Zidane mancha sua despedida com expulsão
9 de julho de 2006Uma atitude injustificável manchou a despedida do futebol de um dos maiores astros do esporte: num lance longe da bola, o capitão francês Zinedine Zidane respondeu às provocações do defensor italiano Materazzi com uma cabeçada no peito do adversário. Avisado pelo bandeirinha, o juiz expulsou o francês.
O palco que veria a despedida do grande capitão acabou testemunhando uma tragédia: com Zidane expulso, a França, que estava melhor no jogo, se desestabilizou na partida e acabou perdendo o título para a Itália nos pênaltis. E o maior jogador francês será para sempre lembrado pela sua atitude intempestiva.
A expulsão encerrou de forma melancólica uma trajetória brilhante e não fez justiça ao que Zidane havia apresentado na Copa até os 20 minutos da prorrogação da final contra a Itália. Logo aos 5 minutos de jogo, ele bateu um pênalti com a impassibilidade que só a experiência traz: chutou na bola por baixo, quase com o peito do pé, e ela subiu, bateu no travessão, quicou atrás da linha do gol, subiu, bateu de novo no travessão e voltou. O goleiro estava no outro canto. Gol da França.
Na Copa em que se esperava que o brilho viesse de talentos jovens, como Ronaldinho, Messi ou Cristiano Ronaldo, quem brilhou mais do que todos foi o desacreditado Zinedine "Zizou" Zidane, um jogador que já havia até mesmo anunciado sua aposentadoria do futebol. A Copa era o seu último compromisso.
Trajetória de cinema
O maior jogador da grande nacion cristã e orgulhosa de suas tradições é filho de imigrantes argelinos e define a si mesmo como um "muçulmano não-praticante". A sua trajetória no futebol, se não fosse verdade, seria o roteiro de um filme.
Primeiro capítulo: o triunfo. Zidane foi o principal nome da primeira grande conquista do futebol francês. Em 1998, na Copa disputada na França, comandou a equipe dos Bleus e fez dois gols na vitória de 3 a 0 sobre a seleção brasileira, na final.
Segundo capítulo: a queda. A França foi eliminada da Copa de 2002 ainda na primeira fase, sem marcar gols. Na Eurocopa de 2004, outro fracasso. E Zidane anunciou que não jogaria mais pela seleção francesa.
Terceiro capítulo: o retorno triunfal e a atitude irresponsável. Ante a ameaça de nem mesmo se classificar para a Copa 2006, o técnico Raymond Domenech pediu ao astro que reconsiderasse. A França precisava dele. Zidane voltou, ajudou uma equipe desacreditada a se classificar para o Mundial e a levou até a final.
Quando tudo indicava que a França conquistaria o bicampeonato, o capitão da equipe acerta uma cabeçada no peito de um adversário. E uma despedida que poderia ser coroada com um título acaba em expulsão.
Grandes seleções
A França foi derrotada na final, mas Zizou pode se dar ao luxo de dizer que, das oitavas à final, sua equipe teve pelo caminho apenas grandes seleções. E, com todas elas, o francês tem suas relações pessoais.
Contra a Espanha, fez o último gol na vitória de 3 a 1 já nos acréscimos, ao invadir a área driblando a defesa. Foi atuando no futebol espanhol, jogando pelo Real Madrid, que Zidane foi escolhido duas vezes o melhor jogador de futebol do mundo. Ao eliminar a Espanha, mandou mais cedo para casa boa parte dos seus colegas de equipe.
Contra o Brasil, esbanjou toques precisos e dribles curtos, deu um chapéu em Ronaldo e colocou a bola nos pés de Henry no gol que selou o destino da estrelada seleção brasileira. Robinho queria aposentar Zidane. Aprendeu do velho mestre que jogadores de futebol devem jogar mais e falar menos.
Depois de ter imposto duas derrotas em Copas para a seleção brasileira, uma delas numa final, é de se imaginar que a palavra Brasil trará boas lembranças ao francês pelo resto de sua vida. E a história se repetiu: Zidane tirou da Copa amigos como Ronaldo e Roberto Carlos.
Contra Portugal, cobrou com perfeição o pênalti que tirou a equipe de Luiz Felipe Scolari do que seria a primeira final de Copa do Mundo da sua história. Ricardo, bom goleiro, caiu para o lado certo. Mas o chute era rasteiro, no canto, preciso demais até para um bom goleiro.
Mais uma vez, um amigo ia mais cedo para casa: Figo, também colega de Real Madrid.
Só os italianos pararam os franceses. O time de Del Pierro, com quem Zidane jogou na Juventus de Turim, e Marcelo Lippi, que foi seu técnico na mesma equipe, não mostrou um futebol que o fizesse merecer o título. Mas Zidane, mesmo tendo jogado bem e feito um gol, teve na expulsão uma atitude de quem também não merece um título.
A Itália também foi um país que marcou Zidane: foi onde ele apareceu para o futebol mundial. Defendia a Juventus de Turim quando foi eleito por duas vezes o melhor jogador de futebol do mundo e quando conquistou a Copa de 1998.
Biografia
Zidane começou sua carreira no pequeno Cannes, em 1989. Em 1992, se transferiu para o Bordeaux, clube de maior expressão. A carreira internacional se iniciou em 1996, na Juventus de Turim. Pelo clube italiano, o astro francês foi campeão mundial de clubes e duas vezes campeão nacional.
A consagração veio com a Copa do Mundo de 1998, disputada na França. Os dois gols na final contra a seleção brasileira foram os primeiros de Zidane numa Copa do Mundo. A França venceu por 3 a 0 o jogo que lhe deu o seu primeiro título mundial.
Em 2001, o francês foi uma das estrelas contratadas pelo Real Madrid para formar o seu time de galáticos. Com os espanhós, conquistou um mundial de clubes, duas Liga dos Campeões e dois campeonatos nacionais.
Zidane disputou 108 partidas pela seleção francesa. Marcou 31 gols. Comandou sua equipe na conquista de uma Copa do Mundo, de uma Eurocopa e de um vice-campeonato mundial. Foi eleito três vezes pela Fifa como o melhor jogador de futebol do mundo (1998, 2000 e 2003). Encerrou sua carreira aos 34 anos como o melhor jogador da história da França, mas com uma mancha pela qual será sempre lembrado: a cabeçada no peito do adversário que resultou na sua expulsão e no fim do sonho do bicampeonato mundial francês.