Em testes com camundongos, cientistas da USP conseguiram eliminar tumores no sistema nervoso central em estágio avançado. Pesquisa utilizou dois tipos de câncer comuns em crianças. Próximo passo é testar em humanos.
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O vírus zika, cuja epidemia figurou como emergência sanitária de alcance global até pouco tempo atrás, pode ser eficaz contra o câncer. É o que revelou um estudo brasileiro publicado nesta quinta-feira (26/04) na revista científica Cancer Research, renomada na área oncológica.
Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) testaram pela primeira vez em animais a eficácia do vírus no tratamento de tumores cerebrais agressivos que atingem principalmente crianças.
As cobaias, camundongos de baixa imunidade, receberam células humanas com estágio avançado de tumores. Após injetar pequenas quantidades do zika no encéfalo desses animais, os pesquisadores observaram uma redução significativa da massa tumoral e o aumento da sobrevida dos bichos.
Em 20 de 29 animais tratados com o zika, os tumores regrediram. Em sete deles, o tumor foi eliminado totalmente. Em alguns casos, o vírus também foi efetivo contra metástases (quando o câncer se espalha para o resto do organismo) – ou eliminou o tumor secundário, ou impediu seu desenvolvimento.
A pesquisa utilizou principalmente linhagens celulares humanas derivadas de dois tipos de câncer que afetam o sistema nervoso central: o meduloblastoma e o tumor teratoide rabdoide atípico, conhecido pela sigla AT/RT. Ambos atingem crianças de até cinco anos.
Em 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS), assim como o Ministério da Saúde brasileiro, declarou a epidemia de zika uma emergência sanitária, após um aumento extraordinário de casos de microcefalia em recém-nascidos relacionados com a infecção pelo vírus.
Ao descobrirem que as mesmas células que o zika costuma atacar em fetos – causando a má-formação cerebral – estão presentes também em alguns tumores, os cientistas passaram a testar a eficácia do vírus em terapias de cânceres cerebrais.
"Nossos estudos e de outros grupos mostraram que o vírus zika causa microcefalia porque infecta e destrói as células-tronco neurais do feto, impedindo que novos neurônios sejam formados. Foi então que tivemos a ideia de investigar se o vírus também atacaria as células-tronco tumorais do sistema nervoso central", explica Oswaldo Keith Okamoto, um dos principais autores do estudo.
A pesquisa concluiu que o zika possui "uma afinidade ainda maior pelas células tumorais do sistema nervoso central do que pelas células-tronco neurais sadias", que são os principais alvos do vírus em cérebros de fetos expostos durante a gestação. "E, ao infectar a célula tumoral, ele a destrói rapidamente", acrescenta Okamoto.
Segundo o cientista, os resultados sugerem que vários tipos de tumores agressivos do sistema nervoso central podem vir a ser tratados com algum tipo de abordagem envolvendo o zika, no futuro.
"Antes, porém, precisamos investigar melhor quais tipos de tumores respondem a esse efeito oncolítico [que destrói as células cancerosas], quais os benefícios do tratamento e quais os efeitos colaterais da exposição ao patógeno", afirma Okamoto.
Os cientistas esperam agora testar a terapia não só em animais, mas em pessoas. "Estamos muito animados com a possibilidade de testar o tratamento em pacientes humanos e já estamos conversando com oncologistas", diz Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP.
EK/abr/ots
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O vírus zika e sua trajetória
O zika contaminou centenas de milhares de pessoas no Brasil e numa série de países a partir de meados de 2015. Conhecido desde 1947, o vírus nunca tinha feito um estrago tão grande.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Origem na floresta
O vírus zika foi identificado pela primeira vez em 1947, isolado no sangue de um macaco na floresta de Zika (foto), em Uganda.
Foto: DW/S. Schlindwein
Primeiro paciente na Tanzânia
Em 1952 o zika foi diagnosticado pela primeira vez num paciente da Tanzânia. Acredita-se que o vírus tenha se espalhado pelos países vizinhos nos anos seguintes. Nesse processo, surgiram três cepas diferentes: duas identificadas na África e uma, na Ásia.
