaram posições importantes dentro da sociedade turca, principalmente no setor de educação, na polícia e no judiciário.
Quando chegou ao poder, o partido islâmico-conservador AKP, de Erdogan, não via a ascensão social dos seguidores de Gülen como um problema. Ao contrário, eles forneciam um contraponto à velha elite, os chamados kemalistas, ou seguidores seculares de Mustafa Kemal Atatürk, o fundador do moderno Estado turco, e eram assim bem-vindos.
Defensores de Gülen afirmam que ele prega uma versão moderada, tolerante e moderna do islã, que favorece o diálogo interreligioso e a democracia. Eles lembram uma frase muito citada dele: "Construam escolas e não mesquitas". O teólogo também critica abertamente o terrorismo islâmico.
Já os críticos – principalmente setores de esquerda e seculares – acusam-no de uma interpretação conservadora do islã. Para eles, o movimento se apresenta como tolerante, aberto ao diálogo e voltado para a educação, mas os objetivos religiosos e ideológicos de seus líderes não estão claros.
Outros críticos, principalmente ligados ao AKP, afirmam que os seguidores de Gülen criaram um "Estado dentro do Estado", devido à grande influência de que desfrutam e por supostamente se auxiliarem mutuamente, como se fossem membros de uma seita.
Outros afirmam que o trabalho do Hizmet no setor de educação prepara o caminho para a islamização da sociedade turca, como uma espécie de revolução silenciosa. Além da educação, o movimento tem forte presença na mídia local.
Analistas afirmam que Erdogan e Gülen têm visões de mundo semelhantes, o que também explica por que foram aliados durante muito tempo. Assim, a atual divergência entre os dois não é programática, mas uma simples disputa por poder e influência na sociedade turca.
Gülen e sua organização foram declarados terroristas na Turquia, que pede, aos Estados Unidos, a extradição do teólogo.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que ele recebe no dia a dia.
Hagia Sophia na disputa das religiões
A Basílica de Santa Sofia, ou Hagia Sophia, em Istambul, é objeto de uma disputa. Nacionalistas turcos querem transformar atual museu em mesquita; enquanto o patriarca dos cristãos ortodoxos quer que volte a ser igreja.
Foto: picture-alliance/Marius Becker
Marco arquitetônico
No ano de 532, o imperador romano Justiniano 1º, que residia em Constantinopla, ordenou a construção de uma imponente igreja, "como não existe desde a época de Adão e nunca existirá novamente". Mais de 10 mil operários trabalharam nela. Dentro de apenas 15 anos, a estrutura externa era inaugurada. Durante um milênio a basílica foi o maior templo do cristianismo.
Foto: imago/blickwinkel
Palco de representação estatal
Consta que Justiniano 1º investiu quase 150 toneladas de ouro na construção da Hagia Sophia ("Sagrada Sabedoria" em grego). Mas em breve ela precisou ser reformada: projetada com uma forma plana demais, sua cúpula desabou durante um terremoto. Em breve a basílica passou a ser utilizada como igreja do Estado. Desde meados do século 7º, quase todos os soberanos bizantinos foram coroados nela.
Foto: Getty Images
De igreja a mesquita
O domínio bizantino sobre Constantinopla teve fim em 1453, quando o sultão otomano Mehmet 2º conquistou a cidade e transformou a Hagia Sophia em mesquita. Cruzes cederam lugar à lua crescente, sinos e altar foram destruídos ou desmontados, mosaicos e pinturas murais foram caiados por cima. Com a construção do primeiro minarete, o prédio sacro ganhou aparência muçulmana também por fora.
Foto: public domain
De mesquita a museu
Em 1934, o fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk (foto), transformou em museu a "Ayasofya", como é denominada em turco, na atual metrópole de Istambul. A secularização acarretou minuciosos trabalhos de restauração. Os antigos mosaicos bizantinos foram revelados, porém cuidou-se também para não destruir os posteriores acréscimos muçulmanos.
Foto: AP
Islã e cristianismo lado a lado
A agitada história da Hagia Sophia se apresenta a cada passo aos visitantes atuais: nesta foto, os nomes "Maomé" (esq.) e "Alá" (dir.) ladeiam Nossa Senhora com Jesus no colo (ao fundo). Notáveis são também as 40 janelas da grande cúpula: além de deixar entrar a luz, elas impedem que rachaduras se expandam, destruindo a estrutura cupular.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Ícones bizantinos
O mosaico mais imponente da Basílica de Santa Sofia (como também é conhecida no mundo cristão) é uma imagem do século 14, na parede da galeria sul. Mesmo não estando completamente preservado, os rostos ainda estão bem visíveis: no meio aparece Jesus, como senhor do mundo, Maria está à sua esquerda e João, à direita.
Foto: STR/AFP/Getty Images
Proibido rezar
Hoje em dia é proibido orar na Hagia Sophia. Bento 16 também obedeceu essa determinação durante a visita que fez ao local, em 2006, a qual transcorreu sob forte esquema de segurança, devido aos protestos dos nacionalistas contra a presença do papa. Recentemente a associação nacionalista-conservadora Juventude Anatólia reuniu 15 milhões de assinaturas, para que o museu volte a ser mesquita.
Foto: Mustafa Ozer/AFP/Getty Images
Alto valor simbólico
Não faltam construções sacras muçulmanas nas cercanias da Hagia Sophia. Logo ao lado erguem-se os minaretes da Mesquita do Sultão Ahmed, também conhecida como Mesquita Azul (dir.). Os nacionalistas exigem a transformação da basílica em mesquita: ela simbolizaria a tomada de Constantinopla pelos otomanos, constituindo, portanto, um legado islâmico que precisa ser preservado.
Foto: picture-alliance/Arco
Reivindicações ortodoxas
O patriarca de Constantinopla Bartolomeu 1º também reivindica a Hagia Sophia. Há anos o líder honorífico de todos os cristãos ortodoxos apela para que a basílica seja reaberta à liturgia. "A Hagia Sophia foi construída para ser testemunha da fé cristã", argumenta o bispo ortodoxo.
Foto: picture-alliance/dpa
Destino em aberto
O futuro da Hagia Sophia é incerto. Até agora, somente o partido nacionalista MHP reivindica a transformação do museu em mesquita. Dois requerimentos seus já fracassaram no Parlamento. O governo turco não se manifesta sobre essa questão, aparentemente em reação a protestos internacionais. A Unesco também está preocupada: afinal, desde 1985 a Hagia Sophia é Patrimônio Cultural da Humanidade.