Foto: DW/M. Bello
Casos isolados
Entre o primeiro caso e 2007, só foram identificados 14 contágios pelo vírus zika. Não é fácil diagnosticar a doença: até 80% dos contaminados não desenvolvem qualquer sintoma, e os que se manifestam podem ser confundidos com gripe ou dengue. Entre os anos 1970 e 2000, observatórios médicos isolaram o vírus em cinco países da África, quatro da Ásia e um na Oceânia.
Foto: Reuters/I. Alvarado
Primeiro surto
Em 2007 um surto de zika alcançou grandes proporções, pela primeira vez. Na Micronésia, arquipélago com centenas de pequenas ilhas, 5 mil foram infectados pela doença. Por desconhecimento, muitos casos foram confundidos com episódios de dengue ou chikungunya, igualmente transmitidas por mosquitos do gênero Aedes e com sintomas semelhantes.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Surto no Pacífico
Um surto de zika entre 2013 e 2014 em ilhas do Pacífico fez 55 mil vítimas – 11 vezes mais do na Micronésia. A Polinésia Francesa foi a mais afetada. As ilhas Cook, Nova Caledônia e a da Páscoa (pertencente ao Chile) também tiveram casos confirmados.
Foto: Michael Marek
Sinal vermelho
Os primeiros casos de zika no Brasil foram detectados em abril de 2015. O número de infectados cresceu rapidamente, em pleno outono. Até então, os surtos de dengue, também transmitida pelo Aedes aegypti, costumavam ocorrer somente durante o verão.
Foto: EBC
Emergência no Brasil
Médicos brasileiros identificaram um aumento no número de casos de microcefalia congênita em áreas do Nordeste, que associaram à epidemia de zika. Em outubro de 2015, outros nove países da América do Sul e Central registram transmissão local do vírus.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Fabres
Alerta da OMS
A rápida difusão do vírus levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar estado de emergência para os casos de microcefalia em fevereiro de 2016. Um mês depois era confirmada a conexão entre a doença e os bebês nascidos com microcefalia.
Foto: Reuters/Centers for Disease Control
Proteção é melhor defesa
Não há vacina, só tratamento dos sintomas, sendo os mais comuns febre, dor de cabeça, coceira, cansaço e dor muscular e nas juntas. O mosquito costuma picar no começo da manhã e da noite. A recomendação da OMS é usar repelente e cobrir pernas, pés e braços. Ambientes refrigerados também são pouco atraentes para o mosquito. Preservativos previnem o contágio sexual.
Foto: Bayer CropScience
Expansão continua
No primeiro semestre de 2016, foram anotados na Europa cerca de 600 casos de zika em 18 países, todos em indivíduos que visitaram locais com surto da doença. Com a chegada do verão, porém, há risco de aumento de incidência. Desde setembro de 2015, 46 países no mundo registraram surtos de zika pela primeira vez. Só nos Estados Unidos havia 2.200 casos até o fim de junho de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa
Polêmica sobre Jogos 2016
Mais de 100 cientistas divulgaram carta aberta pedindo o adiamento ou mudança de local dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Eles consideraram arriscada a exposição ao vírus e a possibilidade de que fosse levado a outros países. No dia seguinte, a OMS descartou a mudança de planos. O governo brasileiro prometeu aumentar o efetivo de médicos nos hospitais e de agentes de saúde durante os Jogos.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Sayao
Risco no Rio
Por precaução, diversos esportistas desistiram de participar dos Jogos Olímpicos no Rio. Entre eles, os americanos Jordan Spieth, John Isner e Sam Querrey, e os australianos Bernard Tomic, Nick Kyrgios e Marc Leishman. Já Hope Solo, goleira da seleção americana de futebol, participará, mas publicou no Twitter seu "kit de proteção": um grande frasco de repelente e chapéu de apicultor.
Foto: https://twitter.com/hopesolo
Novas descobertas
O vírus está sendo intensamente estudado por equipes internacionais. Dez países registraram indícios de transmissão da doença de pessoa a pessoa, sem intervenção do inseto e, provavelmente, por via sexual. Disseminado normalmente por mosquitos do gênero Aedes, o zika foi também associado a um aumento dos casos da síndrome Guillain-Barré, que afeta o sistema neurológico.